Relata-nos o Livro dos Juízes: “Os israelitas fizeram mal aos olhos do Senhor e o Senhor os entregou nas mãos dos madianitas durante sete anos” (6, 1).
Duríssimo era o jugo que pesava sobre eles. “Extenuados”, como diz a Escritura, voltaram-se para Deus, clamando ao Senhor, e Ele, ouvindo seus lamentos, enviou-lhes um salvador.
Um anjo apareceu a Gedeão, da tribo de Manassés, convocando-o para chefiar a luta. Gedeão hesitou, devido à grande superioridade militar do adversário. Então o Senhor, por meio do anjo, disse-lhe:
“Vai e livra Israel das mãos dos madianitas, porventura não sou Eu que te envio?” (6, 14).
A insegurança de Gedeão moveu o Senhor a acrescentar: “Eu estarei contigo, e tu derrotarás os madianitas como se fossem um só homem” (6, 16). Eram cerca de 140 mil…
Ainda inseguro, Gedeão convocou o povo para a guerra, mas pediu a Deus um sinal, propondo a Deus o seguinte: “Eu porei na eira este velo de lã; se o orvalho cair só no velo, e toda a terra ficar seca, reconhecerei nisso que salvarás Israel pela minha mão, como prometeste” (6, 37-38).
Foi o que aconteceu. Levantando-se no final da noite, Gedeão recolheu o velo encharcado de orvalho, e espremendo-o, encheu um grande copo. Mas, não satisfeito, disse de novo a Deus:
Não se acenda contra mim o teu furor, se eu ainda fizer outra prova, pedindo um sinal no velo. Peço desta vez que só o velo esteja seco, e toda a terra fique molhada de orvalho. E naquela noite o Senhor fez como Gedeão Lhe tinha pedido; e só o velo ficou enxuto, e o orvalho ficou por toda a terra (6, 39-40).
Depois disto, Gedeão lançou-se à guerra com apenas 300 homens e derrotou os madianitas, livrando Israel da escravidão.
Símbolo das grandezas de Maria
Ao transcrever essas passagens bíblicas, nosso objetivo não foi apenas narrar as glórias de Gedeão, mas sim procurar observar como, já no Antigo Testamento, inúmeros fatos históricos foram, na realidade, símbolos das grandezas de Nossa Senhora, inspirados pelo Espírito Santo.
Vejamos a bela analogia dos citados sinais com alguns dos altíssimos dons recebidos por Maria Santíssima.
No primeiro deles, só o manto de Gedeão ficou repleto de orvalho. Com Nossa Senhora se passou o mesmo: somente Ela foi plenamente santificada desde o primeiro instante de sua concepção.
Enquanto as almas são, no começo de sua existência, totalmente privadas da graça santificante, áridas para o bem, desprovidas de toda virtude, só Maria foi repleta das graças de Deus.
Desde o momento de sua Imaculada Conceição, só Ela conteve todo o orvalho das bênçãos de Deus, enquanto toda a Terra ao seu redor permanecia seca, carecendo da graça divina.
No segundo sinal, passou-se o inverso. Só o velo ficou seco e a terra em torno dele ficou totalmente molhada. Assim aconteceu com Maria. Só Ela, em meio ao dilúvio de iniquidade que cobre a Terra e mancha os filhos de Adão, foi totalmente preservada do pecado, e nem mesmo a sombra da menor falta tocou sua alma. Maria foi isenta de todos os vícios, de todas as imperfeições inerentes à humanidade.
Comentando a abundância de orvalho que encharcou o velo na primeira vez, um autor mariano, Henry Le Mulier, diz:
Isso nos dá a entender que, assim como Deus, em sua sabedoria, encheu primeiramente esse manto de orvalho, também, querendo resgatar o mundo, colocou Ele, primeiramente, no seio de Maria, todo o preço de nossa Redenção.1
Enfim, do mesmo modo que esse sinal foi dado a Gedeão como indício de que Deus queria livrar seu povo das mãos dos madianitas, assim a descida do Verbo Divino no seio da Virgem foi testemunho certo de que Deus desejava libertar o mundo da tirania de Satanás.
É com um entusiasmo cheio de reconhecimento que a Igreja canta dirigindo-se ao verdadeiro Gedeão, ao vencedor da morte, a Nosso Senhor Jesus Cristo: “Quando nascestes inefavelmente da Virgem, cumpriram-se então as Escrituras: baixastes como a chuva sobre um velo para salvar o gênero humano. Nós Vos louvamos, ó nosso Deus!”2
1 De la Très Sainte Vierge d’après les Saintes Ecritures et les Pères de l’Église, Pilon, Paris, 1854, t. I, pp 85-87
2 Apud Pe. Ch. Rolland, La Reine du Paradis, Langres, t. I, p. 147)