— Não sei mais o que fazer. Já conversei com a assistente social da escola, com a psicóloga, com a diretora… Estou participando de todas as reuniões do conselho de pais e mestres, procurei até os professores e os colegas do Zezinho… Mas ele está ficando cada vez pior.

A senhora apenas começava:

— Na última briga, doutor, ele chegou em casa com o nariz sangrando. Mal melhorou, pegou uma faca na cozinha e foi para frente de um espelho ensaiar a vingança. Com muita dificuldade consegui tomar-lhe a faca. Depois dessa, fico com pânico do que possa acontecer. Em casa, o Zezinho não respeita mais ninguém. Logo que o pai chega do trabalho, ele já o insulta e desafia. Se o pai não fosse tão paciente, nem sei o que teria acontecido. Os irmãos e os vizinhos passam longe dele, cansados de tantas brigas…

E concluía a aflita senhora:

Ainda bem que ele gosta de assistir à televisão. Fica lá horas e horas, até tarde da noite. Pelo menos, enquanto está lá, não cria problemas. Mas é só desligar o aparelho e pronto, começa tudo de novo…

O médico ficou apreensivo. Ele conhecia o menino e sabia que era saudável. Tudo indicava não se tratar de um distúrbio orgânico, mas puramente psicológico. Como abordar a questão e torná-la compreensível à Da. Abigail, uma boa senhora, sem dúvida, mas de uma formação apenas mediana? 

Não que ele não soubesse o que dizer. Antes pelo contrário, a resposta era tão fácil, e até tão óbvia, que sua dificuldade era exatamente torná-la crível.

Por outro lado, ele era conhecido na cidade como médico católico, e tinha sido procurado justamente por isso. Mas ele sabia, por experiência própria, que não faltaria quem procurasse a senhora para dar palpites do gênero: “Isso é o que aquele médico carola está dizendo. Será que a ciência moderna está de acordo?”

Era necessário, portanto, não só orientá-la, mas dar-lhe segurança quanto à solidez da orientação.

O menino entrou no consultório e, depois de proceder a um minucioso exame para certificar-se de que a criança gozava de boa saúde física, o médico chamou de lado a mãe e disse:

— Compreendo bem seu sofrimento, Da. Abigail. A senhora é uma mãe carinhosa, seu esposo é um pai dedicado. Como explicar o que está acontecendo?

Da. Abigail aproximou-se da mesa, como para ouvir a melhor o médico, que iniciou com uma explicação científica para chegar ao óbvio:

— Nos congressos médicos de que tenho participado, este tipo de problema vem se tornando objeto de uma atenção cada vez maior, pela frequência com que está ocorrendo. Também as revistas científicas têm trazido um nú­mero crescente de estudos sobre a matéria.

Sorriu, antes de continuar:

— Olha, se eu fosse lhe contar tudo que tenho lido ultimamente, poderia acabar mais lhe confundindo do que esclarecendo.

A mulher, um tanto tensa, prestava atenção a cada palavra:

Tenho aqui um trabalho recente que tem a vantagem de ser, ao mesmo tempo, claro e objetivo. É uma pesquisa realizada na Universidade Colúmbia, de Nova York, e publicada recentemente pela revista Science, da qual sou assinante.

Abriu a revista diante da mulher e continuou:

— Em poucas palavras, ela diz o seguinte: uma equipe psiquiátrica acompanhou o comportamento de 707 crianças no estado norte-americano de Nova York durante 17 anos. Eles constataram que, dentre os adolescentes que assistiam a menos de uma hora de televisão por dia, apenas 5,7% se envolveram com episódios de violência. Entretanto, para aqueles que ficavam de uma a três horas diárias diante da TV, este número saltava para 22,5%.

— Nossa!

— Para a senhora ver! E entre os que assistiam a mais de três horas por dia, 28,8% praticaram atos violentos. Uma relação direta, portanto. A vinculação entre a assistência à TV e os atos agressivos ficou clara mesmo depois de os pesquisadores levarem em conta fatores como falta de cuidados na infância, baixa renda familiar ou distúrbios psíquicos preexistentes.

— Puxa, doutor! Apenas uma hora a mais por dia, e já dá essa diferença toda!

— Pois é! Veja também o que diz a Associação Americana de Psicologia.

Ela aproximou-se um pouco mais:

— Eles verificaram que uma hora média de programa televisivo apresenta de três a cinco atos violentos. E segundo o Dr. Jeffrey Johnson, coordenador da pesquisa da Colúmbia University, 60% dos programas de TV americanos contêm cenas de violência. Tudo isso não pode deixar de ter uma poderosa influência negativa sobre as mentes das pessoas, sobretudo das mais jovens.

— Eu nunca pensei sobre isso.

— Mas o problema não é só dos americanos. Na Europa a questão tem suscitado tanta movimentação, que há várias iniciativas oficiais em curso contra a banalização do sexo e da violência nos meios de comunicação. A mais recente está sendo liderada pela então ministra da Família da França, Ségolène Royal, com apoio de associações de pais, de professores e de donas de casa.

— Ah, já sei o que vou fazer…

— Calma, Da. Abigail, é preciso ver que a questão é complexa. É preciso levar em conta que os meios de comunicação podem ter um papel muito importante na verdadeira formação da opinião pública. É muito fácil criticá-los. Mas não seria mais interessante se os próprios “consumidores” tivessem uma maior participação na elaboração daquilo a que vão assistir?

— Como assim?

É tão fácil dar um telefonema, escrever uma carta ou um e-mail. Afinal, vivemos numa sociedade democrática, onde cada um tem sua contribuição para dar. E se esta contribuição não for positiva, não poderemos nos queixar senão de nós mesmos.

Da. Abigail acomodou-se na cadeira, enquanto o médico continuava com a solução:

Agora, quanto ao Zezinho, o que convém é saber apresentar-lhe boas alternativas de entretenimento. Nada de ociosidade. Um grupo de bons amigos, previamente orientados para ajudá-lo, jogos interessantes e novos, nos quais ele extravase toda a sua energia natural, programas culturais, interessando-o pela música ou por outras manifestações artísticas para as quais ele tenha pendor. Isso falta aos jovens de hoje em dia.

— O senhor tem razão, falta mesmo.

— E o mais importante, Da. Abigail, uma boa formação moral e religiosa! Tudo isso, aliado à dedicada supervisão de uma mãe carinhosa, bem poderia ser uma saída, não é mesmo?

— Claro, doutor. Como é que não pensei nisto antes?

— Eis aí a palavra-chave, Da. Abigail: pensar. Quando a gente se habitua a pensar, com calma e “cabeça fria”, e sobretudo ajudado pela graça de Deus, a gente sempre acaba encontrando uma solução.