A doutrina da excelência da virgindade e do celibato, e da superioridade de ambos em relação ao matrimônio, tinha sido declarada, como dissemos, pelo Divino Redentor e pelo Apóstolo das Gentes. […]
Mas, perante recentes ataques a esta doutrina tradicional da Igreja, e por causa do perigo que eles constituem e do mal que produzem entre os fiéis, somos levados pelo dever do nosso cargo a desmascarar nesta encíclica e a reprovar de novo esses erros, tantas vezes propostos sob aparências de verdade. […]
A castidade consagrada exige almas fortes e nobres
A virgindade é virtude difícil: para a abraçar, não se requer apenas o propósito firme e expresso de renunciar completa e perpetuamente aos prazeres legítimos do matrimônio.
É preciso também dominar e acalmar, com vigilância e combate constantes, as revoltas da carne e as paixões do coração, fugir das solicitações do mundo e vencer as tentações do demônio. […]
Exige, portanto, almas fortes e nobres, prontas para o combate e para a vitória “por amor do Reino dos Céus” (Mt 19, 12). […]
Mas, se a castidade consagrada a Deus é virtude difícil, a sua prática fiel e perfeita é possível às almas que, depois de tudo bem ponderado, correspondem generosamente ao convite de Jesus Cristo e fazem quanto podem para a observar. […]
Porque “Deus não manda coisas impossíveis; mas, ao mandar, recomenda que se faça o que se pode, que se peça o que não se pode, e ajuda a poder”.1 […]
Os meios recomendados pelo próprio Divino Redentor, para defesa eficaz da nossa virtude, são: vigilância assídua, para fazermos o melhor que pudermos tudo o que estiver na nossa mão; e oração constante, para pedirmos a Deus o que pela nossa fraqueza não podemos conseguir.
Diz o Divino Mestre: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação. O espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41).
Tal vigilância de todos os instantes e em todas as circunstâncias é absolutamente necessária, “porque a carne tem desejos contrários ao espírito, e o espírito desejos contrários à carne” (Gal 5, 17).
Se cedemos, pouco que seja, às seduções do corpo depressa seremos levados até essas “obras da carne” enumeradas pelo Apóstolo (cf. Gal 5, 19‐21), que são os vícios mais vergonhosos da humanidade. […]
“Quem ama o perigo nele perecerá”
Segundo São Jerônimo, para conservar a pureza, a fuga vale mais do que a luta aberta: “Fujo, para não ser vencido”, dizia de si mesmo. […]
Mas essa fuga e vigilância, para não nos expormos às ocasiões de pecado, parece que não são hoje compreendidas por todos, apesar de os Santos as terem considerado sempre o melhor meio de luta nesta matéria.
Pensam de fato alguns que os cristãos, e especialmente os sacerdotes, já não devem ser uns separados do mundo como outrora, mas devem pelo contrário estar presentes ao mundo e, por conseguinte, arrostar o perigo e pôr à prova a sua castidade, para assim se patentear se têm ou não suficiente força para resistir.
Vejam tudo, portanto, os jovens clérigos, para se habituarem a encarar tudo sem perturbação e para se imunizarem assim contra toda espécie de tentações.
Desse modo, facilmente lhes permitem fixar sem resguardo tudo o que lhes cai debaixo dos olhos, frequentar cinemas, mesmo para ver películas proibidas pelos censores eclesiásticos, percorrer toda espécie de ilustrações, mesmo que sejam obscenas, e ler até os romances que estão no Index ou que proíbe o direito natural.
Concedem-lhes tudo isso sob pretexto de que hoje grande parte das pessoas alimenta o espírito com esses espetáculos e publicações, e que é preciso que quem há de ajudá-las compreenda sua maneira de pensar e sentir.
É fácil de ver a falsidade e o perigo de tal maneira de formar o clero e de o preparar para a santidade da sua missão: pois “quem ama o perigo nele perecerá” (Eclo 3, 27).
A recomendação de Santo Agostinho não perdeu nada da sua oportunidade: “Não digais que tendes almas puras se tendes olhos impuros, porque os olhos impuros são mensageiros de um coração impuro”.
O pudor adivinha o perigo e obsta a que se afronte
Esse funesto método baseia-se numa confusão grave. É verdade que Nosso Senhor disse dos Apóstolos: “Enviei-os ao mundo” (Jo 17, 18), mas acabara de dizer: “Eles não são do mundo, como Eu também não sou do mundo” (Jo 17, 16) e tinha rogado ao Pai: “Não Te peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” (Jo 17, 15).
Segundo esses princípios, a Igreja tomou prudentes medidas para preservar os padres que vivem no meio do mundo, das tentações que os rodeiam. Essas normas têm por fim defender-lhes a santidade de vida das preocupações e prazeres próprios dos leigos.
Com maior razão ainda, é necessário separar os jovens clérigos da agitação do século, para os formar na vida espiritual e na perfeição sacerdotal ou religiosa, antes de os lançar no combate.
Por isso, devem eles ficar por longo tempo no seminário ou nas casas de noviciado e formação, e receber educação apurada, aprendendo pouco a pouco e, com prudência, a tomar contato com os problemas do nosso tempo, como nós o prescrevemos na nossa Exortação apostólica Menti nostræ.
Qual é o jardineiro que expõe às intempéries plantas escolhidas, mas ainda tenras, sob o pretexto de as experimentar?
Ora, os seminaristas e os religiosos em formação são plantas novas e delicadas, que precisam de proteção e só progressivamente se vão habituando a resistir e a lutar.
Bem melhor fariam os educadores da juventude clerical, inculcando-lhe as normas do pudor cristão, que tanto contribui para manter incólume a virgindade, e bem pode chamar-se a prudência da castidade.
O pudor adivinha o perigo, obsta a que se afronte, e leva a evitar aquelas mesmas ocasiões de que não se acautelam os menos prudentes.
Ao pudor não agradam as palavras torpes ou menos honestas, e aborrece-lhe a mais leve imodéstia. Ele afasta-se da familiaridade suspeita com pessoas do outro sexo, porque enche a alma de profundo respeito pelo corpo, membro de Cristo (cf. I Cor 6, 15), e templo do Espírito Santo (cf. I Cor 6, 19).
A alma cristãmente pudica tem horror de qualquer pecado de impureza e retira-se ao primeiro assomo da sedução. […]
Mãe poderosíssima das almas consagradas
Mas, para conservar e fomentar a castidade perfeita, existe um meio que a experiência dos séculos mostra repetidamente ter valor extraordinário: é a sólida e fervorosa devoção a Nossa Senhora.
Em certo modo, essa devoção encerra em si todos os outros meios: quem a cultiva sincera e profundamente é levado a vigiar e a orar, a aproximar-se do Tribunal da Penitência e da Sagrada Mesa.
Por isso exortamos com afeto paternal os sacerdotes, os religiosos e as religiosas a colocarem-se debaixo da proteção da augusta Mãe de Deus, que, sendo a Virgem das virgens, é, como afirma Santo Ambrósio, “a Mestra da virgindade” e, de modo especial, a Mãe poderosíssima das almas consagradas a Deus.
Excertos de: PIO XII. Sacra virginitas, 25/3/1954.