Nevava. Dos lábios brotavam sorrisos, dos olhares, alegria e dos corações, benquerença. Era Natal.
Numa pequena cidade suíça, Guilherme vivia placidamente na confortável casa de seu pai, abastado comerciante, nos idos de 1805.
Com 10 anos de idade, ele desfrutava daquele paraíso interior que só a inocência proporciona. Na noite anterior, fora com seus pais assistir à Missa do Galo. A igreja parecia uma joia, toda enfeitada e iluminada.
Um belo presépio atraía a piedade de todos. Contemplando a imagem do Menino Jesus deitado na manjedoura, a certa altura Guilherme sentiu-se como que elevado numa nuvem dourada; a seu redor, tudo havia desaparecido, restava apenas o Deus Menino, fazendo-lhe um irresistível convite, com infinita bondade:
— Nasceste para coisas maiores. Vem e segue-me!
Aquele sorriso divino ficou gravado em sua alma. Sim, claro que ia segui-lo! Mas, como?
Poucos dias depois, foi ele chamado pelo pai, que lhe disse em tom solene:
— Meu filho, eu lhe desejo algo mais importante do que comprar e vender tecidos como teu pai. Deverás ser um grande professor, glória de nossa família. A partir de segunda-feira, irás estudar na escola do Mestre Zuquim.
Para Guilherme, o desejo do pai era lei. Mas, por outro lado, sentia ele no interior da alma aquele chamado para uma missão muito mais elevada. Qual seria essa missão? E como conciliar isso com a vontade paterna? Não sabendo resolver a questão, fez como tantas crianças de sua idade: esqueceu-se dela.
Queres dar-me teu coração?
Decorreram assim os primeiros seis meses de estudos. Caminhando um dia despreocupado para a escola, pareceu-lhe ver a curta distância um brilhante globo, movendo-se em sua direção.
Junto dele, o globo abriu-se, servindo de moldura para um deslumbrante menino, de rosto luminoso. Ele não teve dificuldade em reconhecer a fisionomia do Menino Jesus, que lhe enchera a alma de alegria naquela noite de Natal.
— Guilherme, queres dar-me teu coração?
— Sim, sem dúvida! Mas como?
— Muito fácil: doravante, amarás somente a Mim, e farás tudo o que Eu quero.
— Meu coração é todo vosso! Porém, meu pai manda-me estudar para ser um grande professor…
— Farei de ti um professor famoso, com a missão de seres meu apóstolo. Se cuidares principalmente da salvação das almas, eu cuidarei de teus interesses muito melhor do que tu. Aceitas?
— Sim! Mas como saberei o que fazer?
— Ficarei dentro de tua alma e te darei orientação toda vez que me pedires. Não deixes de rezar muito.
O globo fechou-se e lentamente se retirou. Havia sido um sonho? Uma miragem? Cheio de luz e felicidade, Guilherme nem se preocupou com esta questão.
Sentia-se muito amado por Deus
A partir desse dia, seu maior cuidado era obedecer à voz que lhe falava “dentro da alma”. Seguindo sempre sua orientação, terminou o curso elementar do Mestre Zuquim e matriculou-se na Escola Paroquial.
Foi aluno exemplar. História, línguas, matemática, matéria alguma era difícil para sua excepcional inteligência. Mostrava-se ávido das aulas de Religião: queria expandir os horizontes da Fé, para ser bom apóstolo de Jesus. E não perdia ocasião de conquistar almas para a Santa Igreja.
Passaram-se assim alguns anos nos quais tudo lhe dava certo. Diante de alguma dificuldade, ele recolhia-se em oração e “ouvia” claramente a resposta no fundo de sua alma. Sentia-se muito amado por Deus, e nisso estava sua maior felicidade.
Surdez de alma, a pior das desgraças
Por desejo do pai, Guilherme mudou-se para Paris e ingressou na Faculdade. Nos primeiros meses, tudo correu normalmente. Aos poucos, porém, deixou-se empolgar pela carreira…
Para ter mais tempo de estudar, diminuiu as atividades de apostolado junto aos colegas. Desgraça maior ainda, começou a reduzir cada vez mais o tempo dedicado às orações.
Seu coração estava agora dividido, não mais pertencia exclusivamente ao Menino Jesus. Este continuava amando-o como sempre, mas ele fechava-se para esse amor!
Em consequência, a luz interior de sua alma apagou-se. A felicidade de sua infância desapareceu, a ponto de ele se perguntar se ela tinha sido realidade ou mera ilusão infantil.
Aquela voz que lhe falava com suavidade no fundo da alma, ele não mais a ouvia. Aconteceu-lhe a pior das desgraças: a de ficar surdo à voz da graça!
Nessa triste situação espiritual, ele tornou-se realmente um professor de grande fama, ocupou elevados cargos, amealhou boa fortuna. Mas havia trocado a Inocência pelos fugazes prazeres do pecado, a vocação pelas trinta moedas de Judas!
Aos 70 anos, quando menos esperava… Precisamente no dia de Natal, a morte lhe enviou seu negro cartão de visitas: um ataque cardíaco, de cuja gravidade foi advertido pelo médico, lhe anunciava que a partida para a eternidade podia dar-se a qualquer momento.
Num relance, o Prof. Guilherme viu diante de si, como num quadro, a cena de sua vida: o Batismo, a Primeira Comunhão, o Menino Jesus a lhe sorrir, sua promessa de dar só a Ele o coração, todos os imundos pecados que manchavam sua alma.
Nada havia sido esquecido na “contabilidade” da divina Justiça. Uma terrível voz reboou em seu interior:
— Guilherme, Guilherme, de que te vale ganhar o mundo inteiro, se perderes tua alma?
Era a voz da graça que, por assim dizer, lhe rompia os tímpanos para se fazer ouvir. Aterrorizado, ele fez o que não fazia há décadas: lembrou-se do Imaculado Coração de Maria, refúgio dos pecadores, e rezou: “Salvai-me, Rainha, Mãe de misericórdia…”
Confiança restauradora
Nesse instante, abriu-se diante dele o mesmo globo visto sessenta anos atrás. Desta vez, servia de moldura ao Homem-Deus crucificado. Seu divino olhar era de censura, porém, também de clemência.
— Senhor, eu não mereço, mas, pela intercessão de vossa Mãe, dai-me mais alguns anos de vida para fazer penitência e reparar minha vocação frustrada.
— Tens menos de uma semana. Mas podes reparar tudo nesses poucos dias. Para isso, terás de praticar uma penitência. Aceitas?
— Sim, Senhor! Qual é?
— Ter confiança. Inteira confiança na infinita misericórdia de meu Sagrado Coração, na intercessão onipotente da Virgem Maria e no amor que ambos temos a ti individualmente.
Nossa Senhora obteve para o Prof. Guilherme graças inimagináveis: sua alma restaurada readquiriu a louçania. Pediu para chamar um sacerdote e confessou-se com verdadeira contrição. Poucos dias depois, recebeu a Unção dos Enfermos e a Sagrada Eucaristia.
Suas derradeiras palavras foram:
— Ah! Se eu pudesse dizer a todos os homens quanto Deus e Nossa Senhora amam cada um individualmente, sem excluir ninguém!… Quantas pessoas se converteriam se soubessem disso!