Qual é o fato mais relevante da Histó­ria, em função do qual se explicam todos os acontecimentos anteriores e posteriores?

Sem dúvida alguma, o episódio transcorrido numa pequena casa de uma obscura cidadezinha da Galileia, chamada Nazaré, onde residia uma Virgem até então desconhecida, desposada com um carpinteiro.

Mas – sublime paradoxo! –  ambos da estirpe real de Davi.

Esse portentoso acontecimento é resumido na curta frase: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”.

Os Anjos e Santos no Céu, e os filhos de Deus nesta terra, o celebram diariamente: “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco!”

A Santa Igreja dedicou-lhe uma festa, celebrada com esplendor todos os anos, a 25 de março. E assim será pelos séculos sem fim.

“Quando veio a plenitude dos tempos”

Deus é o Senhor absoluto da História. Nada acontece fora do momento por Ele determinado.

No “calendário divino”, qual foi o dia marcado para a Encarnação do Verbo? “Quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, que nasceu de uma mulher” – responde São Paulo (Gl 4,4).

“Plenitude dos tempos”… Nos desígnios do Criador, este acontecimento estava fixado desde toda a eternidade.

Na História do gênero humano, a primeira referência a ele é feita no Gênesis (3, 15): “Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Ela te esmagará a cabeça”.

Seguiram-se milênios de preparação. As Escrituras Sagradas relatam a promessa feita a Abraão, Isaac e Jacó, depois a Davi, a longa sucessão das profecias, entre as quais se destaca a de Isaías (7, 14): “Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho”.

Por fim, a Anunciação do Anjo a Maria inaugura a Plenitude dos Tempos, segundo nos ensina o Catecismo da Igreja Católica (nº 484).

Imensidade do fato, singeleza da narração

É de uma grandeza infinita o episódio da Anunciação do Arcanjo Gabriel, seguido do “Fiat” de Maria e da Encarnação do Verbo. Qual o poeta ou o literato capaz de cantar ou descrever tal cena? Um Luís de Camões, um Santo Agostinho… tudo fica reduzido à impotência, diante de tanto esplendor.

Dessa descrição, encarregou-se o próprio Espírito Santo, pela pena do Evangelista Lucas (1, 26-38). A singeleza da narração evangélica realça a imensidade do acontecimento:

O Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi, e o nome da virgem era Maria.

Entrando, o anjo disse-lhe: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo”. Perturbou-se ela com estas palavras e pôs-se a pensar no que significaria semelhante saudação.

O anjo disse-lhe: “Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim”.

Maria perguntou ao anjo: “Como se fará isso, pois não conheço homem?” Respondeu-lhe o anjo: “O Espí­rito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus”. […]

Então disse Maria: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”.

A suprema consequência do “Faça-se”

O Celeste Embaixador acabara de transmitir a mensagem da qual estava encarregado.

A Virgem, inicialmente confusa em sua humildade, ouviu e considerou tudo em seu espírito clarividentíssimo. Ela era concebida sem o pecado original e sua ciência superava a de todos os doutores humanos somada.

Quem saberá dizer quanto tempo demorou Ela em dar a resposta?

A narração evangélica é sumária. Mas parece fora de dúvida que a comunicação feita por São Gabriel abarcava toda a História de Jesus: nascimento, vida oculta, vida pública, Paixão e Morte.

Incluía, portanto, todos os sofrimentos pelos quais Ela pró­pria haveria de passar, como corredentora do gênero humano. 

Deus, Senhor absoluto de todas as suas criaturas, poderia ordenar pura e simplesmente. Mas não. Quis Ele depender do consentimento de Maria. A Redenção ficou, pois, pendente do amor d’Ela, da sua vontade, dos seus lá­bios virginais.

E esses lábios pronunciaram o “Sim!” que desencadeou o processo irreversí­vel: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. Tudo quanto veio depois, e ainda virá, é consequência desse “Faça-se”, inclusive a fundação da Igreja e sua trajetória ao longo dos séculos.

A escravidão de amor à Mãe de Deus

Dele decorre também o mais elevado título de Nossa Senhora: Mãe de Deus. A humilde Virgem Maria, cuja maior glória consistia em proclamar-se “escrava do Senhor”, gerou em suas virginais entranhas o Criador do universo!

Este é o motivo pelo qual a Igreja presta à Virgem Maria um culto superior ao de todos os Anjos e Santos juntos: porque Ela é Mãe de Deus. 

Por isto São Luís Grignion de Montfort incentiva com ardor a devoção ao mistério da Encarnação, explicando ser esta uma devoção inspirada pelo Espírito Santo “para honrar e imitar a dependência em que Deus Filho quis estar de Maria, para gló­ria de Deus seu Pai e para nossa Salvação”.

E acrescenta: “Dependência que transparece particularmente neste mistério em que Jesus Cristo se torna cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, aí dependendo dEla em tudo”.1

Portanto, esse grande Santo não hesita em afirmar que o primeiro escravo da Mãe de Deus foi o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo.

Qual terá sido o segundo? São João Evangelista? Não sabemos. 

O fato é que milhares e milhares de fiéis ao longo dos séculos – entre os quais numerosos Santos – imitaram o exemplo de Jesus, consagrando-se à sua Santíssima Mãe como escravos de amor.

E o Papa João Paulo II não perde oportunidade de incentivar com ardor e entusiasmo essa consagração, que ele próprio fez em sua juventude.

Consagrar-se a Maria como escravo de amor, este é o primeiro passo para tornar-se um arauto do Evangelho.

Qual é o nosso papel nesse episódio?

Desde toda a eternidade, Deus teve em mente criar a Virgem Maria para ser a Mãe do Redentor. Ele nada cria “por acaso”, ou “por distração”. Assim como Maria, todo ser humano – você também, leitor – tem uma missão pessoal a cumprir nesta terra.

Deus tem poder absoluto para obrigar cada homem a cumprir a finalidade para a qual foi criado. Ele, porém, não quer forçar nossa vontade. Quer nosso consentimento amoroso para a realização de seus divinos planos.

Coisa inefável e, ao mesmo tempo, terrível: nós temos a liberdade de dizer “sim” ou “não” a Deus!

Os santos – no sentido amplo da palavra, ou seja, aqueles que estão no Céu – disseram “sim”, como Maria. Os condenados ao inferno disseram “não”, como Lúcifer.

Em qual dessas categorias estarei eu… estará você, leitor?

No alto do Calvário, junto à Cruz, a Mãe das Dores foi solicitada a confirmar o “Fiat” proferido na Anunciação. E repetiu seu consentimento: morra meu Filho Divino, para redimir todos os homens.

Nessa hora suprema, tinha Ela conhecimento de todas as almas que, até o último dia do mundo, seriam beneficiadas pela Redenção. Portanto, Ela pensou em mim, pensou em você também.

Pensemos, pois, n’Ela! E peçamos-Lhe que nos livre da desgraça de dizer “não” à voz da graça em nossa alma. Para nos atender, Ela só está à espera de nosso pedido.


1 Tratado da Verdadeira Devoção, nº 243.