Enquanto, cheio de horror, contemplava o estado de muitos dos meus jovens, assaltou-me de improviso um pensamento:

Mas como é possível que estejam condenados todos os que aqui se encontram? Ontem à tarde eles estavam vivos no Oratório.

Todos estes que aqui vês – disse-me o guia – vivem ainda, mas estão mortos para a graça e se condenariam se morressem agora ou continuassem agindo como até o presente. Mas não percamos tempo, sigamos adiante.

Pouco me importa sofrer, desde que possa livrá-los destes tormentos

Afastou-me daquele lugar e, por um corredor que descia a um profundo subterrâneo, conduziu-me a outro em cuja entrada estava escrito: “Seu verme não morrerá e o fogo não se extinguirá… O Senhor Todo-Poderoso dará fogo e vermes a suas carnes para que ardam e sofram eternamente” (Jt 16, 21).

Aqui se contemplava o espetáculo dos terríveis remorsos dos que foram educados em nossas casas.

A recordação de todos e cada um dos pecados não perdoados, e sua justa condenação; a de ter tido mil ajudas extraordinárias para converter-se a Deus, ser perseverante no bem e ganhar o Paraíso.

A recordação de tantas graças prometidas, oferecidas e dadas por Maria Santíssima, e não correspondidas! Poder salvar-se com pouco trabalho e perder-se irremediavelmente para sempre!

Lembrar-se de tantos bons propósitos feitos e não cumpridos! Ah! bem diz o provérbio que o inferno está cheio de boas intenções.

Ali vi de novo todos os jovens do Oratório que havia visto pouco antes naquele forno (alguns deles estão me ouvindo neste momento, outros conviveram conosco, e muitos eu não conhecia).

Aproximei-me e observei que todos estavam cheios de vermes e animais asquerosos que – de uma maneira tão miserável que me é impossível explicar – lhes roíam e consumiam o coração, os olhos, as mãos, pernas, braços.

Estavam imóveis, expostos a toda espécie de incômodos, e não podiam defender-se de modo algum. Aproximei-me mais, para que me vissem, esperando poder falar-lhes e que me dissessem algo, mas nenhum deles me falava nem olhava.

Perguntei então ao guia a causa disto. Respondeu-me que no outro mundo os condenados não têm liberdade; cada qual sofre ali o castigo que Deus lhe impôs, sem qualquer possibilidade de mudança. E acrescentou:

Agora é necessário que também tu vás ao meio daquela mansão de fogo que viste.

Não, não! Não quero ir ao inferno! – respondi aterrorizado.

Dize-me que te parece melhor: ir ao inferno e livrar teus jovens ou ficar de fora e deixá-los no meio de tantos tormentos? – perguntou o amigo.

Respondi:

Oh! meus queridos jovens, eu os amo muito e quero que todos se salvem. Não podemos, porém, agir de modo que nem eles nem eu entremos aí?

Ainda estás a tempo – respondeu-me o amigo – e eles também, contanto que façam tudo quanto podem.

Meu coração dilatou-se e disse para mim mesmo:

Pouco me importa sofrer e trabalhar, desde que possa livrar de tantos tormentos estes meus queridos filhos.

— Vem, pois, para dentro, e verás a bondade e onipotência de Deus que amorosamente emprega mil meios para chamar teus jovens à penitência e salvá-los da morte eterna – replicou o amigo.

Mudar de vida!… Mudar de vida!…

Tomou-me pela mão para introduzir-me na caverna. Mal pisei no umbral, vi-me transportado a uma imensa sala com portas de cristal. Sobre estas, a distâncias regulares, pendiam longos véus cobrindo outros tantos departamentos que comunicavam com a caverna.

O guia indicou-me um desses véus sobre o qual estava escrito: “Sexto Mandamento”, e exclamou:

— A transgressão deste é a causa da ruína de muitos jovens.

Mas não se confessaram?

Sim, confessaram-se, mas confessaram mal os pecados contra a Bela Virtude, ou os omitiram por completo. Por exemplo, um que havia cometido quatro ou cinco desses pecados confessou somente dois ou três.

E explicava:

— Alguns cometeram apenas um na infância e tiveram sempre vergonha de confessá-lo ou o confessaram mal, não dizendo tudo. Outros não tiveram arrependimento nem propósito de emenda. Mais ainda: alguns, em vez de examinar sua consciência, estudavam um modo de enganar o confessor.

Por fim, disse:

E aquele que morre com essa resolução está disposto a ser do número dos condenados, e assim será por toda a eternidade de. Serão eternamente felizes só os que, arrependidos de todo o coração, morrem com a esperança da vida eterna. Queres ver agora por que a misericórdia de Deus te conduziu até aqui?

Levantei o véu e vi um grupo de meninos meus conhecidos, condenados por esse pecado. Entre eles havia alguns que, na aparência, têm boa conduta.

Pelo menos agora me deixarás escrever os nomes destes meninos, para poder preveni-los em particular.

Não faz falta – respondeu-me.

Que devo dizer-lhes?

Prega constantemente contra a impureza. Basta avisá-los em geral; não te esqueças de que, mesmo que os avises em particular, prometeram, mas nem sempre firmemente.

Explicou-me:

Para conseguir isto é necessária a graça de Deus, a qual, se for pedida, jamais lhes faltará. Deus manifesta especialmente seu poder em compadecer-se e perdoar. Oração, pois, e sacrifício, de tua parte. Os jovens escutem tuas exortações e interroguem sua consciência, e ela lhes sugerirá o que devem fazer.

Ficamos assim conversando cerca de meia hora sobre as condições necessárias para fazer uma boa confissão. Depois o guia repetiu várias vezes, elevando a voz:

Avertere!… Avertere!…

— Que significa esta exclamação?

Mudar de vida!… Mudar de vida!…

A desobediência, raiz de todo mal

Abatido por essa revelação, baixei a cabeça e ia retirar-me quando o guia me chamou e disse:

— Ainda não viste tudo.

E, dirigindo-se a outra parte, levantou outro véu, sobre o qual estava escrito: “Sétimo Mandamento”. Os que querem fazer-se ricos, caem em tentação e no laço do demônio.

Li e exclamei:

— Isto nada tem a ver com meus meninos, porque são pobres como eu; não somos nem pretendemos ser ricos. Nem sequer pensamos nisto.

Ele afastou o véu. Apareceu no fundo um certo número de meninos, todos conhecidos, que sofriam como os anteriores. Apontando-os, disse-me ele:

— Creio que esta inscrição algo tem a ver com teus meninos.

Explica-me, pois, esse qualificativo de divites (ricos).

— Por exemplo, alguns de teus jovens têm de tal maneira o coração apegado a um objeto material que esse apego os afasta do amor de Deus, e por isso faltam à caridade, à mansidão e à piedade. Não somente com o uso das riquezas se perverte o coração, mas também com o fato de desejá-las, tanto mais se esse desejo ofender a justiça. Teus jovens são pobres, mas note que a gula e o ócio são maus conselheiros.

Há alguns que cometeram furtos não insignificantes em suas aldeias, e, podendo, não pensam em restituir.

Há quem estuda um meio de arrombar a porta da despensa, quem procura entrar no escritório do administrador ou do ecônomo, quem vai esquadrinhar as malas dos companheiros para roubar comestíveis, dinheiro ou outros objetos, quem faz coleções de cadernos e livros para seu uso particular.

Após dizer-me o nome de uns e de outros, continuou:

Alguns estão aqui porque se apropriaram de peças de vestuá­rio, roupa branca, colchas, ou cobertores pertencentes à rouparia do Oratório e os enviaram para suas casas.

Alguns, por terem voluntariamente causado prejuízos e não os terem reparado. Outros, porque não devolveram os objetos que lhes foram emprestados. E alguns por terem retido somas de dinheiro que lhes foram confiadas para serem entregues ao superior.

E concluiu dizendo:

Já que te indiquei esses males, adverte-os. Dize-lhes que rechacem os desejos inúteis e nocivos, que sejam obedientes à Lei de Deus e zelosos de sua honra, se não a avareza os arrastará a piores excessos, que os submergirão nas dores, na morte e na perdição.

Eu não conseguia entender como certas coisas, consideradas tão insignificantes pelos jovens, haviam sido castigadas com penas tão horríveis. Porém, o amigo cortou minhas reflexões, dizendo-me:

Lembra o que te foi dito ante o espetáculo dos cachos deteriorados da videira.

E levantou outro véu, que ocultava muitos outros de nossos jovens, os quais logo reconheci e que estão presentemente no Oratório. Sobre esse véu está escrito: Raiz de todos os males.

Perguntou-me ele:

Sabes o que significa isto? Sabes qual é o pecado indicado por esta epígrafe?

Parece-me não ser outro que a soberba.

— Não – respondeu.

Sem embargo, sempre ouvi dizer que a soberba é a raiz de todo pecado.

— Sim, em geral é a soberba. Mas, concretamente, sabes o que fez Adão e Eva caírem no primeiro pecado, pelo qual foram expulsos do Paraíso Terrestre?

A desobediência.

Exatamente. A desobediência é a raiz de todo mal.

— E que hei de dizer a meus jovens sobre este ponto?

— Preste atenção: os jovens que aqui vês são os desobedientes, que vão preparando para si tão lamentável fim. Estes tais, e outros que pensas que foram descansar, descem à noite para passear no pátio e, não fazendo caso das proibições, vão a lugares perigosos e sobem nos andaimes das novas obras, pondo em perigo sua vida.

Disse ainda:

Alguns, apesar das admoestações, não se portam na igreja como devem; em vez de rezar, pensam em mil outras coisas, constroem castelos no ar; outros incomodam os demais. Há os que se ajeitam numa posição cômoda e dormem durante as sagradas celebrações.

Prosseguiu:

Outros, pensam que vão à igreja, mas não vão. Ai de quem descuida da oração! Quem não reza, se condena! Aqui estão alguns que, em lugar de cantar os sagrados hinos ou o ofício da Santíssima Virgem, leem livros que tratam de tudo menos de religião. E dá vergonha de dizer, alguns até leem livros proibidos.

E continuou enumerando outras transgressões que são causa de graves desordens. Quando terminou, olhei-o comovido.

Ele me olhou, e eu lhe disse:

— E poderei contar todas essas coisas a meus meninos?

— Sim, podes dizer a todos o que recordares.

E que conselhos poderei dar-lhes para evitar tão graves desgraças?

Insistirás em lhes demonstrar como a obediência a Deus, à Igreja, aos pais e aos superiores – mesmo nas menores coisas – os salvará.

— E que mais?

Dirás a teus jovens que se acautelem muito do ócio, porque foi esta a causa do pecado de Davi. Dize-lhes que estejam sempre ocupados, porque assim o demô­nio não terá tempo de assaltá-los.

A milésima muralha, uma minúscula amostra

Inclinei a cabeça e prometi. Não me aguentando mais pelo cansaço, disse ao amigo:

Agradeço-te a caridade que tiveste comigo e rogo-te que me tires daqui.

— Vem comigo – disse-me.

Dando-me ânimo, tomou-me pela mão e me amparou, porque eu estava extenuado. Saindo da quela sala, atravessamos em um momento aquele terrível pátio e o longo corredor de entrada. Antes de abandonar o umbral da última porta de bronze, voltou-se de novo para mim e exclamou:

Agora que viste os tormentos dos outros, é preciso que também tu experimentes um pouco do inferno.

Não! Não! – gritei espantado.

Ele insistia e eu recusava.

Não temas, é apenas experimentar; toca esta muralha – dizia-me.

Eu não tinha coragem e queria afastar-me. Ele, porém, me subjugou, dizendo:

No entanto, é necessário que tu o experimentes!

Agarrou-me decididamente por um braço e levou-me para junto da muralha, dizendo:

Toca-a rapidamente pelo menos, para poderes dizer que foste visitar as muralhas dos suplícios eternos e as tocaste. E também para compreenderes como será a última muralha, se esta primeira é tão terrível. Vês esta parede?

Observei com maior atenção a parede, que era de uma espessura colossal. O guia prosseguiu:

Esta é a milésima parede antes de chegar ao fogo do inferno. Ele é rodeado por mil muralhas. Cada uma tem mil medidas de espessura, e esta é a distância entre uma e outra; cada medida é de mil milhas; esta muralha está a um milhão de milhas do verdadeiro fogo do inferno e, portanto, é um minúsculo princípio do inferno propriamente dito.

Dito isto, e vendo os esforços que eu fazia para esquivar-me, agarrou minha mão, abriu-a à força e obrigou-me a apoiá-la sobre a pedra daquela última muralha.

Naquele instante senti uma queimação tão intensa e dolorosa que, saltando para trás e dando um fortíssimo grito, acordei.

Achei-me sentado na cama e, parecendo-me que minha mão estava ardendo, esfregava-a na outra para fazer passar aquela sensação.

Quando amanheceu, observei que ela estava efetivamente inchada. E a impressão imaginária daquele fogo teve tal força que, pouco depois, a pele da palma da mão se desprendeu e mudou.

Estes sonhos não são mais que um comentário da Sagrada Escritura

Tomai em consideração que não vos contei estas coisas com todo o seu horror, para não assustar-vos demais.

Sabemos que o Senhor nunca falou do inferno senão por figuras, porque, mesmo se o descrevesse como é, não o entenderíamos. Nenhum mortal pode compreender estas coisas. O Senhor as conhece e pode dizê-las a quem queira.

Fiquei tão perturbado durante várias noites que não pude dormir, por causa desse medo. Contei-vos brevemente o que vi em longuíssimos sonhos: não vos fiz mais do que um breve resumo.

Logo vos darei instruções sobre o respeito humano, sobre o sexto e o sétimo Mandamentos, e sobre a soberba.

Não farei mais que explicar estes sonhos, porque em tudo estão de acordo com a sagrada Escritura: mais ainda, não são mais que um comentário do que nela se lê a este respeito.

Já vos contei algumas coisas nestas noites, mas, sempre que puder vir conversar convosco, contarei as restantes, dando-vos alguma explicação.

 

Obras completas de San Juan Bosco, Editora B.A.C., Madrid, 1967. Os subtítulos são da nossa redação.