Um Papa “vindo de longe”

Era 16 de outubro de 1978. Assomando à sacada da Basílica de São Pedro, o Cardeal Proto-Diácono anunciou que o Cardeal-Arcebispo de Cracóvia, Karol Wojtyla, aos seus 58 anos de idade, acabava de ser eleito o 264º Sumo Pontífice da Igreja.

A grande multidão, pervadida de piedosa ansiedade, reunida na Praça de São Pedro, não tardou em contemplar à distância a figura augusta do novo Papa dirigindo-lhe a palavra: “Eis que os cardeais chamaram um novo Bispo de Roma. Chamaram-no de um país longínquo. Longínquo, mas sempre tão perto, pela comunhão na Fé e na Tradição cristã”.

E concluiu exprimindo “confiança total na Mãe, a Virgem Santíssima”.

Rompendo a tradição, depois de passados mais de 450 anos o Espírito Santo inspirou a eleição de um não-italiano. Era necessária uma nova Evangelização do Leste europeu, e nada melhor para tal do que um cardeal polonês ser elevado ao Trono Pontifício.

“Não tenhais medo!” As eficazes palavras de uma força divina, dirigidas pelo Senhor aos Apóstolos no convulsionado Lago de Tiberíades, ecoaram desta vez nos grandiosos espaços da Praça de São Pedro, pronunciadas pelo Sumo Pontífice, na solene cerimônia de entronização.

Caracterizaram elas um longo ministério que, ao ultrapassar o marco de 25 anos, se coloca na categoria excepcional alcançada somente por São Pedro, Beato Pio IX e Leão XIII.

Uma caminhada evangelizadora

Três meses após, como zeloso Pastor que desconhece fronteiras, foi colocar-se aos pés da Virgem de Guadalupe e encerrar a III Conferência de Bispos Latino-Americanos, no México. 

Seu Pontificado vai deixando atrás de si uma longa esteira de profícuas viagens: 102 a países dos cinco continentes, às quais se acrescentam as realizadas às dioceses e santuários da Itália. Visitou, além disto, 301 das 334 paróquias da Cidade Eterna

Numerosas multidões foram regaladas pela sua presença, em todos os países. Nas Filipinas, em 1995, 3 milhões de pessoas o aclamaram numa celebração, fato nunca antes ocorrido na História.

Sua voz e sua presença penetraram praticamente em todos os rincões do orbe terrestre, pregando o Evangelho de maneira simples, mas profunda e engajadora.

Muitos não se dão por satisfeitos de terem sido visitados pelo Papa, ou então querem lhe retribuir o gesto paternal, e se transladaram até o Vaticano.

Assim, já ultrapassa a casa dos 17 milhões o número de peregrinos que viajaram a Roma para assistir às Audiências Gerais, às quartas-feiras. Só no Ano Jubilar de 2000, mais de 8 milhões de fiéis acorreram à Cidade Eterna para estar com o Santo Padre. 

Este nosso país, grande como um continente, nunca tinha sido visitado por um Papa. Os anos de 1980, 1982, 1991 e 1997 ficarão marcados em nossa História pela presença de João Paulo II nesta Terra de Santa Cruz.

Em 1983, ao se completarem os 1950 anos do Sacrifício do Calvário que nos abriu as portas do Céu, o Papa dedicou ao Divino Mestre o Ano Santo da Redenção.

E preparando a Igreja para o Ano Santo de 2000, consagrou às Pessoas Divinas os três últimos anos do século XX, pórtico de entrada no Terceiro Milênio cristão.

Apelo à santidade

De há muito difundiu-se a errônea opinião de ser a santidade privilégio exclusivo de raríssimas pessoas. Nosso Papa eliminou esse equívoco ao longo destes 25 anos, ensinando de maneira clara ser esse um chamado universal.

E, para realçar ainda mais esse apelo – contido, aliás, na Constituição Lumen Gentium do Concílio Vaticano II –, beatificou 1.310 Servos de Deus e canonizou 469 Bem-Aventurados.

No Jubileu do ano 2000, atualizou o brado inicial do seu Pontificado com esta conclamação: “Jovens de todos os continentes, não tenhais medo de ser os santos do novo milênio!”

Um dramático atentado

Não há quem se olvide daquele trágico 13 de maio de 1981, festa da Virgem de Fátima. Enquanto se deslocava em meio à multidão na Praça de São Pedro, foi atingido por disparos de pistola que puseram em gravíssimo risco sua preciosa vida.

Quatro dias depois, assomando ao balcão do Hospital Policlínico Gemelli, onde foi submetido a duas delicadas cirurgias, manifestou de público seu perdão ao criminoso. E dois anos mais tarde, foi pessoalmente visitá-lo no cárcere. 

Mãos sobrenaturais parecem ter desviado o curso das balas, segundo afirmação feita pelo próprio Papa, posteriormente.

Por essa razão, a 13 de maio de 1982, foi a Fátima para agradecer à Virgem Santíssima sua maternal proteção e aproveitou o ensejo para consagrar o mundo ao Imaculado Coração de Maria.

Renovou esse ato em 16 de outubro de 1983, juntamente com os bispos presentes no encerramento do Sínodo realizado naquele ano.

E o repetiu por terceira vez em 1984, perante a imagem de Nossa Senhora de Fátima, na Praça de São Pedro, em união espiritual com os episcopados de todo o orbe.

Retornou mais duas vezes a Fátima.

Primeiro, em 1999. Depois, em 2000, ano do Grande Jubileu, para beatificar os pequenos videntes Francisco e Jacinta.

Nessa ocasião, o Cardeal Sodano, Secretário de Estado, anunciou ser desejo do Papa dar a público o conteúdo do terceiro segredo que a Virgem confiara aos pastorinhos.

No texto revelado pela Santa Sé, consta a visão de um Papa que cairia por terra, vítima de disparos de armas de fogo, enquanto se desenrolava uma impressionante cena simbólica, na qual se via uma multidão de mártires da fé tombados ao longo de um íngreme caminho.

Magistério fecundo

O Magistério Pontifício do atual Papa espraia-se em 14 Encíclicas, 13 Exortações Apostólicas, 11 Constituições Apostólicas e 42 Cartas Apostólicas, além de inumeráveis Mensagens. 

Promulgou o Catecismo da Igreja Católica e a Nova Edição da Bíblia Vulgata. Dotou a Igreja de um novo Código de Direto Canônico, em 1983, e deu aos Ritos Orientais um Código próprio, em 1990.

Em março de 1979, publicou sua primeira Encícilica, Redemptor Hominis, que fixou o programa de seu Pontificado, rumo ao significativo marco do terceiro milênio que estava às portas.

A Cristo Redentor elevei os meus sentimentos e pensamentos em 16 de outubro do ano passado, quando, após a eleição canônica, me foi feita a pergunta: “Aceitais?” E eu respondi então: “Com obediência de fé em Cristo, meu Senhor, e confiando na Mãe de Cristo e da Igreja, não obstante as muitas dificuldades, eu aceito.

[Nesta ] nova fase podemos justamente interrogar-nos: […] O que será necessário fazer para que este novo advento da Igreja, conjugado com o já iminente fim do segundo Milênio, nos aproxime d’Aquele que a Sagrada Escritura chama “Pai perpétuo”, “Pater futuri saeculi”? […]

A única direção da inteligência, da vontade e do coração para nós é esta: na direção de Cristo, Redentor do homem; na direção de Cristo, Redentor do mundo. Para Ele queremos olhar, porque só n’Ele, Filho de Deus, está a salvação, renovando a afirmação de Pedro: “Para quem iremos nós, Senhor? Tu tens as palavras de vida eterna”.

Nos documentos Redemptoris Missio e Catechesi Tradendæ, ditou importantes e salutares normas aos que se dedicam à Evangelização.

Na Christifideles Laici salientou a importância dos leigos na vida da Igreja e na Nova Evangelização por ele inaugurada. 

João Paulo II tem apelado repetidamente ao engajamento de todos os católicos nesse apostolado.

Por exemplo, nas Jornadas Mundiais da Juventude, nas alocuções aos bispos de todas as nações que lhe fazem a visita Ad Limina Apostolorum, nas mensagens aos movimentos eclesiais, que são sua grande esperança de renovação moral e social.

Na célebre Carta aos artistas, de 1999, e em muitos outros documentos, o Papa salientou a importância das artes, especialmente os cantos gregoriano e polifônico, para o esplendor da Liturgia.

Na Encíclica Centesimus Annus, defendeu a melhoria social dos trabalhadores; na Dominum et Vivificantem, mostrou-nos as desconhecidas belezas do Espí­rito Santo.

Na Evangelium Vitæ, defendeu a vida humana; na Fides et Ratio e na Veritatis Splendor, reafirmou o compromisso do católico com a Verdade, e a relação harmônica entre a Fé e a Razão.

Durante seu Pontificado, já escreveu três livros. Entre eles, o belo Dom e Mistério, dedicado a todos os sacerdotes, publicado quando completou 50 anos de ordenação sacerdotal. “Escrevi uma vez: ‘A oração cria o sacerdote e o sacerdote se cria através da oração’. Sim, o sacerdote deve ser antes de tudo, um homem de oração.”

Atendeu em audiência mais de 900 Chefes de Estado e Primeiros-Ministros. Ampliou o Colégio Cardinalício, tendo nomeado 201 cardeais, em 8 consistórios. 

Um papa mariano, devoto do Rosário

Desde o início, João Paulo II colocou seu Pontificado sob a proteção de Nossa Senhora.

O lema “Totus Tuus” no seu brasão, provém de São Luís Maria Grignion de Montfort, cuja obra magna – o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem – ele leu quando ainda jovem seminarista, e tem influenciado desde então toda a sua existência.

Consagrou-se a Nossa Senhora como escravo de amor, segundo o método proposto por esse Santo francês, e foi no contexto dessa devoção que proclamou o Ano Mariano, em 1987, através da Encíclica Redemptoris Matris

Visitou os mais importantes santuários marianos, entre eles Lourdes, Guadalupe, Loreto, Fátima, Aparecida, e o Pilar de Saragoça.

Não tem cessado de incentivar a devoção à Mãe de Deus. Em março deste ano, salientou aos estudantes do Seminá­rio Romano:

Em nosso espírito ressoam as palavras que Maria dirigiu aos servidores, durante as bodas de Caná:  “Fazei aquilo que Ele vos disser!” (Jo 2, 5), palavras que nos encorajam a confiar em Cristo.

É precisamente para Ele que nos orienta a Virgem Santa, Nossa Senhora da Confiança. 

Em minha recente Carta Apostó­lica Rosarium Virginis Mariæ, desejei confirmar como é importante deixar-se conduzir por esta extraordinária Mestra de vida espiritual, que se dedicou com grande assiduidade à contemplação do rosto de Cristo, seu Filho. […]

Deixai-vos orientar por Maria que, no Seminário Romano, coração da nossa Diocese, é venerada com o lindo título de “Nossa Senhora da Confiança”.

Na sua escola, haveis de aprender a sublime arte da confiança em Deus.

Seguindo Maria, […] podereis cumprir a vontade de Deus, prontos para servir com generosidade a causa do Evangelho.

Podereis percorrer o caminho que conduz à santidade, vocação de todo cristão. Assim, sereis discípulos fiéis de Cristo.

Os grandes feitos de sua vida têm a marca dessa devoção. O Santo Padre nutre especial carinho pelo uso do Escapulário do Carmo.

Com a Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariæ, enriqueceu o Rosá­rio, sua oração preferida e quotidiana, acrescentando-lhe os Mistérios de Luz, nos quais se considera a vida pública de Nosso Senhor Jesus Cristo. 

Papa da Eucaristia

Recentemente, o Santo Padre presenteou a Igreja com a Encíclica A Igreja vive da Eucaristia, uma das mais belas obras de seu  Pontificado até o presente momento, na qual permite-nos penetrar no seu grande amor a Jesus Sacramentado:

Hoje tenho a graça de oferecer à Igreja esta Encíclica sobre a Eucaristia […] Faço-o com o coração cheio de gratidão.

Há mais de meio século, todos os dias – a começar daquele 2 de novembro de 1946, quando celebrei minha primeira Missa – […] meus olhos concentram-se sobre a hóstia e sobre o cálice onde o tempo e o espaço de certo modo estão “contraídos” e o drama do Gólgota é representado ao vivo, desvendando a sua misteriosa “contemporaneidade” […]

Deixai, meus queridos irmãos e irmãs, que dê com íntima emoção, em companhia e para conforto da vossa fé, o meu testemunho de fé na Eucaristia: “Ave, verum corpus natum de Maria Virgine, vere passum, immolatum, in cruce pro homine!”

Eis aqui o tesouro da Igreja, o coração do mundo, o penhor da meta pela qual, mesmo inconscientemente, suspira todo homem. 

Associando-se aos fiéis de todo o orbe católico neste nobre jubileu de prata pontifício, os Arautos do Evangelho rogam a Nosso Senhor Jesus Cristo, por intercessão de Maria Santíssima: “Que o Senhor Deus conserve o Papa, o robusteça e o faça bem-aventurado nesta Terra, para que guie o povo de Deus até o Porto da Salvação!” (cf. Sl 40, 3).