Desde a idade de quinze anos, São Pio V, naquela época ainda o pequeno Miguel Ghisleri, entrou como noviço na ordem de São Domingos.
Persuadido de que as almas covardes não são talhadas para a verdadeira virtude, ocupou-se com toda a alma dos meios de cumprir os deveres da maneira mais perfeita.
Empenhava-se dia por dia em avantajar-se aos outros irmãos em modéstia, humildade e obediência.
Um desejo sincero de agradar a Deus e de cumprir sua vontade lhe dirigia todas as ações.
A oração, o jejum, as vigílias e as diferentes práticas da mortificação constituíam as suas mais caras delícias.
Apesar da fadiga do dia, empregava ainda muitas horas da noite para rezar e meditar.
De todos aqueles que o cercavam, preferia particularmente os que lhe faziam notar as menores faltas.
Peçamos a Deus que nos conceda a graça de amar assim os que repreendem os nossos defeitos.
O monge desconhecido tornara-se Papa!
Lê-se ainda na vida do Papa São Pio V:
"Um pobre rapaz, ao serviço de um gentil-homem milanês, seguindo um dia o mestre a cavalo, encontrou nas vizinhanças de Toncino um monge extenuado de fadiga, carregando um saco às costas, em tempo de excessivo calor.
Dele se compadeceu e ofereceu ao religioso a garupa do cavalo.
Aquele aceitou somente colocar o fardo, e continuaram a viagem lado a lado até um ribeirão onde o pobre rapaz quis absolutamente, para completar a caridade, pagar a passagem ao barqueiro, e não restituiu o saco senão no lugar do destino.
Muitos anos haviam decorrido quando o bom servidor, para grande surpresa sua, foi chamado a Roma, a fim de ocupar um cargo honroso no palácio pontifical: o monge desconhecido tornara-se o Papa Pio V".
Uma testemunha ocular da piedade presente na Roma dos Papas
Mas a cidade de Roma se mostrava digna de tal Pontífice?
Eis o que diz uma testemunha ocular, vinda do interior da Alemanha para confirmá-lo.
É um senhor alemão, escrevendo de Roma no dia 9 de Abril de 1566, a um príncipe da mesma nação:
"Muitas vezes ouvi dizer, confesso, e li nos escritos dos inimigos de Jesus Cristo e de seu corpo místico, que é a Santa Igreja, das particularidades perversas, das quais não se pode falar sem horror, sobre a cidade de Roma.
Cheguei a ponto de crer que a piedade, a religião e toda honestidade dela estivessem banidas, enquanto a impiedade, a impudicícia e os outros vícios de todo o gênero desfilavam impunemente com a cabeça erguida.
Supliquei então a Deus que, sustentado pela sua graça, me fosse permitido visitar pessoalmente estes lugares, para reconhecer a verdade, e julgar se as coisas eram ou não tais como se dizia.
Aquele que está sempre próximo dos que O invocam dignou-se ouvir minha prece, e proporcionou-me esta oportunidade tão favorável de tudo ver pessoalmente.
Quando as coisas são diferentes, na realidade, do que parecem na boca dos ímpios que não cessam de vociferar a calúnia!
Estou certo, ilustre príncipe.
Diria, não soubesse eu que a moderação é particularmente grata a Vossa Alteza, que é a esta espécie de homens que o Profeta Isaías se referiu, quando diz, no capítulo XXVIII:
"Colocamos nossa esperança na mentira e fomos protegidos por Ele".
Com efeito, para render homenagem à verdade, por que dissimular o que os muros, as esquinas, as casas, os templos desta augusta cidade, testemunhas de tudo o que digo, falam tão gritantemente?
Devo declarar que, desde o primeiro momento de minha estada em Roma, vejo, não sem espanto e admiração, os fiéis de ambos os sexos maravilhosamente dedicados aos exercícios de piedade.
Durante toda a última quaresma, a observação do jejum era tão exata, a prece dos que se aproximavam do altar tão fervente, o zelo religioso que leva a visitar sucessivamente as diferentes igrejas da cidade tão ardente; a multidão dos que confessavam aos padres os pecados, dos quais estão vivamente contritos e que satisfazem à justiça divina tão grande, que nada acima dela se pode ver.
Mas sobretudo nesta semana que, com justa razão, chamamos santa, pois representa aos nossos olhos a Paixão de Jesus Cristo, e que todos, com empenho maior ainda do que anteriormente, se entregaram às práticas piedosas que tem eficácia de moderar nossos desejos e afastar o espírito de uma grande solicitude para as coisas terrenas.
Não, faltam-me expressões para esboçar-vos um quadro do que vi, do que ouvi dizer dos exercícios tão múltiplos de penitência e de piedade a que se dedicavam.
Dormem sobre o chão duro, praticam mortificações corporais, vigílias e oram e observam o jejum com a mais rigorosa exatidão.
Enfim, para valer-me das palavras de um Santo Padre, todos os santos artifícios da penitência foram postos em execução para neles encontrar os bens da alma....
Sim, a cidade de Roma pareceu-me, durante toda a Semana Santa, tão estranha a todas as fainas do século.
Tão aborta na contemplação de Jesus Cristo, imolando-Se sobre a Cruz como Sacerdote e Vítima, que não pude conter uma justa indignação contra os que não se pejam de desfigurar tão torpemente a cidade de Roma, nem impedir de detestar do fundo do coração a sua impiedade...
São Pio V figura com majestade e piedade
Mas quando o Vigário de Jesus Cristo, Pio V, ele próprio, na Quinta-feira Santa, dia da Última Ceia, se mostrou ao público, Deus imortal, que majestade em sua atitude e na sua continência!
A seu lado figuravam os Cardeais que mais se distinguem pela piedade e sabedoria...
Na imensa praça que se estende diante da Basílica de São Pedro, acotovelava-se a multidão mais variada, que acorreu de todos os quadrantes do globo.
Suplicante e respeitosa esta mole humana não eleva os olhos senão para venerar aquele a quem uma fé inquebrantável mostra o representante de Jesus Cristo na terra.
Impregnada de temor e emoção, escuta a sentença de excomunhão que leem em latim e em italiano, em voz suficientemente alta para ser entendida por todos os assistentes, dois Cardeais especialmente designados, entre os quais se encontra o Soberano Pontífice.
A esta terrível sentença sucede, como o troar de um trovão, o ruído do canhão dos fortes, dos palácios e do castelo de Santangelo.
Na verdade, ilustre príncipe, acreditei estar no grande dia do Senhor, dia de cólera e de catástrofe, que abalará o céu e a terra, na qual o Senhor, acompanhado de seus Anjos, virá em sua majestade julgar o mundo, enquanto os homens de todos os países e de todas as idades, reunidos diante de sua faze, esperarão a recompensa ou a condenação.
No mesmo dia, à tarde, vi uma longa fila de penitentes, andando em ordem, os quais, na contrição de seus pecados, na profunda dor de haverem eles próprios causado a Paixão, a crucificação de Jesus Cristo, serem eles próprios a vara que Lhe dilacerou o corpo e o crime que Lhe arrancou a vida, açoitavam as ilhargas com tantos golpes e de uma maneira tão lamentável que o Sangue corria até à terra.
As associações de flagelantes são muito numerosas.
Quando aportaram à Basílica de São Pedro, ofereceram à sua contemplação a lança com que Longino transpassou o lado do Salvador, e o véu que reproduz os traços sagrados do semblante de Jesus.
Tivesse eu cem línguas e cem bocas, não poderia repetir os soluços, os gritos, as preces, que emitiam em voz alta, ao prostrarem-se, tanto os flagelantes como a imensa mole que acorrera a acompanhá-los.
"Não me calarei, entrementes, e enquanto viver, para opróbrio de Satanás e para a confusão de seus ministros, atestarei de viva voz e por escrito, publicamente e em face do mundo inteiro, que vi neste tempo, as obras mais resplandecentes de piedade e de penitências".