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Plinio Corrêa de Oliveira


Santa Gertrudes e a linguagem simbólica de Deus
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 16/11/2021
 
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Santa Gertrudes, “a Grande”, mística e depositária das revelações do Sagrado Coração de Jesus na Idade Média, levou no mosteiro de Helfta uma extraordinária vida de contemplação. De seu próprio punho relatou a visão — comentada a seguir por Dr. Plinio — que teve da Apresentação do Menino Jesus no Templo, repassada de simbolismos que salientam a virtude da pureza da Mãe e do Divino Filho.

Em 16 de novembro a Igreja celebra a memória facultativa de Santa Gertrudes, uma das maiores místicas de todos os tempos, que recebeu magníficas revelações, especialmente sobre o Sagrado Coração de Jesus.

Santa Gertrudes, uma alma essencialmente contemplativa

Alguns relatos biográficos a respeito de Santa Gertrudes no-la apresentam como tendo nascido em 1256, na Turíngia (Alemanha). Ao completar 5 anos, foi confiada por seus pais ao Mosteiro de Helfta, o qual seguia a regra beneditina, e onde foi educada em todas as artes da época — letras clássicas, bordado, canto e miniatura — sob a orientação da abadessa Santa Gertrudes de Hackeborn, irmã de Santa Matilde.

Aos 25 anos, certo dia, após recitar as Completas, teve a primeira visão que transformou sua existência.

Desde aquele momento tornou-se uma alma essencialmente contemplativa, acentuando sua devoção ao Sagrado Coração de Jesus e à Eucaristia, conformando sua profunda piedade às sucessivas experiências místicas. Sua vida passou a ser um hino perene de amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Faleceu na Abadia de Helfta, em 17 de novembro de 1301 (ou 1302), e embora nunca tenha sido oficialmente canonizada, desde 1738 sua festa litúrgica tem sido comemorada em toda a Igreja. É também venerada como a padroeira das Índias Ocidentais.

O Menino Jesus e Nossa Senhora no dia da Purificação

Essa alma privilegiada, em uma de suas visões, contemplou o Menino Jesus e Nossa Senhora no dia em que Ele foi apresentado no Templo e sua Mãe cumpriu os preceitos da purificação. Escreve Santa Gertrudes:

Rendo-vos graças, ó Criador dos astros, que destes luz e esplendor às luminárias dos céus e cores variadas às flores na primavera. Vós não precisais de nenhum de nossos bens e, entretanto, para nos instruirdes, mandastes, no sumo dia da Purificação, que fôsseis vestido como criança, antes de entrardes no Templo.

Eu devia, com todo o cuidado possível, exaltar a inocência imaculada de vossa humanidade sem mancha, e ter por ela uma devoção tão fiel e desinteressada que, caso houvesse em mim a vossa pureza divina com toda a sua glória, a esta deveria renunciar de bom grado, a fim de que vossa inocência fosse mais louvada. Por esta razão, pareceu-me que estáveis revestido de um traje branco, como de um recém-nascido.

Em seguida, considerei com a mesma piedade o abismo de vossa humildade. E então vos vi revestido de uma túnica verde para significar que, no vale da humildade, a graça floresce e prospera sem jamais fenecer. 

Como admirasse a ardente caridade que vos levou a criar todas as coisas, eu vos vi ainda trajado de um manto de púrpura, a fim de compreender que a caridade é verdadeiramente este manto régio, sem o qual ninguém pode entrar no Reino dos Céus.

Depois, celebrei essas mesmas virtudes em vossa gloriosa Mãe, e Ela apareceu revestida de trajes semelhantes aos vossos. Então, se essa Virgem bendita, verdadeira rosa sem espinho, lírio branco e imaculado, é adornada de todas as virtudes, pedimos-Lhe incessantemente que interceda por nós e venha em socorro de nossa indigência.

A santidade divina refletida por símbolos

Convém notar que as visões de Santa Gertrudes, como as de outros santos, possuem caráter altamente simbólico. O Menino Jesus se lhe apresentou revestido de túnicas diversas, cada uma significando uma perfeição de sua santidade infinita. Em seguida, ela contemplou Nossa Senhora, que igualmente lhe apareceu com trajes consecutivos diferentes.

A santa estabelece uma relação entre as duas visões. Primeiramente, ela agradece a Deus por ser o Criador de toda a natureza, comunicando às estrelas e aos outros seres materiais uma imensa variedade de aspectos e  coloridos que simbolizam suas perfeições.

Essa ideia de que Deus se exprime através dos símbolos vem aplicada, a seguir, a algo de concreto, ou seja, as sucessivas túnicas usadas pelo Divino Infante e pela Santíssima Virgem. Por causa dessa reversibilidade, o pensamento de Santa Gertrudes não parece de uma fácil e imediata compreensão. Tem-se a impressão de que pende de uma coisa para outra. Porém, de fato sua reflexão é muito clara: “Deus nos fala por símbolos; a natureza é disso uma prova. Na revelação, vi coisas que me deram a entender algo a respeito do Menino Jesus e de Nossa Senhora.”

Virtudes exaltadas por Santa Gertrudes em sua visão

Diz Santa Gertrudes que o Menino Jesus foi vestido, antes de entrar no Templo, com uma túnica branca para exaltar a inocência imaculada de sua humanidade. E que ela estava disposta a renunciar, não à pureza em si mesma, mas à glória de possuir essa virtude em grau tão excelso que — guardadas as proporções — pudesse lembrar a do Infante Divino, a fim de que a inocência de Jesus fosse a mais enaltecida. Ou seja, para não existir outra que, por assim dizer, desviasse em algo as atenções da infinita candura do Filho de Maria.

Em seguida, afirma a vidente que a túnica verde representava a humildade do Verbo Encarnado, porque onde há essa virtude, a graça floresce, como as flores desabrocham nos vales.

E a túnica vermelha significa o amor de Deus, indispensável para se entrar no Céu. Santa Gertrudes viu também Nossa Senhora com trajes de cores semelhantes, para exprimir que todas as virtudes de seu Divino Filho a Ela se comunicam de um modo régio e incomparável. Assim, Ela participa da santidade do Menino Jesus.

Pedir especialmente a virtude da pureza

Dentro desse quadro, seria de particular conveniência destacarmos a virtude da pureza. De maneira mais patente que em relação a outras virtudes, a castidade se obtém com o auxílio da graça vinda do Céu. Sem um especial amparo de Deus, alcançado através dos rogos de Nossa Senhora, dificilmente o homem consegue praticar a pureza. Quem pretende conquistá-la, reconquistá-la ou conservá-la, utilizando apenas os métodos psicológicos — o que a doutrina católica chama de mortificação dos sentidos — não o logra.

A virtude da pureza é um dom sobrenatural que deve ser pedido humildemente, e assim nos será concedido. Lembremo-nos das palavras de Nosso Senhor no Evangelho: “Para quem bate, abrir-se-á” (cf. Mt 7, 7).

Logo, é uma virtude ao nosso alcance, desde que a supliquemos com confiança e determinação. E uma vez obtida, importa rogar a todo momento a perseverança  na sua prática, pois trata-se de uma virtude frágil. Sobretudo em matéria de castidade, não há homem que possa fiar-se em sua própria força. Esta consiste, antes, em reconhecer sua fraqueza.

Cônscios dessa debilidade, recomendemo-nos de modo especial à intercessão de Santa Gertrudes, para que nos consiga essa virtude descida do Céu, a qual nos torna tão parecidos com Nosso Senhor Jesus Cristo e sua divina Mãe.

(Revista Dr. Plinio, Novembro/2006, n. 104,  p. 24 a 29)
Para os dados biográficos de Santa Gertrudes, cf. Enzo Lodi, Os Santos do Calendário Romano; Sgarbossa/Giovannini, Um Santo para cada dia
 
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