Era o ano de 1862. Henry Lassere, literato famoso, sofria de uma grave enfermidade que, aos poucos, o estava deixando cego. Consultara os melhores médicos especialistas, e todos afirmaram não haver solução para o seu caso.
Muito angustiado diante da perspectiva da cegueira total, decidiu escrever uma carta a um de seus melhores amigos, Charles Freycinet, engenheiro renomado, ao qual confiou seu drama e sua aflição.
Dias depois chegou a resposta de Freycinet, contendo um conselho inesperado, pois este era protestante:
Voltando de Cauterets um destes dias, passei por Lourdes. Visitei a célebre gruta e soube coisas maravilhosas sobre as curas produzidas pela água da fonte.
Com muita insistência peço-te que tentes este meio. Eu, se fosse católico e crente, como tu és, não hesitaria um momento em recorrer a este meio.
Se for verdade que os doentes foram curados repentinamente, tu podes ser um deles; e se assim não for, que perdes em experimentar?…
Decorrido pouco tempo, a 2 de outubro de 1862, reencontraram-se os dois amigos em Paris. Freycinet insistiu novamente com Lassere, procurando persuadi-lo a seguir seu conselho. Colocou-se à sua disposição para enviar uma carta a Lourdes, solicitando a milagrosa água.
Tal era seu desejo de fazer-lhe bem que, inclusive, o aconselhou a confessar-se a fim de se preparar dignamente para a divina intervenção. Diante dessa atitude, Lassere ficou impressionado.
Ouçamos dele próprio a narrativa de um dos maiores prodígios ocorridos nos primórdios da gruta de Lourdes:
Na tarde desse dia (10 de outubro de 1862), ditei algumas cartas a Freycinet e, às quatro horas, voltei para casa.
Quando subia a escada, o carteiro entregou-me uma pequena caixa de madeira, na qual estava escrito: “Água natural”. Era água de Lourdes. Senti uma fortíssima impressão.
— A coisa torna-se séria – disse comigo mesmo. Freycinet tem razão: sem me haver purificado, não posso pedir a Deus um milagre em meu favor.
Lassere saiu à procura de confissão, mas em vão, pois havia grande quantidade de pessoas na fila do confessionário.
Minha inclinação me levava a distrair-me – continua ele – mas uma voz paternal me chamava ao recolhimento.
Hesitei por muito tempo… Finalmente fui para casa. Tomei a caixa, que continha também uma notícia das aparições de Lourdes, e subi para o quarto.
Ajoelhei-me ao pé da cama e, apesar de minha indignidade, pedi a Deus a cura de minha cegueira.
Mas receava tocar com minhas mãos impuras nesse cofre que encerrava a água sagrada, e, por outro lado, sentia uma grande tentação de abri-lo e pedir a cura, antes mesmo da confissão que tencionava fazer à noite.
Essa violenta angústia durou muito tempo, encerrando-se com uma prece:
Sim, meu Deus, sou um miserável pecador, indigno de tocar um objeto que abençoastes, mas é o acúmulo das minhas misérias que deve mover vossa compaixão.
Meu Deus, recorro a Vós e à Virgem Maria, cheio de fé e submissão, do fundo do meu abismo. Esta noite confessarei ao vosso ministro minhas culpas.
Mas minha fé não pode, não quer esperar. Perdoai-me, Senhor, e curai-me. E Vós, Mãe de Misericórdia, socorrei este desafortunado filho.
Depois deste apelo à Bondade Divina, encontrei ânimo para abrir a caixinha. Dentro, estava uma garrafa de água límpida, cuidadosamente empacotada.
Tirei a rolha, coloquei a água numa xícara e tomei uma toalha.
Esses preparativos, que fazia com minucioso cuidado, eram de uma solenidade que me impressionava.
Eu não estava só. Era patente a presença de Deus e de Nossa Senhora, que eu há pouco invocara.
Uma fé ardente me abrasava a alma. Ajoelhei-me e rezei: “Santíssima Virgem, tende pena de mim e curai minha cegueira física e moral!”
Com o coração cheio de confiança, esfreguei os olhos, embebendo-os em água de Lourdes. Esta operação não durou mais de trinta segundos. E qual não foi minha surpresa quando a água miraculosa tocou nos meus olhos, imediatamente senti-me curado.
Foi como se um raio me fulminasse, é o que posso dizer para explicar-me. Quão grande é a contradição da natureza humana!
Momentos antes eu acreditava que se realizaria o milagre e agora eu não podia dar crédito aos meus olhos, os quais me certificavam a cura completa!
Tal foi a minha hesitação que cometi a falta de Moisés, batendo duas vezes no rochedo. Continuei a orar e a molhar os olhos e a testa, sem me atrever a verificar o prodígio.
Mas, ao cabo de dez minutos, eram tais as energias vitais que eu passava a ter na vista, que a dúvida era impossível.
— Estou curado! – bradei.
Corri a pegar um livro para ler… mas interrompi esse movimento.
— Não, o primeiro livro que devo levar aos olhos não pode ser ao acaso…
E fui procurar o folheto relativo às aparições de Nossa Senhora em Lourdes, que viera juntamente com a água. Li 104 páginas seguidas, sem parar.
Vinte minutos antes, não poderia ter lido três linhas. E se me custou parar na página 104, foi porque eram 17:30h e, a essa hora, a 10 de outubro, em Paris é noite.
Fui confessar-me e comuniquei ao Pe. Ferrand de Missol a grande dádiva que a Santíssima Virgem havia me concedido.
Ele me permitiu comungar no dia seguinte para dar graças a Deus e tomar a firme resolução de que um acontecimento dessa natureza deveria transformar meu coração.