Queridos irmãos e irmãs em Cristo Jesus, meus caríssimos Arautos do Evangelho:

1. Gratidão, luz e calor

Com esta Santa Missa se encerra a minha viagem pelas três Américas.

Comecei pela Guatemala, depois estive na Nicarágua, Costa Rica, Estados Unidos, México, Equador, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Chile, Uruguai e Argentina, terminando aqui no Brasil.

Em toda parte recebi uma excelente acolhida. Quero exprimir meu profundo agradecimento a todos.

Desejo nesta oportunidade igualmente agradecer de todo o coração ao Sr. João Clá e a todos os Arautos do Evangelho do Brasil, que nestes dias me trataram como a um irmão e, ao mesmo tempo, como a um pai.

Além do Sr. João Clá, gostaria de citar outras pessoas com as quais estive. Mas, diante da impossibilidade de mencionar os nomes de tantos, vou citar apenas o Sr. José Francisco, que vem me acompanhando desde a Itália.

Levarei comigo uma recordação muito bela do sol e do calor. Mas este sol e este calor são mais belos nas almas dos brasileiros do que na própria natureza.

Sim, pois este país é rico não apenas do calor e do brilho do sol, mas sobretudo pelo seu povo, caloroso de alma e brilhante de muitas qualidades, entre as quais destaco a bondade, a afabilidade, a doçura, a generosidade, o jeitinho, e, acima de tudo, a adesão à Fé Católica, que sobrevive no coração da maioria das pessoas.

Levarei comigo, também, uma recordação muito viva do calor e do amor que os Arautos do Evangelho têm por Nossa Senhora, pela Eucaristia e pelo Papa.

2. Nossa vocação: a santidade

A festa de Todos os Santos, que hoje se comemora presta-se a uma excelente reflexão sobre nossa vocação de cristãos: o chamado à santidade.

Por vezes, podemos ter a impressão de que a santidade é um estado ao qual são chamados apenas alguns, que são elevados às honras dos altares, após um difícil e longo processo.

Se formos comparar o número de santos canonizados com o de fiéis que viveram e morreram ao longo de vinte séculos de existência da Igreja, quase que somos tentados a desanimar.

Conseguiremos nós ser alguns desses poucos os quais, pelo desejo da Providência, conquistam com muito esforço um lugar nos altares? Não é isso quase um desejo pretensioso?

Como se pode então afirmar que todos os cristãos são chamados à santidade, quando tão poucos são canonizados pela Igreja?

Tal afirmação pode parecer ainda mais absurda se voltarmos o nosso olhar para a situação moral do mundo moderno, que em quase tudo conduz ao oposto da santidade.

3. Como vivê-la em nossos dias?

Hoje em dia reina, em todos os campos da atividade do homem, nas mentalidades e nas instituições, uma confusão crescente e uma degradação generalizada de valores.

Para dizer tudo em poucas palavras, o homem moderno deixou de procurar a felicidade em Deus, para a buscar apenas no pecado, sob as mais diversas formas: pela idolatria do dinheiro, da técnica e a sofreguidão de bens materiais.

Na verdade, de tal modo o homem se distanciou de Deus, que acabou perdendo o próprio senso do pecado. A sociedade está imersa no mais completo relativismo moral, em razão do que quase não se tem mais a percepção clara daquilo que é lícito e daquilo que não o é.

Porém, ó ironia do destino! quanto mais o homem se afasta da virtude, e procura a felicidade nos bens materiais, mais ele se distancia d’Aquele que é o sumo Bem, não lhe restando na alma senão a amargura.

Nossa época tem uma particularidade singular, em relação a eras anteriores da História em que também houve grande degradação moral.

No passado, nos tempos de decadência, muitas vezes os homens negavam a verdade, caindo em erros grotescos, como acontecia no paganismo.

Com frequência nessas civilizações se praticava o mal, caindo-se em abominações horríveis. Mas raramente o homem perdia o senso do belo. E todas as civilizações antigas se destacavam por suas obras de arte, que até hoje deslumbram a humanidade.

A Roma dos Papas, na qual eu tenho a alegria de viver, foi outrora a capital do paganismo, mas até hoje aquelas construções maravilham o mundo.

Com o homem moderno passa-se algo diferente. Ele de tal forma afundou-se no pecado, afastou-se de Deus, que não perdeu apenas a noção de bem e de mal, de verdade e de erro, mas até a noção inata da beleza e do horrendo.

Não necessito vos dar exemplos, pois todos nós vivemos neste mundo. Basta sair à rua e observar certo tipo de arquitetura, de moda, de arte…

Se o homem perdeu o senso do belo, é porque perdeu o senso de Deus!… Pois Deus não é só o Autor de toda a beleza, mas é a própria Beleza incriada.

Em vista desta tão dramática degradação do mundo, algum arauto do Evangelho poderia talvez me perguntar:

Não seria melhor seguir o exemplo dos primeiros monges do Ocidente, como São Bento, que fugiu da corrupção da sociedade romana, para se refugiar num lugar ermo, numa gruta, e ali viver em contemplação, só voltado para Deus? Aí, sim, seria possível falar de santidade!… É isso, D. Giovanni, o que o Senhor quer de nós?”

4. Restaurando o senso do belo

Não, meus caríssimos Arautos do Evangelho, não é esse tipo de santidade que Deus lhes está pedindo; não é essa forma de santidade que se manifesta em vosso maravilhoso carisma,  reconhecido oficialmente e encorajado pela Igreja.

E aqui chegamos ao ponto que gostaria de destacar nesta minha homilia de despedida – até uma próxima visita na qual possa vir matar minhas saudades.

Os Arautos do Evangelho são chamados a manifestar o seu carisma, como leigos, na Igreja e na sociedade, convidando, pelo seu testemunho, os homens de nosso tempo a deixarem as vias do pecado e a abraçarem a santidade.

Qual o ponto do carisma dos Arautos do Evangelho, que me parece mais atual?

Neste mundo em que o homem perdeu o senso de Deus, e perdeu até o senso do belo, os Arautos do Evangelho podem ajudar os homens a redescobrir a Deus, restaurando neles esse senso de pulcritude que foi deformado pelo pecado.

Como? Fazendo com que os homens redescubram a beleza do universo criado, e a beleza do homem redimido.

Com razão, citando o grande escritor russo Dostoievski, o Papa afirmava em sua Carta aos artistas: “a beleza salvará o mundo” (Carta aos Artistas, 1999, n. 12).

É essa beleza de Deus, de que o homem precisa tanto, que os Arautos do Evangelho devem refletir em todos os seus atos, seguindo o mandamento dado por Jesus Cristo: “Sede perfeitos, assim como vosso Pai Celeste é perfeito ”(Mt 5, 48).

Essa perfeição à qual vos conclama o próprio Jesus, espelha-se em vosso belo cerimonial, nos vossos cantos, no vosso hábito, no vosso modo de ser, no vosso Ordo de Costumes, que deveis cumprir de forma exímia, na alegria de vossas fisionomias e na pureza de vosso olhar.

É deste modo, moldando um tipo humano que sirva de exemplo aos homens de nosso tempo, que os Arautos do Evangelho podem dar testemunho de Deus.

Estou certo de que esta é uma parte importante do vosso carisma, do qual o mundo de hoje necessita com toda a urgência.

Mas para dar testemunho de Cristo, não basta cumprir certas regras, praticar certos atos exteriores. Tudo isso é necessário. Mas também é indispensável que Jesus viva em nós, que sejamos, portanto, verdadeiramente santos.

É esta uma importante questão que S. S. João Paulo II aborda em sua memorável Carta Apostólica Novo Millennio ineunte.

5. Refletindo a Luz de Cristo

O Santo Padre nos convidava todos a ouvir novamente as palavras de Jesus aos Apóstolos: “Duc in altum”, quer dizer, “faze-te ao largo, e lança as redes para pescar!” (Cf. Lc 5, 4-5).

O Papa quer que seja levado o anúncio de Cristo a todas as gentes, e indica duas maneiras para isto. Falar de Cristo é a primeira. E, em segundo lugar, fazer que os não-crentes possam “ver Cristo” nos cristãos (Cf. n. 16).

Mas como “fazer ver” a esse Jesus que há dois mil anos Se despediu dos discípulos e subiu aos céus?

É esta uma “apaixonante tarefa pastoral”, diz o Papa, cuja perspectiva deve situar-se, em primeiro lugar, na “santidade” (n. 30). Nos Santos, os homens “veem” o rosto de Jesus.

A santidade de vida nos tornará verdadeiros reflexos de Cristo em todas as nossas ações. A santidade está, talvez, muito mais difundida do que parece, e deve ser reconhecida, a fim de oferecer novos estímulos e modelos aos cristãos.

Se formos santos, faremos que a face de Cristo possa facilmente ser “vista” pelos outros.

O caminho da santidade, o caminho da alegria de Deus é um caminho longo, difícil. Não é fácil. Mas, por meio da oração, obteremos as graças necessárias para o trilharmos.

Santidade é contemplação e ação, santidade é evangelização que de maneira tão apropriada está simbolizada em vosso hábito: o capuz indica a superioridade da contemplação, causa da eficácia da ação. E esta se encontra representada pelas botas de cavalaria que calçam vossos pés.

6. Aliando a oração à ação

A contemplação é um “diálogo com Cristo que nos converte em seus íntimos”. “Realizada em nós pelo Espírito Santo, abre-nos por Cristo e em Cristo à contemplação do rosto do Pai” (n. 32).

O Papa nos ensina que, se pusermos nossas esperanças na oração, “não temos motivos para temer o futuro” (idem). E o Santo Padre deseja que façamos esforços para marcar todos os ambientes pela oração (cf. n. 34).

Se queremos ser santos, devemos rezar sempre. Só pela oração obteremos as graças necessárias para a nossa  santificação. Ninguém chega à santidade sozinho. O homem é incapaz de atingir a perfeição apenas com suas forças.

Quem nos santifica é o Espírito Santo. É a graça de Jesus, que nos vem por meio de Maria. Para obter essas graças, precisamos rezar. Pedir ao Pai. Fortalecidos por Ele, abraçaremos a mais alta perfeição.

Nesta visita às casas dos Arautos do Evangelho existentes nas três Américas, impressionou-me ver que as comunidades mais atuantes, mais produtivas, são as que mais rezam, e que levam uma vida de fidelidade à regra e ao carisma. Este é o segredo da santificação e do sucesso na evangelização.

Parece-me oportuno lembrar aqui os diversos tipos de oração. Conforme ensina o Catecismo da Igreja Católica, a tradição cristã conservou três expressões principais da vida de oração: a oração vocal, a meditação, a oração de contemplação.

Oração vocal. Já estamos acostumados a ela. Nunca a devemos abandonar, mas até intensificá-la, se for possível.

Rezamos o Rosário, cantamos o Ofício Divino e o Ofício de Nossa Senhora, rezamos a Consagração a Nossa Senhora, redigida por São Luís Grignion de Montfort. Rezamos muitas outras orações vocais. Quanto mais pudermos rezar, tanto melhor.

Mas é muito importante também, e indispensável, a meditação. Separarmos uma hora do dia para nos recolhermos, lermos o trecho de algum livro espiritual – de preferência a Sagrada Escritura, o Evangelho – e meditarmos naquilo que acabamos de ler. Pelo menos meia hora por dia.

Esta norma já consta no Ordo de Costumes dos Arautos do Evangelho, e nós precisamos ser fiéis a ela. Pois a meditação nos obtém muitas graças de união com Jesus, de proximidade com Deus.

Por fim, uma palavra sobre a oração de contemplação, chamada também de oração mental, ou oração do coração. Santa Teresa diz que “a oração mental é apenas uma relação íntima de amizade, em que conversamos muitas vezes a sós com esse Deus, por quem nós sabemos que somos amados” (Vida, 8).

A oração mental é manter o olhar fixo em Jesus. É escutar a Palavra de Deus. É silêncio e recolhimento. Podemos praticar a oração mental durante todo o nosso dia. Fazermos tudo na presença de Deus, lembrando-nos de que Ele está ali conosco.

A prática da oração mental, da contemplação, está intimamente vinculada com o carisma dos Arautos do Evangelho.

Porque este carisma consiste em ver o reflexo de Deus no universo, ver no pulchrum das coisas criadas, no esplendor da verdade e no esplendor da bondade as perfeições do próprio Criador. Ter continuamente esse olhar contemplativo, que procure admirar a beleza da criação, é fazer oração mental, oração do coração.

7. Frequentando assiduamente os Sacramentos

Mas a oração por excelência se encontra na Liturgia, “cume e fonte da vida eclesial”, como diz o Papa (n. 32).

A Igreja nos oferece a melhor forma de oração, a litúrgica, pela qual “se exerce a obra de nossa Redenção, sobretudo no divino sacrifício da Eucaristia” (SC 2).

Cristo Jesus realizou a Redenção “principalmente pelo mistério pascal” (SC 5) de sua Paixão, Morte e Ressurreição.

Mas assim como Ele foi enviado pelo Pai, assim ele enviou seus discípulos para pregar o Evangelho e para “realizar a obra da salvação […] mediante o Sacrifício [Eucarístico] e os Sacramentos, em torno dos quais gira toda a vida litúrgica” (SC 6).

Na celebração da Eucaristia, o próprio Jesus Se imola novamente por nós. Ali se renova aquela prova de amor infinita, quando o Verbo encarnado deu sua própria vida por amor aos homens. Por amor a nós. O que de mais sublime pode haver sobre a face da terra?

Diante do mistério da Eucaristia, nosso coração deve se comover, e desejar crescer até o máximo possível no amor a esse Jesus que tanto nos quer que chegou a morrer pela nossa salvação.

Precisamos ser assíduos na frequência à Eucaristia, participando dela diariamente. Tanto mais que com grande alegria comprovo que adorais de forma perpétua a Jesus Hóstia. É essa a causa do excelente sucesso de vosso apostolado.

Quando estamos diante da Eucaristia, sentimos o amor infinito de Deus, que por nós se fez um pedacinho de pão. A grandeza de Deus é o mistério de seu amor.

Jesus nos deixou também outros Sacramentos, outros auxílios poderosos para a nossa santificação. É o que diz o Concílio: “Os sinais sensíveis [dos Sacramentos] significam, e realizam, cada um à sua maneira, a santificação do homem” (SC 7).

O Papa João Paulo II estabelece como uma meta da máxima urgência pastoral a santidade; e para alcançá-la ele nos urge a sermos exímios na arte da oração. Ele quer que aproveitemos o melhor desta “arte”, e que se encontra nos Sacramentos.

E desejo destacar aqui a grande importância do Sacramento da Reconciliação.

Como diz o Catecismo da Igreja Católica, ele é um “Sacramento de cura”. Ele é chamado também de “Sacramento da conversão”, porque realiza sacramentalmente o convite de Jesus à conversão, o caminho de volta ao Pai, do qual alguém tenha tido a infelicidade de se afastar pelo pecado.

Por ele nos reconciliamos com Deus e com a Igreja. O pecado quebra a comunhão fraterna. O Sacramento da Reconciliação a restaura. “Ele cura não apenas aquele que é restabelecido na comunhão eclesial, mas tem também um efeito vivificante sobre a vida da Igreja” (Catecismo, 1469).

Desejo, portanto, estimulá-los a serem assíduos na frequência ao Sacramento da Reconciliação. Somente com uma profunda espiritualidade poderemos auxiliar a humanidade a recuperar o senso de Deus. Somente com um profundo espírito contemplativo podereis ser verdadeiros Arautos do Evangelho.

8. Com ardorosa devoção a Maria

Isto posto, volto a lhes lembrar o que disse no início desta homilia: o meio de fazer Jesus viver em cada arauto do Evangelho é ser fiel ao carisma de sua instituição.

Vejo que Deus está derramando sobre todos muitas graças. É preciso estarem prontos para acolher todo este mistério de amor. Por isto é importante serem fiéis à vocação cada dia, seguindo o Ordo de Costumes, a obediência.

Tudo nesta vida é difícil, mas quando seguimos a Jesus Cristo, sobretudo se vamos até Ele pelas mãos de Nossa Senhora, tudo se torna mais fácil.

Vocês devem procurar a Cristo “por Maria, com Maria, em Maria e para Maria” (cf. S. Luís Maria G. de Montfort, Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem, 257-265), já que foi Ela que primeiro considerou a pessoa do Verbo Encarnado. Foi Ela quem nos trouxe Jesus à terra pela primeira vez. Ela também no-Lo trará pela segunda vez.

É sob a maternal proteção d’Ela que deveremos atravessar os dias difíceis de nossa existência, mantendo ardorosamente firmes em nossas almas a certeza da vitória, ouvindo ecoar, com grande ressonância e júbilo, em nossos corações, a promessa infalível feita por Ela em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”

Assim seja.

 

 

(Homilia proferida na Pró-Catedral de São Paulo, em 1° de novembro de 2001)