Pela primeira vez o pequeno Ivan ia viajar de trem. Apesar do clima frio que marcava o fim do outono na longínqua Rússia, ele se sentia entusiasmado.

A viagem para a casa dos avós seria longa. Passariam a madrugada no trem e só de manhãzinha chegariam ao seu destino.

Anastácia, sua mãe, lhe preparara um grosso casaco, luvas e um gorro muito simpático e quentinho, pois o menino se resfriava com muita facilidade e precisava estar bem abrigado para aguentar as temperaturas que já estavam baixando.

No dia da partida, levantaram-se bem cedo para participarem da Missa na matriz da aldeia e pedirem a proteção de São Miguel, seu padroeiro.

Ivan havia aprendido nas classes de catecismo que este Arcanjo era o chefe das milícias celestiais e, por tal motivo, terminada a celebração, puxou a mãe pelo vestido e a levou até o altar lateral dedicado ao Anjo da Guarda, dizendo:

Venha, mamãe. Vamos pedir aos nossos Santos Anjos que, sob o comando de São Miguel, nos acompanhem no trajeto que vamos hoje percorrer.

Mãe e filho, de joelhos, rezaram com muito fervor.

Depois de um café da manhã reforçado, despediram-se do pai, que precisava ficar por causa do trabalho, e se dirigiram à estação, a fim de tomarem o trem que os conduziria a Mestia, na região montanhosa do Cáucaso.

Após despacharem a bagagem, subiram no vagão. Ivan o achou enorme! Acomodou-se ao lado da janela e aproximou o rosto junto ao vidro, pois queria ver bem o caminho, pelo menos enquanto tivessem a luz do dia.

O trem começou sua marcha. Que magníficas paisagens se descortinavam diante de seus olhos! Muito inocente, o menino comentava com a mãe:

Veja, mamãe, que lindo rio corre naquele vale! Logo, logo ficará congelado… Que frio!…

Anastácia sorria comprazida.

Olhe, olhe! Que tapete dourado! As árvores quase não têm mais folhas… E já se pode ver a neve no topo das montanhas!

Assim passaram todo o dia, entremeando a admiração do panorama com uma amena conversa, a recitação do Rosário e saborosos lanches, até que caiu a tarde. Ambos tomaram uma refeição mais forte e adormeceram…

Na manhã seguinte, em Mestia, os avós de Ivan estavam preocupados e aflitos na estação, onde os aguardavam: havia passado bastante do horário de chegada do trem e nem sequer tinham notícias dele… O que poderia ter acontecido?

Afinal, o esperado comboio chegou, várias horas depois do previsto. Ao ser inquirido pelo chefe da estação acerca do motivo do atraso, o condutor do trem só conseguia exclamar:

Eu posso dar o meu testemunho! Paramos no meio do caminho e… foi um milagre! Um milagre!!

O que fez com que se detivessem no meio do percurso? Todos ali estavam surpresos e queriam saber o que tinha ocorrido. Qual teria sido o milagre? E que testemunho poderia ele dar?

Vladimir Smirnov, o maquinista, começou a contar o sucedido. Já era noite. Ele seguia pelos trilhos normalmente, com a devida prudência e respeitando todos os sinais, mas em uma velocidade considerável.

Madrugada adentro, de repente ele viu diante do trem uma grande sombra que oscilava, obscurecia o farol e parecia fazer sinal para deter a máquina com urgência. 

Julgando que as altas horas da noite estavam influenciando sua imaginação, o Sr. Smirnov diminuiu um pouco a velocidade. Entretanto, não sentindo qualquer coisa de anormal, prosseguiu seu trajeto como se nada tivesse acontecido.

Alguns minutos depois a sombra apareceu de novo, fazendo sinais semelhantes aos anteriores, porém com um frenesi ainda maior.

Tendo o fato se repetido por mais três vezes, ele esfregou bem os olhos e concluiu que aquilo não podia ser apenas imaginação. Ali havia algo de real!… Quem estaria fazendo tais sinais? Começou, então, a diminuir a marcha com rapidez, até o trem se deter completamente de modo um tanto brusco. 

Assustados com a repentina parada, muitos passageiros se despertaram e correram às janelas para ver o que tinha acontecido. O Sr. Smirnov desceu para averiguar qual era a causa daquela situação e, para sua surpresa, constatou que a sombra havia sido ocasionada por uma mariposa…

É só uma mariposa! – disse ele aos viajantes. – Ficou presa na lataria, junto ao farol, de tal forma que ao bater as asas provocava umas sombras assustadoras.

Havendo-se certificado de não existir nenhuma falha mecânica e de ter sido exclusivamente o pequeno inseto o responsável por toda a confusão, o condutor subiu na locomotiva para recomeçar o caminho. Contudo, enquanto acionava as alavancas de partida, um dos passageiros deu um forte grito:

Alto! Não avance, senão morreremos todos!

De sua janela, com a luz de uma potente lanterna que carregava consigo, divisara ele uma grande pedra que obstruía os trilhos, numa área não iluminada pelo farol da locomotiva.

Nesse momento eles compreenderam: não era só uma mariposa!… Tão inusitada interrupção do itinerário se devia a uma intervenção dos Anjos!

Se o trem tivesse continuado com a velocidade anterior, teria se chocado violentamente contra tamanho obstáculo e decerto descarrilaria, ocasionando um grave acidente, uma explosão e, quiçá, a morte de todos os passageiros… Eles tinham se salvado por milagre!

Convicto da proteção do Anjo da Guarda, a quem sempre invocava antes de suas viagens, o Sr. Smirnov declarou estar seguro de que a mariposa presa na máquina, bem ao lado do farol, fora posta ali por mãos angélicas para salvá-los. 

A pedra era grande e pesada, e ­caíra bem no meio dos trilhos por onde eles deveriam passar. Só depois de alguns camponeses das redondezas a removerem com muito esforço, fora possível continuar e por isso se atrasaram tanto. 

Abraçando os avós, contentes e agradecidos a seus protetores, Ivan e sua mãe também contaram que antes de embarcar se haviam encomendado a São Miguel, príncipe das milícias celestiais, para que comandasse seus Anjos da Guarda e, juntos, os protegessem no percurso.

Aquela viagem marcou a vida de cada um, pois servira para afervorar a todos na devoção aos Anjos, confirmando-lhes na fé em seu constante auxílio e proteção.