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Plinio Corrêa de Oliveira


“Tende piedade de mim, ó Deus…”
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 09/08/2019
 
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Dr. Plinio fez uma série de palestras a respeito dos Salmos Penitenciais, que se habituara a rezar desde quando era jovem congregado mariano. Iniciamos neste número a publicação da série, apresentando aos leitores os comentários sobre o salmo 50, o Miserere.

Para saborearmos convenientemente o Salmo 50 — e a palavra saborear nada tem de exagerado, porque a Sagrada Escritura tem o santo sabor da obra do Espírito Santo — convém, antes, ter em vista alguns pontos.

Os Salmos Penitenciais exprimem uma mentalidade

O Miserere pertence ao grupo de sete salmos chamados “penitenciais”. O que é um salmo penitencial? Evidentemente, é um canto a Deus no qual o autor exprime a sua  penitência. E a penitência pressupõe que ele pecou; que, depois de ter pecado, se arrependeu; e que, uma vez vitorioso nele esse sentimento de arrependimento, ele reflete sobre a falta cometida.

Nos Salmos Penitenciais, como coisa mais importante, o Salmista considera a gravidade de seu pecado, como esse ato ofende a majestade de Deus, e salienta o mal que existe nele. Para mostrar esse sentimento, realça a divindade de Deus e, portanto, sua suprema grandeza, sua suprema dignidade, sublinhando ainda mais a torpeza da ação que cometeu e não deveria ter cometido.

Daí nasce um pedido de perdão com expressão de dor, com consideração da justiça divina, acentuando como seria Deus justo se punisse o pecado de acordo com sua gravidade.

Mas, em segundo lugar, o pecador considera também a bondade de Deus, suprema e infinita, e, ainda que transido de santo temor diante da sua justiça, pede a Ele que atenue o castigo, que aplaque em algo o rigor da pena que merece receber.

Vem então um agradecimento, pois o pecador reconhece que Deus o perdoou e restabeleceu com ele — punindo ou não — a amizade de outrora.

São esses os vários elementos da contrição perfeita, expostos numa linguagem que, sem nada ter de exagerado, exprime uma mentalidade contrária daquela de que o homem moderno gosta. Os Salmos Penitenciais são muito radicais, exprimem com grande energia o mal que há no pecado, e um arrependimento intenso, que mostra a ótima qualidade da contrição do Salmista.

Um Salmo para recitação diária

Que beleza seria que o Salmo 50 fosse rezado todos os dias nas igrejas e oratórios! Ele é muito próprio a regenerar almas maculadas pelo pecado. Analisemos o seu texto:

Tem piedade de mim, ó Deus, segundo a tua grande misericórdia.

A idéia expressa por esta frase inicial, é a do pecador falando com Deus. Trata-se, no caso,  do Rei David, que pecou e se dirige a Deus, pedindo misericórdia e perdão.

Mas ele não se limita a pedir perdão segundo a misericórdia de Deus. Ele o pede segundo a “grande misericórdia” de Deus. Como quem dá a entender que seu pecado é
tão grave que, sem uma misericórdia insigne, não pode ser perdoado. É o modo pelo qual o pecador se humilha e declara saber que só por uma bondade excepcional será perdoado.

E segundo a multidão das tuas clemências, apaga a minha iniquidade.

Que bonita expressão “a multidão das tuas clemências”! Deus é clemente e tem latentes em Si multidões de clemências. Diante do pecador contrito, ajoelhado na sua presença, Deus vê tudo quanto se passa na sua alma. E o faltoso, sabendo disso, diz a Ele:

“Não é segundo uma clemência comum, não é segundo a clemência com a qual habitualmente Vós, que sois infinitamente bom, tratais as criaturas, meu Deus, que eu
me dirijo a Vós. Eu o faço pois sei que vossas clemências — note-se o bonito da palavra ‘clemências’ no plural — hão de apagar a minha iniquidade.”

A palavra “iniquidade” — quase que por seu simples som — carrega uma nota de execração especial ao pecado cometido. No caso de David, é o pecado de adultério, sobrecarregado de pormenores muito censuráveis. O termo “iniquidade” dá a entender que o pecador reconhece ser portador de muitos pecados.

É o contraste: Deus que tem uma multidão de clemências, e o pecador que tem muitas iniquidades. As muitas iniquidades — por assim dizer — não serão absolvidas em vista só de um certo arrependimento do pecador, porque isto pareceria não bastar, não teria proporção com a ofensa feita a Deus. O perdão virá segundo a multidão das clemências d’Ele.

David parece dizer a Deus:

“Eu noto em mim um certo pesar. Mas quando considero o pesar que deveria ter e o comparo com o que tenho, meu Deus, que pesarzinho de segunda o meu! Que pesarzinho insignificante! Se não fosse a multidão de vossas clemências, a minha iniquidade não seria apagada.

A palavra “apagar” nos lembra o que faz o apagador com o que está escrito no quadro-negro. Pode este estar cheio de acusações contra o pecador, mas se alguém passar o apagador sobre tudo aquilo escrito em giz, tudo se desfaz em pó e o quadro-negro fica como antes.

Assim é também a situação do pecador. Ofendeu a Deus. Mas se Deus “passar o apagador” sobre aquilo, sua alma ficará como se ele nunca houvesse pecado.

O que o Salmista pede, propriamente, é isso, que a situação da alma dele, diante de Deus, fique como se nunca tivesse havido pecado.

Como quem diz:

“Eu sei, meu Deus, que fiz tudo isso, mas Vós tendes multidões de clemências e há algo que só Vós podeis fazer: apagar o meu pecado, com um perdão tão completo, tão radical como se eu nunca tivesse cometido essa ignomínia na vossa presença.

“Meu Deus, tomando em consideração vossa bondade, dobro os joelhos e Vos peço: aqueles dias de maldição e pecado, meu Deus, sejam arrancados do caderno de minha vida. Não sejam julgados por Vós quando eu comparecer diante de Vós como meu justo Juiz. Sejam eles incinerados, queimados pelos raios de vossa bondade, e que eu fique diante de Vós como se jamais tivesse pecado.”

O mundo se converterá, se disser a Deus o que o Salmo 50 exprime

Lava-me mais e mais da minha iniquidade, e purifica-me do meu pecado.

Lava-me mais e mais, quer dizer:

“Meu Deus, compreendo que estou tão imundo, compreendo que a ação que pratiquei é tão péssima, dói-me tanto, meu Deus, de Vos ter ofendido desta maneira, que para readquirir vossa graça, para que vosso sorriso brilhe de novo sobre mim, e eu seja novamente David, o vosso predileto — e não o vosso traidor — Vós deveis tirar a ganga asquerosa do meu pecado. Vós podeis tudo. A água que passar pelas vossas mãos, correndo sobre o meu corpo impuro e infectado, há de lavar-me, e ficarei limpo.

O Filho Pródigo – Ermitage

“É preciso, Senhor, que me deis vários perdões, que concedais várias misericórdias, para que, afinal de contas, me veja livre do meu pecado. Ele é tão horrível quanto o seria uma lepra que estivesse aderida a mim e não me largasse; mas se Vós derdes a ela uma ordem, ela fugirá e então eu ficarei lavado.”

Porque conheço a minha maldade, e o meu pecado está sempre diante de mim.

Uma bela frase na qual ele reconhece a maldade, o errado, o criminoso, da ação que praticou, de tal maneira que, durante o dia inteiro — como um fantasma — o persegue a idéia do mal que fez. O pecado está o tempo inteiro diante dele, como acusador diante do acusado.

Como se o autor do Salmo ouvisse o pecado lhe dizer:

“Tu és como eu. Tu me praticaste, e por causa disto aderi a ti, fiquei como que fazendo parte de ti. Como a lepra no corpo do leproso, assim eu, pecado, estou colado em ti. Sou o adultério, sou a falta de fidelidade à fé prometida, sou a sensualidade, o desbragamento; sou o que induz os homens a ações péssimas, como a de enviar para a morte o general Urias, esposo de Betsabé… Sou o pecado, e tu, David, és meu escravo. Eu moro em ti, eu te domino!”

Mas diz então o pecador:

“É verdade, o pecado está o dia inteiro me increpando, e tem razão. Mas, ó Deus, Vós podeis limpar-me. E no momento em que eu esteja limpo, direi ao pecado: Fui como tu, mas hoje sou teu inimigo capital. Fora!” O mundo de hoje, se pudesse ter uma voz coletiva para falar a Deus, deveria dizer o que o Salmo 50 exprime. E se o dissesse, se converteria. (Revista Dr. Plinio, Junho/2003, n. 63, p. 6 a 9).

 
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