Neste ano consagrado especialmente pela CNBB como o “Ano das Vocações”, tivemos a alegria de entrevistar uma das mais destacadas personalidades brasileiras neste campo: Dom Gil Antônio Moreira, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo.

Prelado com larga experiência na matéria, Dom Gil ocupou, entre vá­rios outros, os cargos de Coordenador Diocesano de Pastoral Vocacional, por 12 anos, na Diocese de Divinópolis - MG; Coordenador de Pastoral Vocacional do Regional Leste II da CNBB, por 4 anos; Reitor do Seminário Maior da Diocese de Divinópolis - MG, por 11 anos; e Reitor do Seminário Maior Inter-Regional de Campo Grande - MS, por 3 anos.

Atualmente, é o encarregado da Pastoral Vocacional da Arquidiocese de São Paulo e do acompanhamento dos quatro seminários arquidiocesanos. 

Apesar dos inúmeros afazeres e responsabilidades que lhe sobrecarregam a agenda, o ilustre Prelado recebeu a equipe de nossa revista em sua residência na manhã do dia 29 de abril último, véspera da Assembleia Geral da CNBB em Itaici, e concedeu a entrevista que transcrevemos a seguir.

Arautos do Evangelho - Dom Gil, o que é uma vocação?

Dom Gil Antônio Moreira - A vocação é um chamado de Deus. Ele a revela de maneiras diversas, a seu critério. Mas trata-se sempre de uma inspiração divina que leva a pessoa a assumir o seu lugar na Igreja, em vista da construção do Reino de Deus e da santificação de todos.

AE - Como se manifestam as vocações dentro da Igreja?

Dom Gil - Quando falamos de vocação na Igreja, nós a entendemos num sentido amplo: toda pessoa é chamada por Deus para uma função eclesial.

Dentro dessa função nós temos grandes mundos, o mais numeroso dos quais é o da vocação laical. Dentro da Igreja os leigos têm uma vocação especial.

Muitos deles, homens e mulheres, consagram sua vida a Deus para prestar serviço à Igreja e dar um testemunho da sua pró­pria opção de vida.

Mas há também aqueles que são chamados a agir refletindo sua fé na vida comum: na família, no trabalho, na sociedade. Eles atuam em seu próprio meio como mensageiros de Deus.

Outro mundo são as vocações específicas na Igreja, dentre as quais sobressai a sacerdotal.

Nosso Senhor chama muitos jovens para serem padres que, unidos ao ministério do bispo, exercem a função da presença de Cristo no mundo, porque agem na Pessoa de Cristo (in persona Christi).

AE - Como Dom Gil vê a beleza da vocação sacerdotal?

Dom Gil - Ela é belíssima, e muitos jovens a têm. Sempre me impressionou uma palavra de Dom Bosco que dizia que, entre três rapazes integrados na vida da Igreja, dois estavam chamados a ser sacerdotes.

Pena é que muitos desses jovens não chegam a ser ordenados por não terem quem os acompanhe ou por se depararem com qualquer outra dificuldade. Temos o dever de ajudar esses jovens a chegar, feliz e santamente, ao sacerdócio.

Além da vocação sacerdotal, há ainda o chamado para a vida religiosa, que é a consagração a Deus em algum instituto, congregação ou ordem, para homens ou mulheres. A vocação, enfim, dentro da Igreja, tem muitas expressões.

São sempre força do Espírito Santo no coração de quem tem fé, em vista da construção do Reino de Deus, já nesta vida, mas também em busca do Reino definitivo, a vida eterna para a qual todos fomos criados.

AE - Que dificuldades o jovem pode encontrar para corresponder à sua vocação?

Dom Gil - Elas podem ser externas ou internas. São externas no sentido de que o mundo de hoje não sempre facilita ao jovem desenvolver sua vocação.

Os meios de comunicação, a própria estrutura da sociedade, podem até dificultar o desenvolvimento da vida espiritual.

Por outro lado, vemos também um grande movimento no sentido oposto, ou seja, pessoas em busca das coisas sobrenaturais, não contentes com aquilo que o mundo lhes oferece.

Essas pessoas, às vezes procuram saciar sua sede de espiritualidade no lugar errado, em correntes ou expressões religiosas que não correspondem ao projeto de Deus. Nosso Senhor tem um projeto, e não é qualquer expressão religiosa que corresponde à Verdade. A Verdade é Jesus Cristo.

Na linha das dificuldades internas, podemos ver jovens que desanimam por falta de apoio.

É por isso que temos insistido para que cada paróquia ou comunidade desta Arquidiocese de São Paulo tenha sua  própria equipe vocacional. O primeiro dever dessa equipe é rezar para Nosso Senhor aumentar as vocações.

Outro é acompanhar os jovens que têm aspiração vocacional, seja para o sacerdócio, seja para a vida religiosa ou outra. Essa equipe deve ajudá-los a vencer as dificuldades que encontram até dentro de sua própria comunidade.

AE - Como Dom Gil vê o papel da família do jovem vocacionado?

Dom Gil - O papel da família junto aos seus filhos vocacionados é importantíssimo. Eu sempre digo que a família deve ter dois grandes cuidados. O primeiro é de não matar a semente que Deus colocou no coração do filho.

Se um jovem é chamado para ser padre ou religioso, se uma jovem é chamada a ser religiosa, eles precisam encontrar todo apoio, primeiramente nos pais, mas também nos irmãos. O primeiro grande cuidado é, portanto, ajudar os filhos no desenvolvimento vocacional.

O segundo é o de não querer impor ao filho uma vocação que ele não tem.

Mas, sobretudo, a família deve estar sempre rezando – a oração em família é algo importantíssimo – para que o Espírito Santo inspire no coração dos filhos a vocação autêntica.

Descobrindo essa vocação, seja ela qual for, ajudar, então, o progresso dela.

AE - Em nossos dias, qual o papel das novas vocações sacerdotais na vida da Igreja?

Dom Gil - O sacerdócio sempre será de suma importância dentro da Igreja, porque não foi Ela quem instituiu o Sacramento da Ordem, mas o próprio Cristo.

É desejo de Nosso Senhor que haja pessoas agindo em nome d’Ele, na Pessoa d’Ele, in persona Christi. Jesus instituiu a Igreja e foi Ele que chamou os Apóstolos, Ele que autorizou os Doze, Ele que os enviou.

A Igreja nem teria direito de decidir: “de hoje em diante não haverá mais padres”, porque o sacerdócio lhe foi dado por iniciativa de Jesus. A Igreja sempre dependerá de sacerdotes.

A encíclica Ecclesia de Eucharistia, – no meu parecer, um dos textos mais bonitos que o Papa já escreveu – trata muito bem disso.

Afinal, Jesus Cristo é o Sumo e Eterno Sacerdote. Mas Ele quer continuar sua ação com a participação da Igreja e, portanto, daqueles que Ele chama para este ministério e este estado de vida.

O sacerdócio na Igreja é uma decorrência do sacerdócio de Cristo, e por isso eliminar o sacerdócio da Igreja seria a mesma coisa que eliminar o projeto do próprio Cristo. 

AE - O que o senhor poderia dizer sobre o celibato dos sacerdotes?

Dom Gil - O celibato é a forma mais adequada e mais perfeita de uma consagração total a Deus.

Na verdade, a união do celibato ao sacerdócio ministerial é uma instituição da Igreja que em tese poderia ser modificada, mas que dificilmente o será porque o padre celibatário é um modelo, um exemplo de dedicação perpétua a Deus, uma forma de apresen tar a própria pessoa de Cristo à humanidade.

Jesus foi celibatário, Ele pediu aos Apóstolos o celibato, e todos eles deixaram pais, mães, irmãos, etc. Então, o sacerdócio vivido no celibato me parece ser uma espécie de palavra de Deus muito forte, sobretudo para o mundo de hoje, pan-sexualista e que supervaloriza o prazer.

AE - Quais as diretrizes de Dom Cláudio Hummes no tocante à Pastoral Vocacional, à frente da qual está Vª. Excia.?

Dom Gil - Estou em São Paulo há quase quatro anos, e a primeira responsabilidade que recebi do senhor Cardeal Arcebispo foi justamente cuidar da Pastoral das vocações e dos seminários.

Talvez ele tenha feito isso porque, desde o começo do meu sacerdócio – sou padre há já 27 anos – a Igreja sempre me confiou essa tarefa, de maneira que eu pude acumular alguma experiência no campo da Pastoral das vocações e na formação dos futuros padres.

Agradeço a Dom Cláudio ter renovado essa confiança. Mas qual é o propó­sito dele? Ele quer, primeiro, que nós trabalhemos pelo aumento das vocações sacerdotais, pois o número de padres diocesanos em São Paulo é muito pequeno para atender a uma demanda tão grande.

Numa arquidiocese de seis milhões de habitantes, temos pouco mais de 300 padres seculares, contando os doentes, os idosos e alguns que não estão ligados diretamente à pastoral. O senhor Cardeal deseja, de fato, aumentar o número de nossos padres diocesanos.

Mas não basta aumentar o número, é preciso aumentá-lo com qualidade. O senhor Cardeal sempre nos lembra que é preciso trabalhar para haver muitas e santas vocações.

Ouve-se às vezes uma objeção, infundada – até de alguns padres – que diz ser preferível um número menor de sacerdotes bons do que ter um grande número e ter problemas.

Eu respondo sempre: o melhor é ter muitos e bons. Este é o principal objetivo que buscamos atingir.

Porém, a Pastoral Vocacional Arquidiocesana procura também incentivar, acompanhar e orientar os chamados à vida religiosa, missionária e laical com grande atenção.

AE - E como é a atuação de Vª. Excia. junto aos seminários da arquidiocese?

Dom Gil - Eu acompanho os quatro seminários de formação do clero arquidiocesano: dois propedêuticos, um para jovens que estão terminando o segundo grau e entrando no ní­vel universitário, e outro para vocações mais adultas.

Aliás, é uma característica de nossos tempos haver muitos jovens que se sentem chamados ao sacerdócio depois de estarem na universidade.

Conheço vários casos de pessoas que se formaram como engenheiros ou advogados e estão hoje se preparando para ser padres. Para esse grupo um pouco mais maduro, existe um seminário especial.

Temos também o seminário de Filosofia e o de Teologia. O meu papel é de acompanhar essas comunidades, acompanhar os padres formadores, dar-lhes as orientações necessárias, ajudar a tomar certas decisões, etc.

Eu tenho procurado ir aos seminários ao menos de dois em dois meses para celebrar, fazer reuniões, escutar os padres, os seminaristas, pessoalmente ou em grupo, e sobretudo acompanhar com muita atenção os passos formativos.

Este é o meu trabalho na formação dos futuros presbíteros. Tenho também muita alegria de ter ajudado a finalizar um trabalho que lançamos no ano passado, no dia de São João Maria Vianney: as Diretrizes para a Formação do Clero da Arquidiocese de São Paulo.

É uma espécie de vademecum da formação do clero arquidiocesano. Editamos vários exemplares desse regulamento e temos insistido com os seminaristas e os padres da formação que eles estejam sempre lendo e relendo essas diretrizes.

AE - Quais são os planos do senhor Cardeal para o novo Seminário Arquidiocesano?

Dom Gil - O número de seminaristas tem crescido, graças a Deus. Quando cheguei a São Paulo, há 3 anos atrás, encontrei 59 nos 4 seminários. Este ano, começamos com 79.

Houve um crescimento bastante grande, que aponta para um progresso futuro, porque estamos acompanhando pelo menos 20 jovens na Pastoral Vocacional.

Com esse aumento, a casa onde residem os seminaristas da Teologia já não comporta mais o nú­mero de formandos. Atualmente, já está um pouco cheia. Pensando no futuro, ela se tornará, de fato, muito pequena.

Depois, ela não é muito apropriada para a formação, nem facilita a vida em comunidade, porque foi construída para outro tipo de uso.

Então, o propósito de Dom Cláudio é de levantar um novo edifício que solucione o problema de espaço e o do ambiente formativo. O senhor Cardeal tem se interessado muito e tem tomado a peito pessoalmente essa construção. Esse novo seminário estará pronto em breve, se Deus quiser. 

AE - Quais as expectativas da Igreja quanto às vocações sacerdotais no Brasil e na América Latina, “o continente da esperança”, segundo João Paulo II?

Dom Gil - A América Latina e o Brasil têm, de fato, sinais de esperança porque, embora em algumas dioceses possa haver dificuldades, no conjunto está havendo um crescimento de vocações.

No México, por exemplo, há um reflorescimento, os seminários estão cheios. O mesmo está acontecendo em outros países da América Latina. 

Nosso desafio, agora, é dar a formação adequada. Ela tem ao menos quatro aspectos básicos: o espiritual, o intelectual, o humano-afetivo e o comunitário.

Todos eles são muito importantes, mas eu diria que o básico é a formação espiritual, porque de que adianta um padre saber muito, ser equilibrado afetivamente e integrado à comunidade, se ele não tem uma espiritualidade forte que reflita a Pessoa de Jesus Cristo?

O aspecto espiritual de fato é básico, mas os outros não são menos importantes e, por isso, devem ser tratados com muito esmero.

Eu acho que temos tido um grande progresso nos últimos anos, sobretudo depois do Sínodo dos Bispos a respeito das vocações, que gerou a exortação apostólica Pastores dabo vobis.

Mas vejo, por outro lado, que temos de caminhar mais ainda, fazer um esforço ainda maior na formação dos futuros padres.

AE - Como Vª. Excia. vê essas esperanças no tocante aos leigos chamados a uma maior colaboração no apostolado da Igreja?

Dom Gil - Esta é uma excelente pergunta porque antes, quando se falava de vocação, entendia-se quase exclusivamente a vocação religiosa e missionária, portanto, a especial consagração e os ministérios ordenados.

Hoje a Igreja vê esta palavra com bastante amplitude. Toda pessoa batizada tem uma vocação.

Neste ano, no Brasil, o lema é justamente: “Batismo, fonte de todas as vocações”. Por isso, a Igreja tem se empenhado muito na conscientização do leigo a respeito de seu papel evangelizador.

Não basta ela evangelizar só pelos seus ministros ordenados nem só pelas congregações religiosas. Cada pessoa batizada é responsabilizada, por assim dizer, por Nosso Senhor, para ir e anunciar o Evangelho a todas as criaturas.

Então, o leigo tem um papel na Igreja, e nós vemos, depois do Concílio Vaticano II, que o crescimento da Igreja nesse sentido foi estupendo. Muitos leigos, hoje, têm uma atuação muito boa nas comunidades.

Há certas comunidades que são mantidas pelos leigos, dentro da própria eclesiologia sadia em que o padre tem seu papel, mas, não podendo estar presente todos os dias, os leigos levam a comunidade para frente, e às vezes até com muita devoção ao sacerdócio e sobretudo à Eucaristia.

Outro papel dos leigos é o assumido nos movimentos e associações que lhes dão oportunidade de viver o Evangelho e exercer sua vocação laical no mundo.

E a gente vê coisas maravilhosas: muitos jovens, hoje, fazem opção de vida, consagrando-se a Deus perpetuamente dentro desses movimentos e associações.

Fora deles, nas pró­prias paróquias nós vemos muitos leigos e leigas que já descobriram a força vocacional que vem do Batismo, descobriram o seu lugar na Igreja, e exercem a sua vocação com muita santidade, nas pastorais ou no meio social.

AE - Que conselhos daria Vª. Excia. para um jovem que se sinta vocacionado, seja como sacerdote, seja como leigo?

Dom Gil - Eu diria que o jovem que se sente vocacionado à vida sacerdotal deve logo se manifestar ao padre de sua paróquia e procurar orientação, seja em sua comunidade, seja num centro vocacional.

Na Arquidiocese de São Paulo temos um, situado ao lado da Catedral da Sé (Rua Filipe de Oliveira, n° 36, 6° andar). Ali há um plantão, de segunda a sexta-feira, no horário comercial.

Nós temos recebido muitos jovens lá, tanto para vocações sacerdotais quanto para outras. Temos até padres que dão esse testemunho: “Eu descobri que Deus me chamava quando, rezando na Catedral da Sé, vi uma placa escrita ‘plantão vocacional’. Fui lá conversar e uma pessoa me orientou”.

Então eu diria aos jovens em fase de discernimento que procurem logo orientação e rezem muito ao Espírito Santo. O jovem que se sente chamado a ser leigo consagrado também deve procurar, é claro, orientação na sua comunidade.

E se ele descobre que Deus o chama para atuar no mundo, sem vínculo com qualquer outro grupo, também deve desenvolver isso. As equipes de pastoral vocacional devem estar preparadas para orientar os jovens em qualquer dessas situações. 

Um dos meios de divulgação da orientação das vocações é justamente a boa imprensa.

E aqui podemos falar da boa imprensa dos “Arautos do Evangelho”, uma das mais elaboradas revistas católicas da atualidade.

Eu a tenho acompanhado desde o início. Vejo que está sendo feita com muito cuidado, com muito critério, e aliás até com muita arte e beleza. Porque os Arautos têm essa vocação de pregar pela arte.

Eu gostaria também de me referir à própria vocação dos Arautos. É uma vocação laical nova na Igreja e vejo-a com muita esperança, como muitos outros movimentos leigos atuais.

É prova de autenticidade, a inteira disposição de receber orientações e até correções da Igreja, seja da Santa Sé, seja do Pastor local.

Se a pessoa se sente chamada a ser um Arauto do Evangelho vai encontrar, nos endereços publicados pela revista, a maneira de ter a orientação para isso. Tanto a revista quanto a associação dos Arautos são também veículos para a ajuda vocacional.

Para encerrar nossa entrevista eu gostaria de enviar uma bênção, pela intercessão de Nossa Senhora, para todos os leitores da revista e todos os membros da Associação Arautos do Evangelho, sejam do Brasil, sejam de outras partes do mundo, porque tenho informação de que já estão presentes em 45 países.

Na verdade, é a associação brasileira de maior número de adeptos no mundo inteiro.

Os Arautos merecem os parabéns da Igreja no Brasil por essa sua presença no mundo, com essa mensagem evangelizadora.

Nasceram aqui no Brasil, é uma fundação originária de São Paulo, que já tem seus reflexos em mais de 40 países. A todos envio uma especial bênção em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.