Tivemos há pouco tempo oportunidade de conhecer os Arautos do Evangelho, tradicionalmente chamados na Colômbia de “Cavaleiros da Virgem”.

Chegaram à Pontifícia Universidade Bolivariana em busca de formação acadêmica de pós-graduação para seus membros. No momento, um bom grupo deles aqui está fazendo estudos de segundo ciclo (mestrado e licenciatura) e de terceiro ciclo (doutorado).

Tem sido um período de mútuo enriquecimento, para a Universidade e para os Arautos, no qual chamou-nos principalmente a atenção o carisma dessa Instituição, que apresenta ao mundo hodierno uma atraente perspectiva do mistério de Deus. 

Há no carisma dos Arautos elementos muito válidos do ponto de vista evangélico e muito pertinentes pelo prisma da sociologia e da psicologia do mundo contemporâneo.

Fazemos esta reflexão a partir da experiência pessoal adquirida no convívio com os Arautos, e não com base em considerações acadêmicas ou especulativas, as quais também têm seu lugar e importância. 

A seguir, destacamos alguns dos aspectos desse carisma que mais chamam a atenção.

Apresentação de uma Igreja positiva, mestra e modelo

Com frequência, as críticas feitas à Igreja apresentam-na como uma instituição que controla e repreende ao modo de uma avó ou uma tia que se limitasse a pregar sermões moralizantes ou punitivos.

Os Arautos, entretanto, mostram uma Igreja alegre, a qual, em linguagem metafórica, se poderia dizer que vive à sombra da luz. É o testemunho da luz de Deus que ilumina, aquece, enche todos os lugares e cria um ambiente de paz e de tranquilidade.

A Igreja vai pelo mundo espargindo a luz da salvação, não condenando quem vive nas trevas – voluntariamente ou por ignorância –, mas iluminando o percurso para que caminhem à sombra da luz aqueles que estão nas sombras da morte. 

Caminhar à sombra da luz é ir, como os israelitas, acompanhados pela nuvem que protege e ilumina, iluminados e iluminadores.

Empregando uma imagem do pensador contemporâneo Heidegger, os Arautos são como o grupo alegre dos homens “últimos” – que ele chama “os futuros” –, os quais avançam pelo deserto escuro, com tochas acesas, para indicar aos outros o lugar onde Deus Se manifesta.

Enquanto alguns se queixam de não haver monges nem mosteiros no mundo contemporâneo, os Arautos restauram essas figuras e mostram que há, sim, quem possa ser um farol de luz que ilumina, de luz que acolhe e de luz que redime.

Ascese sem desumanidade e mística sem patologias

Nota-se isto na existência cotidiana dos Arautos. Não praticam uma ascese de pancadas, privações, flagelações ou falsas inserções na vida dos excluídos.

É mais a ascese do abandono nas mãos de Deus e de uma vida digna, sem extravagâncias ou luxos desnecessários.

Trata-se do gênero de despojamento ou abandono que ajuda a considerar que tudo se encaminha para Deus e que as coisas materiais conduzem ao imaterial, tendo sempre presente que tudo é meio ou instrumento para chegar a Deus, sem deter-se nelas como fim definitivo, como ocorreu com alguns cristãos burgueses e acomodados do século XX.

Esta concepção da ascese permite uma mística sem patologias. Hoje existe a grande tentação da mística das experiências extremas no esporte ou na droga, das visões patológicas da Virgem Maria, das experiências-vivências em lugares escuros.

Os Arautos encontraram, ou reencontraram, a mística da luz. Ser conduzidos pela luz, passo a passo, até a Luz supraessencial que não tem ocaso.

Quem vive à sombra da luz não pode deixar de ser iluminado, e essa iluminação se revela na vida diária. São pessoas alegres, disponíveis (Præsto sum!),1 magnânimas, equânimes.

“Quem vê um Arauto, viu todos os outros; todos manifestam uma alegria especial”, dizia por vezes o padre Diego Marulanda, decano da Pontifícia Universidade Bolivariana. Quem vive na alegria é porque está vendo a Deus. Que Ele conserve nos Arautos essa mística tão especial e clara. 

Nas visitas às suas casas, é interessante notar essa experiência de oração contínua, de estar sempre na presença e na amizade do Senhor.

Uma experiência especial que tivemos foi a de perceber, em uma de suas casas, como os jovens Arautos punham-se de joelhos para rezar, em qualquer lugar onde ninguém os via.

Não procediam assim para serem observados, mas por íntima convicção. E logo depois esses mesmos jovens estavam conversando, brincando e rindo como qualquer outro de sua idade. Trata-se de gente normal com vida normal, mas com profundo espírito de oração. 

Experiência e testemunho da beleza

Sempre houve na Igreja caminhos diversos para se chegar a Deus. Alguns partem da consciência do pecado para chegar a Ele como Redentor. Outros nascem das experiências da dor e da perseguição para compreender um Deus que cura e restaura.

Há aqueles que desde a miséria econômica podem clamar a um Deus libertador. Vários, no momento de perigo, recorrem a um Deus Salvador.

E isso está bem, pois não podemos negar que há muitas veredas para chegar a Deus e que a experiência de Deus não se esgota na experiência de um fundador num momento histórico ou cultural. 

Os Arautos do Evangelho optaram pela via da beleza. Opção complexa, pois inclui tudo, embora alguns tenham falado da beleza como o transcendental esquecido ou aleguem a impossibilidade de falar dela num mundo desagregado e pluralista.

Deixando de lado a discussão acadêmica sobre os transcendentais, olhemos apenas para o que os Arautos apresentam. 

Deus é a beleza captada na contemplação, através da oração, da Liturgia, do silêncio. Nesses lugares é onde “Deus mora”, e onde moram os Arautos.

Daí o testemunho: Deus é a beleza que se vive cada dia nas atitudes, na Liturgia, no respeito aos outros, nas virtudes da vida cotidiana, no modo de vestir-se, na relação de amizade com os demais. Nota-se que a beleza captada na contemplação é a beleza que se manifesta na vida diária. 

Os Arautos – isso nós observamos – não são ressentidos sociais, não vivem se queixando do pecado do mundo, nem criticando o pecador, não são conflitivos ao falar de seu carisma, não ficam denunciando o herege, mas estão, isto sim, sempre mostrando a luz, o amor e a beleza de Deus, com grande senso de respeito, de boa educação, de bom humor e de cavalheirismo.

Cuidam simplesmente de que a luz que desce flua através de sua vida.

Profunda devoção a Nossa Senhora

A devoção a Nossa Senhora tem sido sinal distintivo dos católicos, e estar sempre com a Virgem Maria é característica dos Arautos. Esta Mulher, símbolo especial da perfeita humanidade e da maternidade protetora de Deus, acompanhou a vida dos cristãos. 

Os Arautos A tomam como Mãe solícita à qual confiam suas aflições e que acompanha toda ação evangelizadora.

Num mundo onde por vezes se perde o senso do amor, da maternidade, da pureza, essa cavalheiresca dedicação dos Arautos é mensagem, testemunho e contributo para aqueles que necessitam do mais humano para de novo dar sentido à sua existência.

Uma das formas evangelizadoras mais adequadas para voltar a maravilhar os homens de hoje talvez seja a beleza que a pessoa de Maria irradia, com tudo quanto Ela simboliza. “Salve Maria!”2 é uma saudação cheia de plenitude, à qual na Colômbia corresponde à popular fórmula “Ave María pues”.

Os Arautos como “teokalóforos”

Teokalóforos: não sei se esta palavra existiu alguma vez na História. Mas tenho a sensação de que a missão dos Arautos é ser portadores da beleza de Deus. E quem porta algo é porque possui esse algo.

Alguns dos primeiros monges da Igreja antiga eram conhecidos pela santidade de sua vida e por isso o povo os denominava teóforos – portadores de Deus. Quem expressa através de sua vida a beleza de Deus, bem pode ser chamado teokalóforo – portador da beleza de Deus.

Atrai a atenção, na Associação Arautos do Evangelho, o arranjo dos seus templos: o esplendor do gótico. Este estilo arquitetônico tem a vantagem de ser um método místico que eleva da beleza do material para a beleza fonte do imaterial.

Retomando as ideias de Dionísio Areopagita, do Abade Suger, dos Victorinos, as igrejas dos Arautos são construídas numa explosão de cores e de luz, que necessariamente eleva a alma às coisas divinas onde se encontra a fonte inexaurível da Verdade, da Bondade e da Beleza. 

Esses templos exprimem o estado da vida futura, como disse São Tomás de Aquino. Uma igreja gótica simboliza a Jerusalém Celestial, não como fortaleza, mas como Céu e Paraíso através da lux, claritas et splendor.

Quem celebra uma Eucaristia nesses templos, volta à vida cotidiana e continua sendo um templo gótico para os demais: tanto mais luminosos quanto mais divinos. Ser e manifestar a beleza de Deus: grande tarefa para os Arautos, pois a debilidade humana pode sempre estar à espreita.

A cavalaria teokalófora do século XXI

Na Igreja, o carisma sempre há de ser vivência e programa. Uma vivência que dá sentido à própria vida e serve para iluminar a existência dos demais. Mas também um programa, pois não se pode dormir sobre as vitórias conquistadas.

Necessário é, portanto, conservar o frescor do primeiro amor, para que o carisma não se apague e a luz não se extinga.

É preciso estar sempre de joelhos para que o carisma mantenha seu vigor e não esmoreça pelo cansaço, pela idade, pelo decorrer do tempo ou por algo mais insidioso: o embate mudo mas persistente do secularismo e do aburguesamento.

Quando São Bernardo falava de uma nova cavalaria no século XII, não se imaginou que também no século XXI ressurgiria uma nova figura cavalheiresca que, usando os novos meios e com novas formas, poderia reconquistar o mundo para Deus, não fazendo uso das armas, mas da mística da beleza. Uma cavalaria teokalófora

Para atingir esse virtuoso ideal, utilizam-se: uma escola (a do amor de Deus revelado em Cristo); um método (a ascensão mística através dos símbolos da luz, e a beleza e o testemunho dessa ascensão); e uma disciplina (a têmpera da cavalaria teokalófora).

Unamo-nos em oração para que haja sempre, em meio da obscuridade e do deserto, monges Arautos que levem a luz de Deus aos homens do século XXI.


1 Nota da Redação: “Eis-me aqui” ou “Estou à disposição”. Resposta do jovem Samuel quando ouvia a voz de Deus que o chamava (cf. I Sm 3, 4-16). É costume, entre os Arautos, responder “Præsto sum!” ao receber uma interpelação ou incumbência do superior.
2 Nota da Redação: “Salve Maria” é a fórmula habitual de saudação entre os congregados marianos, adotada também pelos Arautos desde os seus primórdios.