Recentemente tive a oportunidade, ou melhor dizendo, a graça de assistir muito de perto a uma bênção do Santíssimo Sacramento. Fiquei a poucos metros do altar.
Em meio aos cânticos sacros, o turiferário aproximou-se do sacerdote que, ato contínuo, levantou-se, e tomando a colherinha, retirou da naveta o incenso, colocando-o sobre as brasas do turíbulo. Uma, duas, três vezes, repetiu o mesmo gesto.
Na terceira vez, um detalhe atraiu minha atenção: era um incenso formado de grãos pequenos, visíveis do local onde eu me encontrava.
Todos os grãozinhos caíram sobre as brasas e logo se transformaram em nuvem de agradável odor. Todos… menos um, que teimou em se deixar ficar na borda do turíbulo.
De súbito veio-me à mente a ideia de que aquele grão podia ser comparado a uma alma que não quer entregar-se por inteiro, que não quer sacrificar-se e doar-se a Deus sem reservas, unindo-se a Ele.
Tive ímpetos de dizer: “Salte, salte, grãozinho. Jogue-se sobre as brasas! Você não foi feito para ser um insignificante grão de areia.
“Veja! Você foi criado para um grande fim: transformar-se em nuvem odorífica que sobe em direção ao céu, simbolizando a oração perfeita e o louvor do homem agradável a Deus”.
Tive ímpetos de dizer isso, mas evidentemente não o disse; o grãozinho não me ouviria, e os circunstantes começariam a duvidar da minha sanidade mental.
Daí a instantes, um leve movimento do turíbulo: o grão rebelde foi precipitado ao solo e esmagado por um dos participantes da cerimônia. Ele, que fora criado para ser nuvem, estava ali, irreconhecível, misturado ao pó do chão.
Cabe aqui uma pergunta: não terá todo homem a obrigação de sacrificar-se em holocausto, isto é “queimando-se” por inteiro? Se tem, como esse holocausto deve se realizar?
A resposta nos foi dada por Nosso Senhor numa simples frase: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me” (Mt 16, 24).
Portanto, se o homem quiser seguir a Jesus, seu Salvador e último fim, tem a obrigação de sacrificar-se em holocausto. Como? Renunciando-se a si mesmo.
A essência do holocausto está na renúncia ao próprio “eu”, quer dizer, aos apegos e egoísmos.
No fundo de sua alma, cada homem sabe como deve realizar esta renúncia; basta, com o auxílio da graça, olhar-se de frente e fazer um juízo implacável de si mesmo para conhecer o que deve abandonar.
Essa renúncia assim apresentada pode parecer terrificante.
Posto diante de algo tão sério, a primeira reação do homem é a perplexidade: Devo, então, deixar de ser eu mesmo? E a minha personalidade, como fica? Os meus dons, o meu modo de ser, devem deixar de existir? Não poderei me realizar?
Tais perguntas são compreensíveis, mas a resposta é tranquilizadora. Na verdade, é com essa renúncia que o homem realiza plenamente a sua personalidade; em vez de diminuí-la, a eleva; longe de quebrá-la, põe-na em perfeita ordem.
Renunciando-se a si mesmo para seguir a Cristo, o homem fecha as portas da alma para o egoísmo e as abre para Deus.
Não será mais aquela personalidade contingente, fraca, sujeita a toda espécie de enganos que habitará nele, mas o próprio Jesus, segundo as palavras de São Paulo: “Eu vivo, mas não sou eu, é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20).
Foi o que ocorreu com Maria, Mãe de Deus e nossa; foi o que fizeram todos os santos. Quando a Santíssima Virgem se colocou na posição de “escrava do Senhor”, realizou a renúncia perfeita.
Não se tratava de renunciar ao pecado, porque Ela era Imaculada, mas inserir-Se com alegria e sem reservas nos planos de Deus.
Então o Verbo se encarnou no seu seio puríssimo e, na sua humildade, Maria foi elevada acima de todas as criaturas. E, até o fim dos tempos, todas as gerações A chamarão bem-aventurada.
E assim são todos os santos.
Quem tem mais densidade de vida e mais personalidade, mais equilíbrio, mais felicidade de alma do que um santo?
Todo homem, cada qual na medida para ele determinada por Deus, é chamado a ser santo. E na raiz da santidade está a renúncia a si próprio.
Alguém poderá dizer: não tenho forças para isso. É verdade, pois ninguém as tem. Mas a graça tudo pode e Deus nunca nega seu auxílio a quem o pede.
Foi o próprio Salvador que nos disse: “Pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á, pois todo aquele que pede, recebe; aquele que procura, acha; e ao que bater, se lhe abrirá” (Lc 11, 9-10).