Como já tivemos ocasião de observar em relação aos outros Salmos Penitenciais, também no De Profundis encontraremos uma preocupação com a beleza poética do texto que não o abandona um só instante. Não de uma poesia trivial, mas imbuída de algo encantador.
A contrição fez nascer a alegria
Podemos imaginar cidades daquele tempo pastoril, a maior parte delas pequenas, dominadas pela vida bucólica que as circundava, nas quais os habitantes se sentiam no campo.
Fez-se noite. Enquanto quase todos dormiam, um pecador arrependido de suas quedas chorava, elevando ao Céu sua prece entre lágrimas, implorando a misericórdia divina.
Quando os primeiros raios do sol tingem o horizonte e a claridade da manhã principia a entrar pelas frestas da porta e da janela, o pranto dele toma certa nota de alegria.
Poder-se-ia dizer que, assim como a noite gerou o dia, a contrição fez nascer a felicidade e trouxe o perdão. “Confiai na misericórdia e sereis atendidos”.
Afirma a seguir o salmista: “Desde a vigília da manhã até a noite, espere Israel no Senhor”.
Desde o despertar até a hora de dormir – em que a luta pela vida de certa forma se interrompe, os olhos se fecham e o sono toma conta do homem – deve ele esperar em Deus, mesmo sobrevindo as coisas mais indesejáveis.
Pode até cair sobre um justo a série de infortúnios desencadeados pelo demônio contra Jó, fazendo com que todo o edifício de sua grandeza e felicidade terrena desabe em cima dele.
Segundo o texto sagrado (cf. Jó 2, 9), ele só não perdeu a esposa, que o acompanhou para criticá-lo na miséria.
Leproso, Jó sentou-se num monturo de cacos, transformado na cátedra de sua dor. Ainda assim, confiou e esperou no Senhor.
Insisto na preocupação do salmista de exprimir com pulcritude seus pensamentos, a fim de nos fazer sentir melhor o sabor da realidade.
Infelizmente, a vida moderna não favorece muito o hábito de nos determos a considerar essas belezas e com elas nos deleitarmos. Como essa é uma atitude equivocada!
Se Deus realizou tantas coisas magníficas e sublimes, é seu desejo que nos aquietemos para nelas meditar e refletir.
Então, o salmista, como homem que teve a experiência da misericórdia de Deus, oferece este conselho: “Vejam como eu não merecia o perdão, mas chorei, pranteei e o obtive. Vós todos que andais pelo caminho, confiai na clemência divina desde a manhã até à noite, e também a alcançareis!” É o sentido deste Salmo.
Abundância do perdão divino
“Porque no Senhor está a misericórdia, e há n’Ele copiosa redenção”.
A primeira frase desse versículo – “no Senhor está a misericórdia” –, pode parecer um tanto vaga, porém encerra profundo sentido.
Na verdade, a misericórdia existente no mundo é um desdobramento e um efeito do amor do Altíssimo para com os homens. Porque Ele é misericordioso, há homens misericordiosos sobre a Terra.
E as pessoas concebidas no pecado original, esquecendo-se de Deus, podem se tornar hostis umas em relação às outras.
Assim, quanto mais uma sociedade tende para o ateísmo, mais se transforma num conjunto de animais selvagens.
“…e há n’Ele copiosa redenção”. Isto é, o Deus Filho, encarnado, sofreu e morreu por nós, como nosso Redentor. Os méritos infinitos de seu Sacrifício obtiveram do Pai Eterno o perdão de nossas culpas.
Então, por sua misericórdia, Ele limpa os pecados dos homens, e o faz copiosamente, com abundância e largueza.
“E Ele mesmo redimirá Israel de todas as suas iniquidades”.
Meditando nessas palavras finais do Salmo, é difícil não pensar, uma vez mais, em Nosso Senhor Jesus Cristo como Salvador do mundo.
Nesse sentido, revestem-se elas de um caráter profético, pois não apenas uma nação – no caso, Israel –, nem estes ou aqueles indivíduos, mas a humanidade inteira necessitou de redenção.
E o Redentor veio, gerado pelo Espírito Santo no seio puríssimo de Maria, padeceu e Se imolou por nós, abrindo novamente para os homens as portas do Céu.
Pode-se dizer que Jesus verteu torrentes de Sangue; ou seja, o Sangue por Ele derramado era, de certo modo, dor liquefeita, sofrimentos indizíveis, amargados de todas as formas possíveis. Porém, a Redenção operada por Ele é também copiosa, jorra aos borbotões.
Clemência paradigmática: a conversão do Bom Ladrão
Uma das mais tocantes provas dessa misericórdia infinita deu-se no último lance da Paixão, quando Ele, parecendo derrotado, ergueu um louro de vitória: a conversão de Dimas.
Três estavam crucificados no alto do Calvário: o Santo dos Santos, o Bom Ladrão e o mau.
Este último, facínora como era, sentindo que sua vida terminava, inconformado blasfemava contra Nosso Senhor. O outro, ao ver Jesus pregado no Madeiro, deixou-se tocar pela santidade do Verbo Encarnado.
Dimas compreendeu que sua vida criminosa o tornava merecedor da punição recebida.
Porém, havendo em Cristo “copiosa redenção”, sentiu a ação da graça sobre ele, infundindo-lhe a esperança de receber o perdão daquele Homem, não só extraordinário, mas superior a toda cogitação.
Quiçá, antes de morrer, o Bom Ladrão pensou: “Ele não é um simples ser humano, mas é o Homem-Deus”.
Abraçou, então, a fé que, por assim dizer, emanava de Jesus Crucificado, cuja clemência é abundante, e deve ter dito ao Salvador que O reconhecia e O adorava como Deus.
E se Dimas não o declarou com palavras, explicitou essa verdade no seu coração, e Nosso Senhor, sem dúvida, conheceu os desejos e intenções dele.
Por isso, Jesus lhe fez uma promessa que era a confirmação de tudo quanto ele sentia no seu íntimo: “Hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Ou seja, o Redentor Divino perdoou todos os pecados do Bom Ladrão e, pouco depois, levava a alma dele para o Céu.
Cabe considerar que, enquanto não se operou a Redenção pela morte de Jesus, nenhum homem entrou na bem-aventurança eterna. Nem mesmo São José, pai adotivo de Nosso Senhor, esposo legítimo de Maria Santíssima.
E a esse ladrão, ex-miserável, gloriosamente redimido, o Salvador afirmou: “Hoje estarás comigo no Paraíso”.
As almas de incontáveis justos presumivelmente esperavam há dezenas, centenas e milhares de anos que o Messias morresse por elas na Cruz e lhes franqueasse os umbrais do Céu.
Ora, pouco antes do “Consummatum est”, Nosso Senhor quis manifestar esse prodígio: tomou um bandido, transformou-o em santo e proclamou sua santidade ante os homens, dizendo-lhe: “Venha comigo!”
A conversão do Bom Ladrão se insere, pois, nos fatos que estes versículos finais do Salmo 129, tocantes e proféticos, nos fazem entrever.