Algumas semanas antes de minha partida para Roma, diplomatas e eclesiásticos me alertaram sobre a relevância do posto que estava por assumir e a importância do discurso a ser feito ao Santo Padre, no ato de apresentação das credenciais.
Isso aconteceu em 3 de dezembro de 2010, pouco mais de um mês após minha chegada a Roma.
Semanas antes, o Chefe do Protocolo do Vaticano me visitara e explicara em todos os seus detalhes a histórica cerimônia. Inteirei-me então de que os discursos não eram lidos, mas apenas intercambiados.
Portanto, eu contaria com dez ou quinze minutos – na melhor das hipóteses – para conversar livremente com o Sucessor de Pedro.
— É uma oportunidade única, aproveite-a – insistiu o prelado.
Entrega das credenciais
É uma experiência excepcional. A começar pelos trajes (fraque para os homens e véu para as mulheres), passando pelo acompanhamento de gentis-homens da Santa Sé desde minha residência.
O percurso “em procissão” pelo centro de Roma até o Vaticano, terminando com a saudação e escolta da Guarda Suíça para chegar aos aposentos do Papa e depois à Basílica de São Pedro (onde os embaixadores católicos são conduzidos a rezar após a cerimônia) – tudo isso impregna o almejado momento de um ar de surrealismo difícil de assimilar.
Esta é uma das muitas formas da Santa Sé demonstrar sua deferência aos países que designam embaixadores no Vaticano, bem como de pôr em evidência a pessoa do Santo Padre, a quem se entregam as cartas credenciais.
Em todo caso, o momento auge é a conversa com o Vigário de Cristo. Logo após cruzar as muralhas do Estado do Vaticano, entre o som das sirenes e o esplendor das condecorações nos peitos dos gentis-homens do Papa, sente-se um nó na garganta.
A partir da entrada, monsenhores e oficiais da Santa Sé “conduzem pela mão” o Embaixador através de belíssimos salões, até deter-se perto da biblioteca particular do Santo Padre.
Nesse lugar, entre a imponência da arte sacra e os rostos emocionados dos familiares, amigos e colaboradores, redobram as pulsações do coração.
Com um sinal para entrar na sala, um monsenhor me informou que eu podia conversar com o Papa em espanhol. Desta vez eu ia só.
Avancei tranquilo, pensando que, como no trajeto anterior, passaria antes por vários salões. Mas não… Devo reconhecer que, apesar dos muitos dias de preparação para aquele momento, a presença do Santo Padre me tomou de surpresa.
Sua Santidade Bento XVI aguardava-me sorridente, de pé, à porta de sua biblioteca. Talvez por notar em meu rosto a mescla de deslumbramento e emoção, decidiu tomar-me pelo braço e, literalmente, arrastar-me para dentro.
Aí entraram novamente em ação os monsenhores e pessoal da Santa Sé. Assim, em questão de segundos, entreguei minhas cartas credenciais, intercambiamos os discursos, tiraram-se as fotos e gravaram-se os vídeos oficiais de praxe.
Um conselho para agir como católico coerente
Em seguida, colaboradores e fotógrafos abandonaram a biblioteca, onde ficamos, o Santo Padre e eu, a uma distância não maior de meio metro. O olhar piedoso de um amável monsenhor me ajudava com a tradução, quando solicitado.
Nesse momento, invadiu-me uma profunda paz. Após escutar o Papa durante vários minutos, expus um a um os temas oficiais que eu trazia preparados.
A todos eles o Santo Padre, demonstrando grande deferência, replicava com discernimento e interesse. Passaram-se assim os dez minutos, mas não senti que Sua Santidade estivesse desejoso de encerrar a conversa.
Assim, seguindo o conselho dado pelo Chefe do Protocolo, “aproveitei”.
— Santo Padre, já tratamos dos assuntos oficiais. Agora, se lhe parece bem, gostaria de falar de mim.
O Papa assentiu, com um sorriso e um pouco de surpresa. Em primeiro lugar, quase como numa confissão, pedi-lhe conselho para ser coerente como católico, tanto em minha vida pessoal quanto na atividade profissional.
Não cabe tratar aqui dos detalhes dessa conversa, basta dizer que ele me recomendou oração, Comunhão e estudo.
Suas palavras não param de soar em minha mente: “O mal é forte, mas Deus o é ainda mais. Recorde-se: Deus é mais forte que qualquer obstáculo que possamos encontrar no cumprimento da missão dada por Ele”.
“Na Costa Rica, nós o amamos e esperamos”
Em segundo lugar – cumprindo uma promessa feita a vários membros de minha comunidade paroquial –, comentei com o Santo Padre que, na Missa de despedida celebrada em Heredia, minha cidade natal, o povo insistia comigo para pedir ao Papa que nos visitasse sem demora, pois “na Costa Rica, nós o amamos e esperamos”.
Isso que, ao menos para mim, não passava de um dito irrelevante, causou um impacto no Santo Padre.
Emocionou-se ao escutar essas palavras, seus olhos encheram-se de lágrimas, e respondeu-me sorrindo: “Obrigado! Obrigado! Costa Rica está muito dentro do coração do Papa”.
Falei-lhe, por fim, sobre a cura de meu filho, Fernando Felipe, por intercessão do Padre Pio, e, não sem um pouco de atrevimento, dei-lhe de presente o livro que escrevi a esse respeito.
Iluminou-se a fisionomia do Santo Padre ao ouvir a história. “Bendito seja Deus, e bendito seja o Padre Pio” – disse no final, sorrindo e apontando para o Céu.
“Saímos de seus aposentos emocionados e cheios de paz”
Encerrada nossa conversa de quase meia hora, a primeira coisa que fez o Santo Padre foi sair para encontrar-se com minha família, amigos e colaboradores da Embaixada.
O primeiro a ser saudado foi precisamente nosso filho Fernando Felipe. Ao vê-lo, e logo após este lhe dar um par de rosas brancas (uma em seu nome, outra em nome de sua irmãzinha, Maria Pia), certificou: “Este é o menino do milagre!”.
Em seguida, com um grande sorriso, o beijou. Fez o mesmo com Maria Pia e cumprimentou minha família e todos os membros da Delegação.
Eu o acompanhei nesse ato, apresentando de forma detalhada cada pessoa. Enquanto isso, Fernando Felipe, conquistado pela doçura do Papa, nos seguia sem perder qualquer pormenor da cena.
O Santo Padre percebeu com toda clareza a indissimulável emoção de todos, sobretudo a do menino, que dele não se afastava um instante sequer.
Assim, quando chegou o momento de tirar a fotografia de todo o grupo, o próprio Papa o chamou. Fernando Felipe deu um salto e subiu o estrado, para junto do Pontífice. Mas, com surpresa de todos, e embaraço dos monsenhores que nos acompanhavam, pisou nos sapatos do Santo Padre.
Quando minha esposa o advertiu e tratou de fazê-lo descer, Sua Santidade lhe disse sorrindo e sem espaventos: “Não se preocupe, senhora, é um menino”.
Logo após a foto, entreguei ao Pontífice vários livros e uma formosíssima pintura de Nossa Senhora dos Anjos – Padroeira da Costa Rica –, obra de minha mãe. Ele me agradeceu e deu a cada um de nós uma medalha e um rosário, e nos despediu com sua Bênção Apostólica.
Como bem se pode imaginar, saímos de seus aposentos muito emocionados e “carregados” de paz. Entretanto, a emotividade desse momento final foi truncada por outra “santa travessura” de meu filho.
Fernando Felipe não se conformou com um simples “adeus à distância” ao Santo Padre. Assim, ao dar-se conta de que estávamos saindo de seus aposentos, me perguntou: “Papai, onde está o Papa?”.
Respondi-lhe que já nos havíamos despedido dele e agora íamos rezar na Basílica de São Pedro. Com evidentes mostras de desgosto, ele me retrucou: “Mas eu não me despedi do Papa!”.
E antes mesmo de acabar de pronunciar essas palavras, soltou minha mão, “ludibriou” os guardas suíços e correu de volta para a biblioteca particular do Santo Padre.
O momento do amoroso reencontro de meu filho a sós com o Vigário de Cristo foi registrado por um fotógrafo que, felizmente, percebeu o que estava acontecendo e correu atrás do menino. Desde então, nem Fernando Felipe nem nós, seus ufanos pais, deixamos de falar dessa belíssima experiência.
Em pouco menos de uma hora, o Papa Bento XVI, o grande teólogo, ensinou-me que a sensibilidade e a simplicidade aperfeiçoam o intelecto, nunca o obscurecem.
Eu acabava de conhecer um sábio que não tem receio de seus sentimentos. Saí do Vaticano sentindo-me mais perto de Deus, não pelo aspecto sobrenatural da experiência, mas mais até pela extrema humanidade dela.
O principal arauto de Cristo tinha produzido um profundo impacto em minha Fé, não tanto pelo que me disse, mas pelo que me transmitiu.
Sei que também o Papa está muito dentro do coração de Costa Rica e, desde esse dia, de modo especial, muito dentro de meu coração e de toda a minha família.