Nunca vi a cena, mas já me contaram uma tática do avestruz. Ao perceber um predador, a ave, que parece escapada do Jurássico, concentra toda a sua defesa, não em fugir, mas em esconder-se.

Como ocultar tão abastado corpo? “Fácil”, cavila o avestruz, “basta enfiar a cabeça no chão; deixo de ver meu predador, e certamente também ele não me verá”.

Trata-se de um procedimento milenar, com um número de insucessos talvez maior que o de anos que possui e, no entanto, há gente que volta e meia o utiliza e se convence de estar certa.

Digo gente porque não só o avestruz dele faz uso. Entre os homens essa estratégia foi galardoada com dois nomes: otimismo e pessimismo.

Engano e covardia

Não sei como o otimismo tem sobrevivido nesta nossa terra. E não o digo só pelo fato de que no mundo todas as coisas ótimas – que são objeto de esperança – vão sendo perseguidas e extintas; nem mesmo porque parece acontecimento muito bissexto a ocasião na qual tudo nos ocorre bem. Assevero não saber como sobrevive o otimismo simplesmente devido a que ele é um engano.

O mesmo se diga do pessimismo. Num golpe de vista superficial, pode-se conjecturar que a posição tomada por seus adeptos em face do futuro, das pessoas, dos conselhos, da vida, de tudo enfim, é uma maturada prudência. Eu concordaria com a suposição, se nestas desconfianças houvesse um fiel da balança realmente justo.

Mas, se a precaução causada pela análise pessimista degenerar numa premissa que a priori rejeite qualquer probabilidade de sucesso, evidentemente também se tornará impossível toda iniciativa.

E na minha língua isso se chama covardia. Afinal, como bem recordou Ernest Hello,

o homem que desiste nada pode e tudo impede. O homem que não desiste move montanhas. Que homem tem o direito de pronunciar a palavra impossível, quando Deus prometeu sua presença e seu auxílio?[1]

Sofismas que explicam, mas não justificam

Não obstante, cada um tem suas razões para crer na mentira que conta para si. De fato, assevera Santo Agostinho, “o amor da verdade é tal, que os que amam algo diferente querem que aquilo que amam seja a verdade. Como não admitem ser enganados, detestam ser convencidos do seu erro”.[2] Em que crê, então, o “avestruz”?

A experiência nos mostra que os acontecimentos têm por hábito inveterado desandar. Baseadas nesta constatação foram confeccionadas as famosas leis de Murphy: nada há de tão ruim que não possa piorar; a probabilidade de o tapete sujar é diretamente proporcional à sua qualidade; a cor do semáforo depende da pressa que o motorista tem, verde numa viagem sossegada e vermelho em caso de atraso.

Ora – diga-se apenas de passagem –, essas conclusões resultam daquilo que se chama, em Lógica, dialética de enumeração insuficiente ou, dependendo um pouco da modalidade, de acidente convertido. São o fruto de observações precipitadas: só percebemos que o semáforo está vermelho quando temos pressa…

Por detrás de tudo isso, a verdadeira conclusão é que o sofrimento faz parte desta vida, e os trabalhos empreendidos por alguém para dele fugir são inúteis. Bem sentencia o provérbio chinês: “Quem teme sofrer, sofre de temor”.

Ou, como afirmou em certa ocasião Dr. Plinio Corrêa de Oliveira: “A vida mais sofrida é a daquele que foge do sofrimento”. Destarte, não sendo possível a fuga, aplica-se a tática do avestruz, que prefere fechar os olhos para a realidade.

No caso do otimista, o sistema é julgar que as adversidades não existem, ou muito facilmente são vencidas: à força de ignorá-las, talvez um dia elas desapareçam.

O pessimista não se ilude tão flagrantemente; constata, isto sim, a impossibilidade de fugir das cruzes. O erro dele, porém, está em tomá-las como um mal insuperável, que um “carrasco” onipotente chamado Criador impôs para nos amargar a vida.

Esquece-se de que a cruz é uma prova do amor da Providência e que “todas” – todas! – “as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8, 28).

No fundo, o problema que leva a ambos os extremos é um só: preocupar-se excessivamente consigo mesmo, seus problemas, seu bem-estar. Em outras palavras, egoísmo.

Consultando a mestra da vida

Essas duas mentiras do egoísmo, que nos pequenos movimentos do dia a dia podem até assumir ares pitorescos, na verdade são perigosíssimas, sobretudo quando transpostas para a larga escala dos acontecimentos mundiais.

Prova-o a nossa cara História, a quem Cícero intitulou magistra vitæ – mestra da vida –, com um exemplo extraído de uma de suas páginas mais folheadas: o prelúdio da Segunda Guerra Mundial.

É o ano de 1938. Hitler, arrimado por Mussolini, propõe-se a invadir o território tcheco. Obrigadas por um velho pacto com a então Tchecoslováquia, a França e a Inglaterra decidem apoiar a aliada ameaçada.

A guerra mundial é iminente. O Führer promete aos primeiros ministros de ambas as nações aliadas, Daladier e Chamberlain, não invadir a Polônia caso aceitem a anexação dos sudetos ao Reich alemão. Iludidos, por um lado, de que o nazista honrará sua palavra, apavorados, por outro, em face do poderio bélico germânico, os premiers da França e da Inglaterra assinam o acordo.

Seja por otimismo, seja por pessimismo, Chamberlain e Daladier agiram como verdadeiros avestruzes: para salvar as próprias peles, capitularam, recusando-se a socorrer uma nação livre, amiga e, sobretudo, necessitada. Qual foi o resultado?

Quando Churchill, o velho zorro – pois ele já transpusera o limiar da velhice ao começar a grande odisseia de sua vida –, ficou a par do sucedido, opinou sentencioso: “Tínheis que escolher entre a desonra e a guerra; escolhestes a desonra e tereis a guerra”.

De fato, meses depois os alemães avançavam sobre o restante da Tchecoslováquia e, posteriormente, invadiam a Polônia, dando início à guerra

Por fim, a solução

Caro leitor, estando já delineado o mal, apresentamos a cura, que é simplíssima: para o desequilíbrio, o equilíbrio.

Qual é o ponto de equilíbrio na estrutura moral do homem? Não é um, são quatro e recebem o nome de virtudes cardeais.

Temperança: verifica-se naquele que analisa sem excitação a realidade e, consequentemente, a vê tal qual é. Fortaleza: faz enfrentar as circunstâncias constatadas.

Prudência: dita as normas para agir conforme a razão e os fatos. Justiça: defende a verdade, não mente nem para si nem para os outros, pois dá às coisas o devido valor.

Resumamos um pouco: a solução é a prática da virtude e o amor à verdade, ou seja, a Deus.

 

Alegoria das virtudes da fortaleza e da justiça - Biblioteca Britânica, Londres

 

 

 

Notas
[1] HELLO, Ernest. O homem: a vida, a ciência e a arte. Campinas: Ecclesiæ, 2015, p.246.
[2] SANTO AGOSTINHO DE HIPONA. Confissões. L.X, c.23, n.34. São Paulo: Paulus, 1997, p.297.