Convento de São Marcos e Fra Angélico são nomes indissociáveis.

No decorrer de seis anos (1439-1445), o pintor concentrou seu empenho em tornar esse edifício uma espécie de Evangelho ilustrado e colorido, onde 54 grandes composições murais adornam 47 celas e outros cômodos, nas quais se podem contar mais de 300 figuras humanas.

Trata-se de um trabalho monumental, impulsionado pelo desejo dos Médicis, do arquiteto Michelozzi e do prior de São Marcos, de arrematar com uma decoração categorizada todo o esforço empregado na nova construção.

A primeira e despretensiosa intenção de Fra Angélico era edificar os frades e ajudá-los na meditação, mas esse trabalho estava destinado a tomar um vulto bem mais amplo:

O ciclo pictórico de São Marcos mostra-se como uma manifestação artístico-cultural de tal qualidade intelectual, de tal inspiração espiritual, que deve sem dúvida ser situada entre as mais elevadas conquistas de todo o século XV.1

Seu planejamento é simples.

Estudos aprofundados mostram que a escolha das passagens bíblicas retratadas não obedece a um critério preestabelecido, mas brota espontaneamente da inspiração do artista.

Isso confere ao conjunto uma nota de especial naturalidade e surpresa, fazendo de cada cela ou esquina de corredor uma agradável sucessão pictórica fora de qualquer esquema.

Mãos de colaboradores podem ser descobertas, executando um trabalho obviamente inferior ao do mestre.

A nota preponderante dos afrescos de São Marcos é a singeleza, fruto do desejo do artista de apresentar o valor intrínseco da passagem retratada, sem reter o observador com elementos capazes de distraí-lo dessa linguagem espiritual.

Os afrescos que Fra Angélico pintou nas celas do dormitório de São Marcos caracterizam-se, sobretudo, pela força expressiva da sua sóbria linguagem pictórica, pela estrutura clara da composição e pela ausência de qualquer pormenor mundano […].

De acordo com o caráter de uma obra que pretende suscitar a devoção, a linguagem expressiva é simples e discreta, adequada ao lugar e ao fim a que se propõe.2

No Convento de São Marcos tudo é digno de nota, e incorreremos em parcialidades se escolhermos um aspecto a ser salientado em detrimento dos demais.

Cabe-nos repetir com o Autor Sagrado, sobre esta pequena porção de um paraíso ideado pelo Angélico, que ali cada coisa é boa, mas o conjunto é “muito bom” (cf. Gn 1, 1-31).


1 ITURGÁIZ, op. cit., p. 99.
2 WIRTZ, Rolf C. Arte e arquitectura: Florença. Colónia: Könemann, 2001, p. 329-330.