Em uma das minhas viagens ao Brasil, ao passar próximo à Basílica de Nossa Senhora do Rosário, deparei-me com uma pequena loja na qual se vendem livros e outros artigos religiosos.
Havia ali lindos cartões postais com fotos que exibiam a beleza do interior da igreja, e tomei-os nas mãos com a ideia de comprar alguns.
Porém, ao virá-los notei que, no verso, era preciso escrever à mão…
De imediato veio-me à memória quanto tempo havia que não enviava um postal ou redigia uma carta manuscrita.
Tinha abandonado o encantador costume de compor algumas linhas usando tinta e papel, porque o computador tornou-se uma constante em todas as minhas atividades e comunicações.
O tema ficou reboando no meu pensamento. Lembrava-me da época de menino, em que usávamos caneta para as tarefas da escola, manchando, é claro, os nossos aventais. Sem falar dos cadernos!
Naqueles idos tempos, cada aluno tinha seu próprio tinteiro, um vasinho de porcelana encaixado na carteira que, para evitar desastres, era preciso guardar em lugar seguro após a aula.
Passaram-se as décadas e tudo isso se transformou em um pitoresco conjunto de “fatinhos”…
Hoje em dia é cada vez mais raro achar quem se sirva da velha e boa caligrafia nas suas comunicações rotineiras. E cabe perguntar: será que as novas gerações perdem algo com isso?
Gritos de alerta pela morte da escritura à mão
O assunto pareceu-me de suma importância, sobretudo para quem cuida da formação de jovens e crianças, e interessei-me em aprofundá-lo.
Encontrei, então, afirmações que me deixaram pensativo: “A escritura à mão torna as pessoas únicas”; “A pena e o papel impõem uma atitude reflexiva”; “O ocaso da caligrafia constitui uma emergência cultural”.
Chamou-me especialmente a atenção o “grito” estampado em um dos principais jornais da Alemanha, o Bild.
Sua capa do dia 27 de junho de 2012 trazia uma manchete manuscrita em letras garrafais: “Alerta! A escritura à mão se extingue”.
Embaixo, no texto das colunas, todo ele também manuscrito, explicava-se, para espanto meu, que “um de cada três adultos não escreveu nada à mão nos últimos seis meses”.
Não foi essa a única notícia de imprensa a alertar-me sobre o problema. As jornalistas norte-americanas Claire Suddath e Raina Kelley1 haviam publicado alguns anos antes, nas célebres Time e Newsweek, estudos a respeito deste tema que ainda são relembrados.
E a isso se pode somar artigos e mais artigos de psicólogos, neurologistas, jornalistas e escritores, veiculados por publicações espanholas, italianas e de muitos outros países.
Ela aprimora as capacidades cognitivas e motoras
Continuei a pesquisar e descobri, então, que o uso do papel e da caneta tem muitíssimo mais vantagens do que se imagina.
Segundo jornalistas do madrileno ABC, os estudiosos reconhecem que escrever à mão “promove um melhor conhecimento da ortografia, facilita o fluxo das ideias, melhora a capacidade de leitura e desenvolve a memória”.2
Tais benefícios se dão, sobretudo, pelo fato de que, ao tomar mais tempo do escritor, a escritura caligráfica permite-lhe refletir sobre o que está redigindo.
Mas não para por aí a lista de vantagens.
Estudos de neuroimagem evidenciam que o cérebro fica mais ativo quando se escreve do que quando se datilografa.
No primeiro caso, é preciso fazer uma representação mental das letras que involucra a integração das áreas visuais e motoras do cérebro.
Além do mais, ativam-se áreas relacionadas à ortografia, som e significado das palavras.3
O maior esforço realizado ao escrever à mão acaba sendo recompensado, portanto, com um aprimoramento das habilidades cognitivas e motoras.
Amplia-se a capacidade de meditar, de formular ideias e organizá-las, algo que as novas gerações correm o risco de perder e que deveria nos servir de estímulo para fazer mais uso da tinta e do papel.
Não é à toa que países muito avançados em termos de tecnologia e informática, como Inglaterra e França, estão retornando à utilização da escrita manual para que os alunos aprendam melhor a ortografia.
Linguagem da alma, que torna as pessoas únicas
Sob um interessante ponto de vista analisa a questão o Prof. Guillermo Jaim Etcheverry, da Universidade de Buenos Aires. Para ele, resulta claro que
os computadores são um apêndice do nosso ser, sendo preciso advertir que eles favorecem um pensamento binário, enquanto a escritura à mão é rica, diversa, individual, e nos diferencia dos outros.4
“O fato de estarem as letras unidas entre si”, acrescenta, “permite que o pensamento flua com harmonia da mente para o papel”. Além do mais, a escritura à mão obriga “a compor mentalmente a frase antes de transcrevê-la”.5
Por esse motivo, “as crianças devem ser educadas entendendo que a escrita responde à sua voz interior e representa um exercício inalienável”, pois a caligrafia tem a qualidade “de ser uma linguagem da alma, que torna as pessoas únicas”.6
Lutemos por reverter essa tendência
A preocupação manifestada por educadores, escritores, ensaístas e literatos ante ao desaparecimento da caligrafia não deixa, portanto, de ter sólido fundamento.
Isso sem contar com estudos recentes que relacionam a falta de hábito de escrever à mão com muitos distúrbios de aprendizagem que afetam o desempenho escolar.
“Se a escritura manual for cada vez menos usada, corre-se o risco de que o cérebro comece a funcionar de uma forma diferente”, alerta o neurologista argentino León Benasayag.
Pois “ela faz com que se organizem as estruturas cerebrais que levam a memorizar as palavras e a sintaxe. A partir desses dados será mais tarde estruturado o pensamento”.7
Será então que daqui a alguns anos se considerará uma carta manuscrita como uma “obra de arte”, produzida por uma forma extinta de comunicar-se? Não o sabemos.
Mas cabe a nós, educadores, com a imprescindível ajuda dos pais, lutar para reverter essa tendência.