“Sua Mãe disse-Lhe: ‘Meu filho, porque fizeste isto conosco? Olha que Teu pai e eu andávamos angustiados, à Tua procura’” (Lc 2,48).

Hoje a Liturgia da Igreja recorda o Coração Imaculado da Bem-aventurada Virgem Maria. Dirigimos o nosso olhar para Maria que, cheia de solicitude e de preocupação, procura Jesus perdido durante a peregrinação a Jerusalém. Como devotos israelitas, Maria e José iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa.

Quando Jesus tinha doze anos foi com eles pela primeira vez. Foi nessa ocasião que se verificou o acontecimento que contemplamos no quinto mistério gozoso do Santo Rosário, o mistério do encontro.

São Lucas descreve-o de modo muito comovedor, com base nas notícias, como se pode imaginar, recebidas da Mãe de Jesus: “Meu filho, porque fizeste isto conosco? […] andávamos angustiados, à Tua procura”.

Maria, que tinha trazido Jesus sob o seu coração e o tinha protegido contra Herodes fugindo para o Egito, confessa humanamente a sua grande angústia pelo Filho.

Sabe que deve estar presente no seu caminho. Sabe que mediante o amor e o sacrifício colaborará com Ele na obra da Redenção. Desta forma, entramos no mistério do grande amor de Maria para com Jesus, do amor que abraça com o seu Coração Imaculado o Amor inefável, o Verbo do eterno Pai. […]

No percurso da minha peregrinação através da Polônia acompanha-me o Evangelho das oito bem-aventuranças pronunciadas por Cristo no Sermão da Montanha.

Aqui em Sandomierz Cristo dirige-se a nós: “Felizes os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5, 8). Estas palavras introduzem-nos no profundo da verdade evangé­lica sobre o homem. Encontram Jesus aqueles que o procuram, como o procuravam Maria e José.

Este acontecimento ilumina aquela grande tensão presente na vida de cada homem, que é a busca de Deus. Sim, o homem procura deveras Deus; procura-o com a sua mente, com o seu coração e com todo o seu ser. Diz Santo Agostinho: “inquieto é o coração nosso enquanto não repousa em Deus” (cf. Confissões, I). Esta inquietude é criativa.

O homem procura Deus porque n’Ele, só n’Ele, pode encontrar o próprio cumprimento, o cumprimento das próprias aspirações à verdade, ao bem e ao belo. “Tu não me procurarias se já não me tivesses encontrado”, escreve Blaise Pascal acerca de Deus e do homem (Pensamentos, sec VII, n. 555).

Isto significa que o próprio Deus participa nesta busca, quer que o homem o procure e cria nele as condições necessárias, para que ele o possa encontrar.

De resto, o próprio Deus aproxima-se do homem, fala-lhe de si, permite-lhe conhecer-se. A Sagrada Escritura é uma grande lição sobre o tema desta procura e deste encontro de Deus. Apresenta-nos numerosas e magníficas figuras daqueles que procuram e que encontram Deus.

Ao mesmo tempo, ensina como o homem deveria aproximar-se de Deus, que condições deveria satisfazer para encontrar este Deus, para o conhecer e unir-se a Ele.

Uma destas condições é a pureza do coração. De que se trata? A este ponto tocamos a pró­pria essência do homem o qual, em virtude da graça da redenção realizada por Cristo, readquiriu a harmonia do coração perdida no paraíso por causa do pecado.

Ter um coração puro significa ser um homem novo, restituído à vida em comunhão com Deus e com toda a criação pelo amor redentor de Cristo, reconduzido à comunhão que é o seu destino originá­rio.

A pureza do coração é, antes de mais, um dom de Deus. Cristo, ao doar-se ao homem nos sacramentos da Igreja, insere-se no seu coração e ilumina-o com o “esplendor da verdade”.

Só a verdade, que é Jesus Cristo, é capaz de iluminar a razão, de purificar o coração e de formar a liberdade humana. Sem a compreensão e a aceitação a fé extingue-se.

O homem perde a visão do sentido das coisas e dos acontecimentos, e o seu coração procura a satisfação onde não a pode encontrar. Por isso, a pureza do coração é, em primeiro lugar, a pureza da fé.

Com efeito, a pureza do coração prepara para a visão de Deus face a face nas dimensões da felicidade eterna.

Acontece isto, por que já na vida temporal os puros de coração são capazes de entrever em toda a criação o que é de Deus. São capazes, num certo sentido, de revelar o valor divino, a dimensão divina, a beleza divina de toda a criação.

A bem-aventurança do Sermão da Montanha, duma certa forma, indica-nos toda a riqueza e beleza da criação e exorta-nos a saber descobrir em cada coisa o que provém de Deus e o que conduz a Ele.

Por conseguinte, o homem carnal e sensual deve ceder, deve deixar o lugar ao homem espiritual, espiritualizado. É um processo profundo, em união com o esforço interior. Ele, apoiado pela graça de Deus, dá frutos maravilhosos.

A pureza do coração é, portanto, dada ao homem como tarefa. Ele deve constantemente assumir a fadiga de se opor às forças do mal, às que pressionam do exterior e às que agem do interior, que o querem afastar de Deus.

E, desta forma, no coração do homem combate-se uma luta incessante pela verdade e pela felicidade. Para vencer esta luta, o homem deve dirigir-se a Cristo.

Só será capaz de vencer se estiver corroborado pela Sua força, pela força da sua Cruz e da sua Ressurreição. “Ó Deus, cria em mim um coração puro” (Sl 50 [51],12), exclama o Salmista, consciente da debilidade humana, porque sabe que para ser justo perante Deus, só o esforço humano não é suficiente.

Queridos Irmãos e Irmãs, esta mensagem sobre a pureza do coração torna-se hoje muito atual.

A civilização da morte quer destruir a pureza do coração. Um dos seus métodos de agir é pôr intencionalmente em dúvida o valor da atitude do homem, que definimos como virtude da castidade.

É um fenômeno de modo particular perigoso quando o objetivo do ataque são as consciências sensíveis das crianças e dos jovens.

Uma civilização que, agindo desta forma, fere ou até aniquila uma relação correta entre os homens, é uma civilização da morte, porque o homem não pode viver sem o verdadeiro amor.

Dirijo estas palavras a todos vós que participais no hodierno Sacrifício eucarístico, mas dirijo-as, de maneira especial, aos numerosos jovens aqui presentes, aos soldados da tropa e aos escoteiros.

Anunciai ao mundo a “Boa Nova” da pureza do coração e, com o exemplo da vossa vida, transmiti a mensagem da civilização do amor. Conheço a vossa sensibilidade à verdade e à beleza. Hoje, a civilização da morte propõe-vos, entre outras coisas, o chamado “amor livre”.

Neste gê­nero de deformação do amor chega-se à profanação dum dos valores mais queridos e sagrados, porque a libertinagem não é amor nem liberdade. “Não vos amoldeis às estruturas deste mundo, mas transformai-vos pela remoção da mente, a fim de distinguir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que Lhe é agradável, o que é perfeito” (Rm 12, 2), admoesta-nos São Paulo.

Não tenhais medo de viver contra as opiniões da moda e as propostas em contraste com a lei de Deus. A coragem da fé tem um preço muito elevado, mas vós não podeis perder o amor! Não permitais que alguém vos torne escravos!

Não vos deixeis seduzir pelas ilusões da felicidade, pelas quais deveríeis pagar um preço demasiado elevado, o preço de feridas por vezes incuráveis ou até duma vida despedaçada, da pró­pria e do próximo! 

Quero repetir a vós o que já disse, noutra ocasião, aos jovens noutro continente:

Só um coração puro pode amar plenamente a Deus! Só um coração puro pode levar plenamente acabo a grande empresa do amor que é o matrimônio! Só um coração puro pode servir plenamente os demais […].

Não deixeis que destruam o vosso futuro, não deixeis que vos arrebatem a riqueza do amor! Assegurai a vossa fidelidade, a das vossas famí­lias, que haveis de formar no amor de Cristo (L’Osservatore Romano, ed. port. de 19/6/1988, pág. 14, n. 5).

Dirijo-me também às nossas famílias polonesas, a vós pais e mães. É preciso que a família assuma uma firme posição em defesa da salvaguarda das entradas da pró­pria casa, em defesa da dignidade de cada pessoa.

Preservai as vossas famílias da pornografia, que hoje invade sob várias formas a consciência do homem, especialmente das crianças e dos jovens. Defendei a pureza dos costumes nos vossos lares domésticos e na sociedade.

Educar para a pureza é uma das grandes tarefas da evangelização que agora se nos apresenta. Quanto mais pura for a família, mais sadia será a nação. E nós queremos permanecer uma nação digna do próprio nome e da própria vocação cristã.

“Felizes os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5, 8).

Fixemos o olhar na Virgem Imaculada de Nazaré, Mãe do Belo Amor, que acompanha os homens de todos os tempos, em particular, dos nossos tempos, na “peregrinação de fé” rumo à casa do Pai.

Ela é-nos recordada não só pela memória litúrgica de hoje, mas também pela magnífica Basílica-Catedral que domina esta cidade. Tem o seu nome: é uma coincidência eloqüente do lugar e do momento.

Até a Mãe de Jesus, à qual foi revelado de maneira mais plena o mistério da filiação divina de Cristo, teve que aprender longamente o mistério da Cruz:

“Meu filho, porque fizeste isto conosco?”– recorda-nos o Evangelho de hoje – “Olha que Teu pai e eu andávamos angustiados, à Tua procura”. Jesus respondeu: “Porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu devo estar na casa de Meu Pai?” Mas eles não compreenderam o que o Menino acabava de lhes dizer (Lc 2, 48-50).

De fato, Jesus falava-lhes da sua obra messiânica.

Antes de compreender isto, o homem aprende “com o sofrimento do coração” o Amor crucificado. Mas se, como Maria, “medita tudo fielmente no seu coração” (cf. Lc 2, 51) tudo o que Cristo diz, se é fiel à chamada divina, compreenderá aos pés da Cruz a coisa mais importante, ou seja, que é unicamente verdadeiro o amor em união com Deus, que é Amor.

 

Extraído da homilia pronunciada por S. S. João Paulo II em Sandomierz, Polônia, em 12 de junho de 1999.