Quando se ama, a vontade se volta para o objeto amado como a um fim que tem por bem.

Não existe o agir apenas pelo sabor da ação, e sim para encontrar este fim próximo, o seu próprio bem, ou o fim último, a bem-aventurança que, nas palavras de São Tomás, é “o bem perfeito e suficiente, [que] exclui todo mal e satisfaz todo desejo”.1

O homem, então, ou ama a Deus a ponto de esquecer-se de si mesmo, ou ama a si mesmo até olvidar-se de Deus.2

Como nossa alma está sempre à procura do bem existente nas coisas, para nele repousar, se ela não tiver o Bem infinito por objeto último, acabará por apegar-se às criaturas, as quais, de si, não podem proporcionar-lhe tranquilidade nem satisfazê-la.

Há, entretanto, almas generosas que decidem pôr-se ao serviço de Deus consagrando-se inteiramente a Ele.

E efetivam sua radical entrega, vivendo num estado de castidade perfeita e perpétua, dentro do qual a pessoa oferece a Deus o holocausto de seu corpo e dos seus afetos naturais, pois “jamais alguém é casto a não ser por amor; e a virgindade não é aceitável nem expansiva senão a serviço do amor”.3

Personificação arquetípica da virgem consagrada é Santa Teresinha do Menino Jesus, que assim canta num de seus poemas:

Viver de amor é banir todo temor,
Qualquer lembrança das faltas do passado.
Dos meus pecados não vejo nenhum vestígio;
 Num instante, o Amor tudo queimou…

Chama divina, oh!, dulcíssima Fornalha!
Em teu ardor fixo minha morada
É no teu fogo que eu canto alegremente: “Vivo de Amor!”.4

O amor a Deus não encerra a alma em si mesma, mas a faz arder em desejos de se entregar no serviço ao próximo. Por isso, dizia Santa Teresinha:

Sinto no meu interior outras vocações. Sinto em mim a vocação de guerreiro, de sacerdote, de Apóstolo, de Doutor, de mártir. Enfim, sinto a necessidade, o desejo de realizar por Ti, Jesus, todas as obras, as mais heroicas…5

Assim como é pura a água ­saída das entranhas da terra, puro é o amor que, nascido nas profundezas do coração humano, eleva-se a Deus e de lá desce sobre as criaturas, como um límpido e cristalino regato se lança do alto da montanha. 


1 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I-II, q. 5, a. 3.
2 Cf. SANTO AGOSTINHO. De Civitate Dei. L. XIV, c. 28. In: Obras. Madrid: BAC, 1958, v. XVII, p. 985.
3 ROYO MARÍN, OP, Antonio. La vida Religiosa. 2.ed. Madrid: BAC, 1965, p. 298.
4 SANTA TERESA DE LISIEUX. Viver de Amor. Poesia 17, v. 6. In: Obras Completas. São Paulo: Paulus, 2002, p. 547.
5 SANTA TERESA DE LISIEUX. Manuscrito B. Todas as obras, as mais heroicas. In: Obras Completas, op. cit., p. 171.