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Monsenhor João S. Clá Dias


Unidos num mesmo pai
 
AUTOR: IR. FELIPE EUGENIO LECAROS CONCHA, EP
 
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Se os Arautos do Evangelho se expandem com força pelo orbe é por se sentirem filhos espirituais de um mesmo pai bondosíssimo. Para conhecer melhor esta instituição, percorramos a vida de seu fundador e entendamos os objetivos que o levaram a fundá-la.

Para os Arautos do Evangelho, o mês de agosto desponta sempre com uma nota de especial alegria, pois nele comemoramos o aniversário de Mons. João Scognamiglio Clá Dias, nosso fundador. Essa circunstância dá ensejo a externar-lhe, mais do que em outros momentos, nossa gratidão por sua incansável generosidade em fazer o bem às almas.

Nos setenta e oito países em que os Arautos do Evangelho atuam, nosso fundador conquistou o coração de incontáveis pessoas. Sedentas de apoio e orientação em meio ao tempestuoso mar deste mundo, elas encontram em Mons. João e na sua obra as forças necessárias para trilhar com coragem o caminho da virtude. E, como é natural, cresce em toda parte o interesse por conhecer sua vida, compartilhar seus anseios, compreender sua pessoa e missão.

Mons. João no dia de sua
Primeira Comunhão

Quem se detém a considerar a figura de Mons. João encontra nela um misterioso contraste. Sem deixar de ser pai bondosíssimo, sempre disposto a auxiliar seus filhos e filhas, apresenta-se aos nossos olhos como um varão grandioso, de dimensões proféticas. Tudo o que ele fez até agora no serviço à Igreja parece ser apenas um prenúncio do que ainda está por vir. 

Para desvendar em algo esse paradoxal mistério, nada melhor do que conhecer, embora brevemente, a biografia do fundador dos Arautos do Evangelho, seu profundo vínculo com Plinio Corrêa de Oliveira, o desabrochar de sua obra, o labor apostólico por ele realizado em uma das épocas mais trágicas e conturbadas da História.

É o que de algum modo tentaremos fazer nestas páginas da revista Arautos do Evangelho, oferendo uma resenha da vida de Mons. João e da nova militia por ele fundada.

Um menino contemplativo

Mons. João nasceu em São Paulo, no dia 15 de agosto de 1939, Solenidade da Assunção de Maria Santíssima aos Céus, invocação pela qual sempre nutriu especial devoção. Filho de Antonio Clá Dias, espanhol, e Annitta Scognamiglio, italiana, recebeu o Batismo a 15 de junho do ano seguinte na Igreja de São José, no Bairro Ipiranga, próxima à sua residência.

Desde a mais tenra infância, foi beneficiado pela Providência com o dom da contemplação e grande facilidade para perceber a ação do Divino Artífice através das criaturas. Assim, durante certas noites em que era acometido de insônia, costumava sentar-se no parapeito da janela de seu quarto para admirar longamente as estrelas. Aquele maravilhoso conjunto de cintilações causava-lhe viva impressão e o convidava a pensar na ordem posta por Deus no universo.

Quando contava cinco anos de idade, ao entrar na então Capela de Nossa Senhora das Dores, pertencente aos padres servitas e localizada no Bairro Ipiranga, deparou-se pela primeira vez com o Santíssimo Sacramento exposto. Tendo ingressado no templo justo no instante em que o sacerdote se preparava para dar a bênção, sentiu-se inexplicavelmente atraído por aquela Hóstia branca, sobre cujo mistério ainda não fora instruído, bem como pelo ambiente de sacralidade e recolhimento. 

Logo concluiu estar na presença de Deus! A sensação de grandeza e majestade extraordinárias, mas ao mesmo tempo o efeito da infinita bondade de Jesus, constituíram para ele um convite a ser bom e o ponto de partida de uma devoção eucarística que, com o decorrer dos anos, só viria a se acrescer e sublimar.

Durante seus estudos, Mons. João sempre se distinguiu como primeiro aluno da classe, demonstrando especial aptidão para a Matemática e as Artes. Entretanto, eram as aulas de Religião que mais o atraíam, por servirem de alimento para sua juvenil fé.

“Tem de haver no mundo um homem completamente bom!”

O Sacramento da Confirmação, recebido em 26 de janeiro de 1948, e a Primeira Comunhão, realizada em 31 de outubro do mesmo ano, dilataram ainda mais sua paixão por tudo quanto dizia respeito à Fé Católica e à vida sobrenatural.

Mons. João na década de 1980 acompanhando Dr. Plinio durante uma estadia em Amparo (SP)

No início da adolescência, entrando em choque com o declínio moral e a vulgaridade reinantes na sociedade já naquela época, lamentou não haver quem os combatesse com o devido vigor. Em seu coração de menino, desejava ardentemente de algum modo transpor a bela harmonia sideral contemplada na infância para o convívio social de seus companheiros, acrescida de uma nota religiosa. Era o sopro do Espírito Santo a entusiasmá-lo no sentido de servir e amparar seus coetâneos.

Sob o influxo dessa graça, despertou-se sua inclinação pela Medicina, Psicologia e Artes, bem como o sonho de fundar uma associação de jovens com o intuito de aproximá-los de Deus e introduzi-los nas vias da perfeição, evitando assim que se perdessem.

Afligia-se ao constatar quantas pessoas se deixavam escravizar pelo egoísmo e agiam apenas por seus próprios interesses. Entretanto, uma certeza oriunda da fé dizia em seu interior: “Tem de haver no mundo um homem completamente bom e desinteressado! Ele está em meus caminhos e algum dia hei de encontrá-lo”.

Por isso, à noite ajoelhava-se aos pés da cama e, com lágrimas nos olhos, rezava trinta Ave-Marias ou mais, pedindo para conhecer o quanto antes esse homem, cuja silhueta, por singular favor do Céu, já entrevia.

Encontro com aquele a quem tanto buscava

Foi então que, a 7 de julho de 1956, primeiro dia da novena a Nossa Senhora do Carmo, Mons. João conheceu Plinio Corrêa de Oliveira, o varão “verdadeiramente católico, apostólico e romano” – conforme diz seu epitáfio – que marcou o século XX de ponta a ponta com o fulgor de sua fé e destemida militância em prol da Santa Igreja. O encontro com aquele a quem procurava o encheu de alegria! Contava, na ocasião, dezesseis anos de idade.

Dr. Plinio, como era chamado por seus conhecidos, concebera desde menino a constituição de uma Ordem Religiosa de Cavalaria, destinada a atuar junto à sociedade para reformá-la. Em 1928, sendo já congregado mariano, ingressou no Movimento Católico e tornou-se um de seus mais destacados líderes. Ali reuniu um grupo de discípulos, mas não havia entre eles ninguém que compartilhasse inteiramente de seus ideais, visão da História e modo de pensar e agir.

Desde o momento em que Mons. João o conheceu, sua mentalidade se fundiu com a de seu mestre. A lógica das exposições de Dr. Plinio, a clareza de seu pensamento e o arrebatador perfume de sua virtude fizeram com que tomasse a resolução de abandonar tudo para servir a Deus na pessoa daquele varão. Junto a ele passaria quarenta anos, embebendo-se de sua elevação de espírito, delicado trato com o sobrenatural e quintessenciada nobreza de alma. O zelo de Dr. Plinio pela Igreja e pela sociedade vinham marcados por uma veemente veneração a toda e qualquer superioridade posta pelo Criador entre os homens, em especial ao considerar a figura do Santo Padre. 

Da. Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira, fotografada por Mons. João Scognamiglio Clá Dias

Anos depois, Dr. Plinio escreveria a Mons. João: “Lembra-se daquela súplica que se cantava na Congregação Mariana: ‘Da pacem, Domine, in diebus nostris, quia non est allius qui pugnat pro nobis nisi tu, Deus noster – Dai paz, Senhor, aos nossos dias, porque não há ninguém que lute por nós a não ser Vós, Deus nosso’? Quantas e quantas vezes eu rezei pedindo a Nossa Senhora que me desse paz em meus dias, porque não havia quem lutasse por mim, a não ser Deus noster, ou seja, Ela mesma. Mais tarde Ela me deu um João, grande lutador por mim!”

Marcou também profundamente a vida do discípulo a bondosíssima mãe de Dr. Plinio, Da. Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira. Ela foi para Mons. João, segundo sua própria expressão, “o anjo da guarda” que o ajudou a compreender a infinita misericórdia do Sagrado Coração de Jesus. Por sua vez, ele desempenhou junto a Da. Lucilia um autêntico papel de filho durante os meses que precederam seu falecimento, em abril de 1968.

Orientador e formador de milhares de jovens

Seguindo o exemplo de Dr. Plinio, nos anos subsequentes Mons. João ingressou nas Congregações Marianas, tornou-se membro da Ordem Terceira do Carmo e consagrou-se como escravo de amor à Santíssima Virgem, segundo o método de São Luís Maria Grignion de Montfort.

Em 1958 foi convocado para prestar o serviço militar na recém-criada 7ª Companhia de Guarda, do 25º Batalhão de Infantaria, de São Paulo, onde se destacou pela disciplina, voz de comando e espírito militar, qualidades que lhe valeram ser condecorado com a medalha Marechal Hermes da Fonseca.

Nos anos seguintes, Mons. João aperfeiçoou seus conhecimentos musicais com o maestro Miguel Arqueróns, diretor do Coral Paulistano do Teatro Municipal de São Paulo. Ficava reforçada assim outra base de seu futuro apostolado, nitidamente marcado pelo caráter musical e militar.

A partir de 1975, Mons. João tornou-se o orientador e formador dos milhares de jovens que acorriam de várias nações para conhecer Dr. Plinio. A uns arrancou das garras do demônio com sábios conselhos, a outros animou na busca da perfeição, a todos ajudou e fortificou na fé, numa atitude de verdadeira “solicitude por todas as igrejas” (II Cor 11, 28). Inaugurou ao mesmo tempo novos métodos de apostolado, que aproximavam a obra de Dr. Plinio dos jovens de todas as classes sociais e faziam aumentar o número dos que participavam de suas atividades.

Muitos desses jovens passaram a morar em casas de formação, nas quais a vida de oração, o estudo e o cerimonial religioso aliavam-se ao espírito missionário. Tratava-se de autênticas comunidades religiosas em estado incipiente, marcadas por uma intensa nota de disciplina, herdada do seu período de serviço militar.

Nele Dr. Plinio continua vivo

Mons. João foi para Dr. Plinio um discípulo perfeito. Tendo assumido por completo o espírito de seu mestre e participando em alto grau do dom de sabedoria que o distinguia, desempenhou as mais importantes e delicadas tarefas na obra por ele iniciada.

A ousadia, fidelidade e dedicação com que as realizava, levaram Dr. Plinio a qualificá-lo de “auxiliar de ouro”, “instrumento abençoado” e, já no fim de sua existência, “bastão de minha velhice”. Em certa ocasião, ele lhe escreveu: “Manda a justiça que eu diga: ninguém me deu tantas e tão grandes alegrias quanto você”. Mais do que um seguidor ou filho espiritual, Dr. Plinio considerava Mons. João como seu “alter ego – outro eu”.

Quando, em 3 de outubro de 1995, Plinio Corrêa de Oliveira veio a falecer, Mons. João sentiu-se sustentado por uma especial graça de alegria. Tendo-o amado tanto em vida, dir-se-ia que uma tristeza mortal dele se apossaria ao vê-lo expirar. Mas a Providência não permitiu que assim fosse. Uma ideia o consolava: Dr. Plinio era um profeta de tal grandeza que, mesmo após seu falecimento, de alguma maneira continuaria vivo.

A partir de então, percebeu em si uma ação sempre mais intensa do espírito de Dr. Plinio. Sentia-o atuante em seu interior, de forma difícil de exprimir com palavras. Tal havia sido o imbricamento entre ambos durante sua existência terrena que, estando ele agora na eternidade, por um verdadeiro fenômeno místico acentuava-se sua presença no mais íntimo do coração daquele filho.

Aspectos da cerimônia de ordenação sacerdotal de Mons. João Scognamiglio Clá Dias na Basílica de Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo, 15/6/2005


Nascem os Arautos do Evangelho

Muitos pensavam que após o passamento de Dr. Plinio sua obra também morreria, mas, paradoxalmente, esta começou a crescer e a assumir uma fisionomia em inteira sintonia com o coração do mestre, apesar de muito diferente no seu aspecto exterior do que havia sido até aquele momento.

Pelas circunstâncias em que surgira e pela mentalidade de alguns dos seus membros, ela havia se constituído como entidade civil, embora com inspiração e ideário marcadamente católicos. Entretanto, Dr. Plinio sempre desejou que a instituição por ele fundada se integrasse de maneira oficial à Igreja e procurou diversas fórmulas para isso.

Como tantas vezes já acontecera, foi Mons. João quem realizou os anelos de Dr. Plinio. Depois de seu falecimento, uma radical mudança se produziu em sua obra: nasceram os Arautos do Evangelho. No dia 22 de fevereiro de 2001, o Papa São João Paulo II concedeu-lhes a aprovação pontifícia como Associação Internacional Privada de Fiéis, dando-lhes por missão ser “mensageiros do Evangelho pela intercessão do Imaculado Coração de Maria”.

Sob as bênçãos da Cátedra de Pedro, a ação evangelizadora de Mons. João e dos discípulos de Dr. Plinio que o acompanharam tornou-se mais ampla e fecunda, expandindo-se por dezenas de nações. Três pilares sustentavam sua espiritualidade: devoção à Sagrada Eucaristia, a Maria Santíssima e ao Papado. Uma frase do Evangelho definia-lhes o carisma: “Sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5, 48).

Os neossacerdotes arautos com Mons. João e Dom Lucio Renna ao centro

Intensificaram-se então as Missões Marianas nas paróquias, fortaleceu-se o Apostolado do Oratório Maria, Rainha dos Corações, grupos cada vez maiores se prepararam para a consagração a Nossa Senhora segundo o método de São Luís Maria Grignion de Montfort. E a isso se somou muitos outros empreendimentos evangelizadores, como a transmissão de programas de televisão via internet, a organização de retiros, a difusão da doutrina e cultura da Igreja através de livros e revistas.

Comunidades masculinas e femininas

Como fruto do apostolado de Mons. João, floresceu também um numeroso grupo de moças desejosas de se entregarem a Deus segundo o carisma dos Arautos do Evangelho, e muitas delas começaram a levar vida comunitária ainda na década de 1990. Em 25 de dezembro de 2005, a vida fraterna dessas jovens consagradas assumiu forma canônica com a fundação diocesana da Sociedade de Vida Apostólica Regina Virginum. Poucos anos mais tarde, em 26 de abril de 2009, ela receberia a aprovação pontifícia do Papa Bento XVI.

Tanto as comunidades do ramo masculino como as do feminino são pautadas por uma vida de intensa espiritualidade, que inclui a participação diária na Eucaristia, a frequente Adoração ao Santíssimo Sacramento – em algumas casas, a Adoração Perpétua se mantém há anos – e a recitação conjunta do Rosário e da Liturgia das Horas.

O hábito que portam simboliza a vocação à qual esses jovens foram chamados: escapulário marrom, de inspiração carmelita, com uma grande cruz branca, vermelha e dourada, cores que significam a pureza imaculada, a disposição a todos os sacrifícios exigidos no serviço da Igreja e a nobreza do ideal. A corrente que lhes cinge a cintura atesta sua escravidão de amor à Santíssima Virgem, e o rosário, pendente do lado direito, é a arma eficaz no combate ao mundo, ao demônio e à carne.

Sob a orientação e o estímulo de Mons. João, surgiram também os cooperadores dos Arautos do Evangelho, pessoas que, sem negligenciar suas obrigações familiares e profissionais, dedicam-se à difusão da devoção a Maria, a levar conforto aos doentes e presos, à catequese e animação litúrgica nas paróquias e a outras obras de apostolado. 

Nasce o ramo sacerdotal dos Arautos

A ordenação presbiteral de Mons. João, e outros quatorze membros dos Arautos do Evangelho, ocorreu no dia 15 de junho de 2005, na Basílica de Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo, local onde ele havia se encontrado com Dr. Plinio pela primeira vez.

O segundo grau do Sacramento lhes foi conferido por Dom Lucio Angelo Renna, OCarm, à época Bispo de Avezzano, Itália. Dava-se assim a dupla circunstância de a cerimônia se realizar numa igreja carmelita e ser presidida por um Bispo dessa mesma Ordem, tão ligada à história de Dr. Plinio e dos Arautos.

O Cardeal Cláudio Hummes, OFM, naquele tempo Arcebispo Metropolitano de São Paulo, fez questão de comparecer no início da celebração, da qual não pôde participar devido a um compromisso previamente assumido, e dizer umas breves palavras expressando seu contentamento por ver nascer um ramo sacerdotal nas fileiras dos Arautos do Evangelho. “Quis vir pela importância do momento”, declarou ele na ocasião.

Seis Bispos brasileiros e setenta e três sacerdotes prestigiaram com sua presença a cerimônia, tão histórica para os Arautos. A partir daquele dia, os filhos espirituais de Mons. João encontrariam um outro Cristo na pessoa de seu pai, pronto a alimentá-los com o Pão Eucarístico e purificá-los com o Sacramento da Reconciliação.

Cerimônia de ordenação de dezessete novos presbíteros dos Arautos do Evangelho – Basílica de Nossa Senhora do Rosário, Caieiras (SP), 18/5/2019


Trato familiar com grandes figuras do tomismo

A formação espiritual, intelectual e doutrinária de seus seguidores foi sempre uma das principais preocupações de Mons. João, e ele próprio quis primar pelo exemplo nessa matéria.1

Porém, mais do que dos estudos acadêmicos, a vasta formação teológica de Mons. João é consequência do trato assíduo com grandes tomistas do século XX. Entre os catedráticos da Universidade de Salamanca, na Espanha, ou do Angelicum, em Roma, que o honraram com sua amizade, podemos mencionar o Pe. Victorino Rodríguez y Rodríguez, Pe. Antonio Royo Marín, Pe. Armando Bandera e Pe. Raimondo Spiazzi, além dos canonistas, também dominicanos, Pe. Fernando Castaño, Pe. Esteban Gómez e Pe. Arturo Alonso Lobo.

Foi conversando longamente com esses doutos discípulos de São Tomás e meditando sobre todos os assuntos à luz da sabedoria de Plinio Corrêa de Oliveira que Mons. João construiu em seu espírito o monumental arcabouço teológico do qual dão prova os sete volumes de seus comentários ao Evangelho, publicados pela Libreria Editrice Vaticana entre os anos 2012 e 2014, em português, espanhol, italiano e inglês.

Essa mesma riqueza e profundidade doutrinária, aliada ao desejo de fazer o bem às almas, pode ser encontrada em todas as suas outras obras.2

Como se tornar um com Jesus Eucarístico?

Na vida de Mons. João não faltaram terríveis sofrimentos, por ele enfrentados com resignação e galhardia, lembrando sempre que o discípulo não é maior que o mestre: “Se alguém quer vir após Mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-Me” (Lc 9, 23).

Acometeram-no graves enfermidades físicas, que quase o conduziram às portas da morte. Suportou também inúmeras contrariedades de ordem moral e espiritual, motivadas principalmente pelas incompreensões de alguns de seus mais próximos e perseguições promovidas por pessoas às quais quis fazer o bem. Mas em todas essas adversidades pôde ele dizer com o salmista: “De todos os temores me livrou o Senhor” (Sl 33, 5).

Cada uma dessas tribulações teve por efeito intensificar em sua alma o amor a Jesus Eucarístico que despontara no alvorecer de sua existência. Uma misteriosa atração, da qual fora pré-figura o episódio ocorrido na infância, impelia-o para junto do Santíssimo Sacramento do Altar. Perto d’Ele se sentia compreendido, afagado, de algum modo angelizado e disposto a todos os holocaustos. 

Como se tornar um com Jesus? Como ser outro Ele mesmo, conhecendo-O e amando-O com mais fervor, e assim servir à Santa Igreja e à sociedade com perfeição? É a pergunta que se fazia nos albores do novo milênio.

Surge o ramo sacerdotal

Tendo, como leigo consagrado, mantido sempre a castidade perfeita, brotou em seu interior o desejo, irresistível e claro como um sol, de trilhar as vias sacerdotais, sublimando sua entrega total ao Senhor. “Quero unir-me mais a Jesus, quero ser um veículo d’Ele para absolver quantos encontrar em busca do perdão divino, quero ser consumido como uma hóstia a serviço d’Ele em benefício de meus irmãos e irmãs”, escrevia ele numa carta redigida alguns meses antes de sua ordenação presbiteral.

Em 15 de junho de 2005, Mons. João era ordenado sacerdote na Basílica de Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo, com outros quatorze membros dos Arautos do Evangelho. Nascia em sua obra um ramo sacerdotal, que haveria de tomar forma canônica na Sociedade Clerical de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli. Aprovada por Sua Santidade Bento XVI em 21 de abril de 2009, hoje ela conta com mais de duzentos clérigos, todos eles formados nos seminários da instituição.

Com o ramo sacerdotal, ampliou-se o leque das atividades evangelizadoras. Partícipes do incansável zelo de seu fundador, os sacerdotes arautos têm se lançado à conquista das almas pelo mundo afora.

A pulcritude dos gestos durante a celebração, a ortodoxia da doutrina e, sobretudo, a ilibada prática da virtude da pureza são pontos nos quais mais se faz sentir neles algo do espírito de Mons. João, cuja retidão e disciplina procuram com todas as suas forças imitar. Um novo tipo humano, paternal e dedicado no exercício do ministério e ao mesmo tempo solene e elevado nas cerimônias litúrgicas, se incorpora às riquezas milenares da Santa Igreja.

Bento XVI aponta para a cruz de Santiago, símbolo dos Arautos do Evangelho, durante audiência com Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, em 26/11/2009 no Palácio Apostólico

Íntima união com o Papa Bento XVI

Desde a elevação de Bento XVI ao Sólio Pontifício, Mons. João discerniu em sua pessoa um varão providencial para os nossos dias. Assim, empenhou-se em seguir os rumos indicados por Sua Santidade, desejoso de pôr-se a seu serviço, e em incutir nos que estavam sob sua orientação um amor enlevado pelo Santo Padre e filial acatamento ao seu magistério.

Por sua parte, Bento XVI acolheu paternalmente o carisma posto pelo Espírito Santo na alma do fundador dos Arautos do Evangelho, concedendo a aprovação pontifícia às duas Sociedades de Vida Apostólica nascidas no seio dessa instituição. Conferiu também a Mons. João o canonicato da Basílica Papal de Santa Maria Maggiore e a medalha Pro Ecclesia et Pontifice, em reconhecimento por seus serviços à Santa Igreja. E mesmo após a renúncia ao exercício ativo do ministério petrino, continua ele a acompanhar Mons. João com seu apoio e orações, como pôde manifestar em recentes visitas que lhe fizeram alguns sacerdotes arautos, em nome de seu pai e fundador.

Contudo, a razão mais alta do estreito vínculo existente entre ambos quiçá ainda esteja por ser compreendida em sua plenitude, como externa Mons. João em uma carta dirigida ao Papa Bento, datada de novembro de 2018: “Por alguma razão misteriosa – talvez vós o saibais discernir melhor – sinto-me intimamente unido a vós, em minha própria missão e vocação. Por isto, rezo incessantemente por Vossa Santidade, pois é como se eu, de alguma forma, rezasse por mim mesmo. Talvez o futuro esclareça melhor este meu sentimento interior”.

Uma nova cavalaria nasce na Igreja

Em 2008, apenas três anos após sua ordenação, Mons. João foi nomeado por Bento XVI como Cônego Honorário da Basílica Papal de Santa Maria Maggiore, em Roma, e Protonotário Apostólico. Com esse gesto, o sucessor de São João Paulo II reconhecia o “dinâmico florescer dos Arautos do Evangelho”3 e vinculava seu fundador à primeira igreja do Ocidente dedicada a Maria Santíssima.

Aquele que, seguindo as pegadas de Dr. Plinio, consagrara sua existência ao serviço de Nossa Senhora via-se assim premiado por Ela.

No dia 15 de agosto de 2009, por ocasião de seu septuagésimo aniversário natalício, o mesmo Bento XVI conferiu a Mons. João, pelas mãos do Eminentíssimo Cardeal Franc Rodé, então Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, a medalha Pro Ecclesia et Pontifice, uma das mais altas honrarias concedidas pelo Papa a quem se distingue por sua atuação em favor da Santa Igreja e do Romano Pontífice. 

Cerimônia de entrega da medalha “Pro Ecclesia et Pontifice”, presidida pelo Cardeal Franc Rodé – Basílica de Nossa Senhora do Rosário, Caieiras (SP)

Bom conhecedor dos Arautos do Evangelho e portador da voz oficial da Igreja enquanto Prefeito da mencionada Congregação, o Cardeal Rodé procurou exprimir o sentido mais profundo da honraria que estava sendo conferida ao fundador dos Arautos do Evangelho.

Afirmou ele na ocasião: “No momento de vos entregar a condecoração com a qual o Santo Padre quis premiar vossos méritos, vêm-me à mente as palavras de São Bernardo, no início de seu tratado De laude novæ militiæ: ‘Faz algum tempo que se difunde a notícia de que um novo gênero de cavalaria apareceu no mundo’. Estas palavras podem ser aplicadas ao momento presente. Com efeito, uma nova cavalaria nasceu, graças a Vossa Excelência, não secular, mas religiosa, com um novo ideal de santidade e um heroico empenho pela Igreja.

“Neste empreendimento, nascido em vosso nobre coração, não podemos deixar de ver uma graça particular dada à Igreja, um ato da Divina Providência em vista das necessidades do mundo de hoje”.

Com efeito, os Arautos do Evangelho não têm outro objetivo senão o de lutar para que venha o quanto antes o Reino de Maria previsto profeticamente por São Luís Maria Grignion de Montfort. A anunciar e antecipar esse Reino, Plinio Corrêa de Oliveira dedicou sua vida; torná-lo realidade nos corações é o anseio que impele Mons. João a cada instante.

“Não posso renunciar à minha missão de pai”

Em 2 de junho de 2017, tendo completado mais de sessenta anos de lutas em prol da Igreja, Mons. João apresentou sua renúncia aos cargos de Superior-Geral da Sociedade Clerical de Vida Apostólica Virgo Flos Carmeli e de Presidente-Geral da Associação Privada de Fiéis Arautos do Evangelho.

Espelhando-se no exemplo d’Aquele que mostrou à humanidade ser a via da abnegação e do sofrimento bem aceito a única que conduz à verdadeira glória, Mons. João tomou tal decisão tendo em vista claramente toda a envergadura e prodigioso crescimento da obra nascida de suas mãos, e ciente de que diante do Altíssimo o ser é muito mais do que o fazer. Assim se exprimiu ele naquela ocasião:

Mons. João após a Celebração da Eucaristia, 26/1/2019

“Ao deixar este encargo, não posso – nem desejaria – diante de Deus, renunciar à minha missão de pai. Faço à Trindade Santíssima, por meio de minha Senhora e Mãe, a Virgem Maria, o firme propósito de continuar a interceder junto a Deus, com minhas súplicas e preces, por meus filhos. Continuarei à disposição de todos e cada um, por saber-me constituído por Deus como modelo e guardião vivo desse carisma, confiado a mim pelo Espírito Santo”.

Qual será o fim do caminho?

Após estas considerações, motivadas pelo octogésimo aniversário de Mons. João, cabe perguntar: qual será o futuro dessa obra? Onde desembocará esse rio cujo caudaloso curso foi iniciado por Plinio Corrêa de Oliveira e tem continuidade em Mons. João?

Não nos é dado conhecer as provas, vicissitudes e alegrias que a Providência nos reserva até o término do caminho, mas não há nenhuma dúvida quanto ao ponto final, profetizado em Fátima pela própria Maria Santíssima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”

Essa promessa está prestes a se cumprir. Queira a Santíssima Virgem derramar especialíssimas graças a fim de que os Arautos do Evangelho sejam, cada vez mais, um instrumento para a implantação do Reino de Maria, época luminosa da História na qual será feita a vontade de Nosso Senhor Jesus Cristo “assim na terra como no Céu”.

1 Tendo cursado Direito na tradicional Faculdade do Largo São Francisco, em São Paulo, na década de 1960, licenciou-se mais tarde em Humanidades pela Pontifícia Universidade Católica Madre y Maestra, de Santo Domingo, República Dominicana; obteve o mestrado em Psicologia pela Universidade Católica de Bogotá, Colômbia; doutorou-se em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino (Angelicum), de Roma, bem como em Teologia pela Universidade Pontifícia Bolivariana, de Medellín, Colômbia. 2 Entre elas cabe destacar: Mãe do Bom Conselho, com edições em português, italiano, inglês e albanês; Dona Lucilia, reeditado em 2013 pela Libreria Editrice Vaticana (LEV) em português, espanhol e inglês; Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado (1997 e 2010); Fátima, aurora do terceiro milênio (1998), do qual foram difundidos mais de dois milhões de exemplares em trinta países; Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará! (2017), com edições em português, espanhol, inglês, italiano e francês; a coleção O dom de sabedoria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira (2016), em cinco volumes, publicada também pela LEV em português e espanhol; e São José: quem o conhece?… (2017), com edições em português, italiano e espanhol. 3 BENTO XVI. Luce del mondo. Il Papa, la Chiesa e i segni dei tempi. Città del Vaticano: LEV, 2010, p.89.

 
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