Você soube da última novidade?! Ele curou um cego de nascença! – exclamou um judeu, dirigindo-se a outro que cruzava pelo lado oposto da rua.
— Não, essa não foi a última! Meia hora atrás restabeleceu a saúde a um leproso! – interveio um terceiro.
E assim, em meio aos clamores e comentários cheios de entusiasmo do povo, um homem de idade madura, olhos fundos, nariz adunco e cabelos longos avançava a passos largos. Para um bom observador, sua fisionomia pareceria familiar e, de fato, ele não era um estranho naquelas paragens. Tratava-se do ilustre Nicodemos!
Subindo, finalmente, a grande escadaria do Templo e entrando no salão onde o Sinédrio estava reunido, ele começou a contar aos outros fariseus as notícias que pipocavam nas ruas.
— É por causa disso que nos encontramos aqui! Precisamos acabar com essas histórias de “milagres”! – gritou um mestre da Lei, após alisar sua longa barba branca.
— Será que esse Nazareno não é um profeta… ou até mesmo o Messias?! – perguntou um mais novo, preocupado.
— Claro que não! – interrompeu o que estava a seu lado – É um mero impostor, que teima em fugir da nossa autoridade.
Enquanto o Sinédrio assim discutia, Nicodemos ouvia e observava. Sendo ou não o Messias, aquele Jesus o intrigava e atraía enormemente. Entretanto, pensava: “Como eu gostaria de conversar com Ele! Se disser que sou um príncipe do povo, provavelmente me receberá. Mas se, depois, os outros fariseus ficarem sabendo, com certeza serei expulso do Sinédrio…”
Terminado o encontro, Nicodemos dirigiu-se à sua casa para o jantar. Enquanto arranjavam os saborosos doces de tâmaras que seriam servidos de sobremesa, dois servos comentavam:
— Foi incrível! E o mais impressionante é que a mulher melhorou na hora! Você não imagina quantos chás os fariseus lhe tinham receitado durante anos como tratamento! A coitada já havia esgotado a imaginação dos doutores…
— Que coisa! Esse Jesus é tão bondoso! E ao mesmo tempo tão imponente… Quando O vi entrando naquela casa, confesso que fiquei emocionado.
Nicodemos, que ouvia tudo com extrema atenção, percebeu ter chegado a oportunidade esperada. Terminou de comer, cobriu-se com um manto e, sem dizer nada a ninguém, saiu oculto pelas sombras da noite.
Diante de Jesus, sentiu-se transformado! As palavras do Mestre mostravam-se cheias de sabedoria e mistério. Havia tanta unção em sua presença, percebia-se tanta autoridade em seus ensinamentos, que não se podia duvidar: o Sinédrio querendo ou não, ali estava um enviado de Deus!
No dia seguinte, o fariseu dirigiu-se a um encontro rotineiro com os mais ilustres doutores da Lei e, no caminho, encontrou-se com um amigo seu, que lhe disse:
— Então, Nicodemos, conte-me: qual é a sua opinião sobre esse Profeta que anda agitando o povo?
— Bem, tenho ouvido juízos muito diversos. É normal… Afinal, ninguém pode agradar a todo o mundo.
— Pois é… Sei que o Sinédrio está numa verdadeira luta contra Ele. Mas alguém deveria procurar esse Homem para saber o que realmente quer. Com dinheiro e alguma ameaça entraria facilmente nos trilhos. Você já O viu alguma vez?
Nicodemos olhou distraidamente para o outro lado, enquanto ganhava tempo para articular sua resposta. Não desejava mentir, mas também não queria comprometer-se com o Nazareno a ponto de ver armar-se uma perseguição sobre si. Que Jesus continuasse a própria vida, e ele, a sua.
— Não é difícil encontrá-Lo, não é? Sempre está nas ruas e nas sinagogas ensinando… Bem, depois conversaremos mais, estou atrasado.
Passaram-se os meses, e chegou a grande festa dos tabernáculos. Nesse tempo os fariseus tinham se enfurecido ainda mais contra Jesus e planejavam sua morte. Aproveitando sua visita ao Templo, tentaram prendê-Lo, mas não conseguiram.
Dividido entre a admiração por Ele e seu próprio interesse, Nicodemos procurava um meio de defendê-Lo diante do Sinédrio, sem arriscar-se a perder sua posição.
— Condena acaso a nossa Lei algum homem, antes de o ouvir e conhecer o que ele faz? – perguntou com ar displicente.
Era uma saída inteligente, pensava, pois assim protegia Jesus sem tomar partido a favor d’Ele. Todos, porém, começaram a debochar e ameaçá-lo. Nicodemos, inseguro, calou-se.
Uma tarde, na semana antes da Páscoa, chegou-lhe uma convocatória urgente para comparecer no Sinédrio. Caifás, o sumo sacerdote, queria comunicar-lhes que um dos discípulos de Jesus O havia entregado. O julgamento seria naquela mesma noite; todos deviam estar presentes para condená-Lo.
Era uma hora trágica para Nicodemos… Votaria a favor da morte do Profeta? Ou se arriscaria a morrer junto com Ele?
Mais uma vez, tentou esquivar-se da responsabilidade: voltou para casa e decidiu não comparecer ao tribunal. Assim não tomaria parte na sua condenação, nem se veria obrigado a testificar em seu favor.
No dia seguinte, enquanto tomava seu desjejum, Nicodemos ouviu os gritos de uma multidão que se aproximava.
Olhando pela janela, avistou um Homem todo ensanguentado, carregando uma pesada Cruz entre insultos e zombarias.
Era Jesus que, elevando os olhos, pousou-os bondosamente sobre o fariseu.
— Eu O matei! Em breve será crucificado por minha causa! Infeliz que sou! É possível fazer pior? – recriminava-se Nicodemos, em meio a um inconsolável pranto.
Apanhando, então, uma mistura de mirra e aloés, tomou o caminho do Calvário. Enquanto andava, sentia-se afogar pelo desespero e pelo remorso. Em sua alma, porém, ainda latejava aquela promessa que ouvira na infância: “Meu filho, quando cair, não desanime! Confie que sempre haverá uma mão paternal ao seu lado, disposta a lhe ajudar”.
Não estava longe do seu destino quando, às três da tarde, sentiu o chão tremer. O céu ficou escuro como se fora noite, indicando que Jesus acabara de morrer…
Quando Nicodemos chegou no Calvário, já quase deserto, o Corpo de Jesus ainda se encontrava pregado na Cruz.
Junto a Ele, de pé, estava Maria, sua Mãe. Sem coragem de aproximar-se d’Ela, por sentir-se um traidor, parou à certa distância sem saber o que fazer. Nossa Senhora, porém, o chamou.
Ajoelhado diante de Maria Santíssima, ainda com os olhos banhados em lágrimas, Nicodemos ouviu-A dizer: “Meu filho, de fato agiste mal. Mas aqui tens uma Mãe que deseja te ajudar e perdoar”. A promessa se cumpria mais uma vez! Fortalecido pelo olhar de Maria, Nicodemos levantou-se disposto a enfrentar qualquer sacrifício para servir a Jesus.