Afesta da “cátedra” de São Pedro tem origens bem antigas e mesmo pré-cristãs.
No dia 22 de fevereiro os antigos romanos costumavam honrar a memória dos mortos e comiam junto às tumbas deles, ao redor da “cátedra” do defunto, uma cadeira reservada para o defunto, para significar que ele estava presente ao banquete.
A partir do século 4°, os cristãos passaram a honrar uma “cátedra” muito mais espiritual: a de São Pedro, chefe da Igreja de Roma.
A “cátedra”, neste caso, lembrava quer a presença constante do Apóstolo no meio da comunidade confiada a ele pelo próprio Mestre, quer também a autoridade dos ensinamentos que Pedro e seus sucessores ofereciam à Igreja através do seu Magistério.
Encontro na Praça de São Pedro
A festa da Cátedra de São Pedro é recordada de maneira muito especial também pelos Arautos do Evangelho pela feliz coincidência, ou melhor, Providência, de ser ligada à data de aprovação da Associação de Fiéis de Direito Pontifício dos Arautos do Evangelho.
Recordo que também eu estava em Roma e, da janela da Congregação para os Bispos, no lugar onde eu trabalhava, observava a praça de São Pedro e via a movimentação dos Arautos…
Ainda não os conhecia. Encontrei-os depois nos palácios vaticanos na ocasião das saudações aos novos Cardeais, entre os quais também Dom Cláudio Hummes, Arcebispo de São Paulo.
Não podia saber ainda naquele momento que, menos de um ano depois, eu seria nomeado Bispo Auxiliar de São Paulo e designado responsável pela Região Episcopal Sant’Ana, onde os Arautos têm uma presença muito especial…
São os “caprichos”, ou melhor, os “carinhos” da Providência!
Saúdo, portanto, de modo muito especial, todos os Arautos presentes neste Congresso; o Sr. João Clá, em cuja pesso a saúdo também todos os Conselheiros.
Saúdo as delegações que vieram dos 50 países onde os Arautos já estão presentes; os terciários e todos os amigos aqui presentes.
“E vós, quem dizeis que Eu sou?”
O texto do Evangelho (Mt 16, 13-19), há pouco proclamado, mostra-nos uma cena interessante: Jesus que quer saber dos discípulos as opiniões do povo a seu respeito (“o que diz a gente a respeito de mim?”).
Os discípulos vão reportando as “opiniões” correntes, as especulações… a respeito de Jesus… é João Batista, é Jeremias, é Elias…
E logo Jesus vai àquilo que Lhe interessa mesmo, querendo saber dos discípulos o que pensam d’Ele: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”…
Depois de passar muito tempo com eles, Jesus quer saber deles, se já se deram conta da verdadeira identidade d’Ele, não simplesmente das opiniões dos outros.
O conhecimento de Jesus acontece no encontro pessoal com Ele, na familiaridade com Ele… e foi para isso que Jesus chamou a si os discípulos: para estarem com Ele e para que pudessem depois ser enviados aos outros, ao mundo, para testemunharem quem Ele é, com certeza e firmeza.
Um por todos, Pedro responde: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo!” Pedro responde com a fórmula que indica a verdadeira identidade de Jesus e a verdadeira e completa fé da Igreja em Jesus.
São Leão Magno, um dos sucessores na Cátedra de São Pedro, de forma muito bonita, observa:
A todos os apóstolos o Senhor pergunta qual a opinião que os homens têm a seu respeito; e a resposta de todos revela de modo unânime as hesitações da ignorância humana.
Mas quando procura saber o pensamento dos discípulos, o primeiro a reconhecer a dignidade do Senhor é o primeiro em dignidade apostólica.
Tendo dito ele: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, Jesus lhe respondeu: “Tu és Pedro, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas meu Pai que está no Céu”.
Quer dizer, és feliz porque meu Pai te ensinou e a opinião humana não te iludiu, mas a inspiração do Céu te instruiu. Não foi um ser humano que me revelou a ti, mas sim Aquele de quem sou o Filho Unigênito.1
Modelo do rebanho, a exemplo de Jesus
Por essa razão, Pedro, como também seus sucessores ao longo dos tempos, têm na Igreja a missão de “pastores dos cordeiros e das ovelhas” a eles confiados.
Missão de serem, em nome de Jesus, que é o verdadeiro “Pastor gregis”, aqueles que mantêm a integridade da fé que Pedro reconheceu e professou, justamente para poderem assegurar ao rebanho o acesso às “pastagens abundantes” da obra do Evangelho, a fim de que as ovelhas tenham vida, e vida em abundância.
Na primeira leitura da Missa de hoje, é o próprio apóstolo São Pedro que exorta aos presbíteros da comunidade a serem pastores zelosos e generosos do rebanho a eles confiado, e sobre o qual o próprio Pedro continua a se sentir responsável.
Que bela palavra, que fundamenta aquilo que o Papa João Paulo II, sucessor vivente do apóstolo São Pedro, continua a fazer com tanta paixão nos nossos dias, quando se volta para bispos e presbíteros, exortando-os a serem “modelos do rebanho” e bons “pastores gregis”, a exemplo do próprio Jesus.
As preocupações do Pastor
Vem espontânea a pergunta sobre as preocupações do Papa João Paulo II em relação a todo o rebanho de Jesus que foi confiado aos seus cuidados.
Na Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, o Papa João Paulo II exorta toda a Igreja a contemplar de forma renovada o rosto de Jesus Cristo, a “estar com Ele”, especialmente na sua companhia através da leitura e meditação dos Evangelhos e do testemunho da Igreja a respeito d’Ele, ao longo dos séculos.
Exorta a descobrir a profundidade do mistério de Deus que n’Ele está presente e se revela a nós; a passar das meras “opiniões correntes” sobre Jesus a acolher o conhecimento sobrenatural da fé e a reconhecer n’Ele, como Pedro fez, o Cristo, o Filho do Deus vivo…
O Papa exorta-nos, em seguida, a que a contemplação do rosto de Cristo e a redescoberta de sua verdadeira identidade nos leve a “partir novamente de Cristo”, como se fosse a primeira vez, a sermos uma Igreja verdadeiramente missionária.
Ousarmos mais do que as nossas próprias forças e a lógica humana nos sugerem, para “apostarmos na santidade”, que é a vocação de todos os cristãos e a condição para produzirmos verdadeiros frutos de vida cristã.
A santidade decorre da nossa união profunda a Cristo e da aceitação do caminho do discipulado: seguir Jesus pelo caminho, como Pedro e os outros discípulos, pois é neste caminho que somos envolvidos pela “lógica de Deus”, que é a lógica da graça do Espírito do Pai celeste.
Exorta-nos ainda o Papa a sermos verdadeiras testemunhas do amor de Deus em relação às pessoas e ao mundo (“Deus tanto amou o mundo, que lhe deu seu Filho único”).
A vivermos a espiritualidade de comunhão no seio da Igreja, a fim de que cada uma de nossas comunidades e organizações eclesiais seja verdadeira “casa e escola de comunhão”.
A construção desta comunhão é tarefa árdua e se estende a todo o corpo eclesial, como também à comunhão de todo o corpo social, no qual devem ser superadas tantas divisões e discórdias, que constantemente põem em jogo a paz…
Finalmente, exorta-nos o Papa a apostarmos na caridade.
Isto é, a termos um amor ativo em relação ao próximo, que se traduza de tantas formas quantas forem necessárias para testemunhar o amor de Cristo por toda pessoa, nas situações mais diversas em que ela possa encontrar-se.
E o Papa nos convida a passar do “mar de palavras” vazias sobre fraternidade, justiça, solidariedade, caridade… “à caridade das obras, que garante uma força inequívoca à caridade das palavras” (n° 50).
Sermos, com Pedro, zelosos arautos do Evangelho
Certamente não é mera coincidência, mas um sinal da Providência, que o reconhecimento pontifício tenha acontecido na celebração da festa da Cátedra de São Pedro.
E é um sinal claro de que a unidade e a proximidade com o Santo Padre e com o seu Magistério são para todos uma garantia de estar na fé dos apóstolos e no caminho de Jesus; Pedro e seus sucessores receberam o carisma especial de confirmar os irmãos na verdadeira fé.
Ao mesmo tempo, o contexto da Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte está a indicar qual é o caminho por onde a Igreja deve se apresentar novamente ao mundo, para ser fiel à própria missão.
Através do papa, Pedro está a nos exortar hoje a sermos zelosos “arautos” e testemunhas do Evangelho de Cristo, para que muitos possam reconhecer n’Ele o Cristo, o Filho de Deus vivo; e, crendo n’Ele, e seguindo-o pelo caminho, possam encontrar vida plena e a coroa de glória.
Na oração da Coleta desta Missa rezamos: “Ó Deus todo poderoso, que nada nos possa abalar, pois edificastes a vossa Igreja sobre aquela pedra que foi a profissão do apóstolo Pedro”.
Que nada nos possa abalar em nossa fé… porque estamos com Pedro, que recebeu de Jesus a missão de ser “mestre da fé”, a rocha firme e inabalável, que confirma e dá certeza aos irmãos em relação àquilo que crêem…
Que Nossa Senhora de Fátima abençoe e proteja sempre os Arautos do Evangelho.
Ela, que foi a mãe e, ao mesmo tempo, a discípula fiel, os ajude sempre a abrir caminho para que as pessoas possam encontrar-se com seu Filho, que é nosso Salvador, Aquele que nos dá vida plena, vida em abundância.
1 L. Horas, Of. Leituras, Cátedra de S. Pedro, 22.2.