Meditação do segundo Mistério Doloroso
Vamos iniciar a meditação reparadora do primeiro sábado, que nos foi indicada por Nossa Senhora, quando apareceu em Fátima no ano de 1917. Pedia Ela que comungássemos, rezássemos um terço, fizéssemos meditação dos mistérios do Rosário e confessássemos em reparação ao seu Sapiencial e Imaculado Coração. Ela prometia graças especiais de salvação eterna, para os que praticassem esta devoção.
Compete-nos hoje, meditarmos sobre o segundo mistério doloroso: A flagelação de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Mons. João S. Clá Dias, EP
Oração Inicial
Oh! Sapiencial e Imaculado Coração de Maria que tão pleno estais de graças e que atendeis, de forma tão maternal, a todos aqueles que recorrem a Vós. Ao iniciarmos esta meditação, pedimo-Vos ó Mãe, que intercedais por nós, junto a Jesus atado a uma coluna, no momento em que Ele está sofrendo dores físicas por nossos pecados e pedimos que Vós vos aproximeis Dele, obtenhais para nós, graças eficazes, superabundantes, e profundas, para podermos compreender o quanto estamos, nesta vida, postos na via do sofrimento e da dor, e termos com isso a resignação que Ele teve ao sofrer.
Que conheçamos a fundo a maneira completamente pecaminosa com que Ele foi julgado e flagelado, e façamos assim uma aproximação com a nossa vida e compreendamos o quanto nós também participamos dessa flagelação, quando não correspondemos inteiramente à prática da virtude. Obtende-nos de Vosso Divino Filho flagelado, essa graça especialíssima de compreendermos a gravidade de nossos pecados e o quanto eles contribuem para os sofrimentos de Jesus nesse passo da Paixão.
Composição de lugar
Vamos fixar nossa imaginação em Nosso Senhor preso, vestido ora de branco, ora de vermelho: túnicas de escárnio, de irrisão, túnicas de deboche. A zombaria foi por causa da roupa com que Ele foi vestido nesse passo da Paixão.
Levaram, pois, Jesus da casa de Caifás ao Pretório. E era de manhã; e eles não entraram no Pretório, para não se contaminarem, a fim de comerem a Páscoa. Pilatos, pois, saiu fora para lhes falar e disse: Que acusação apresentais contra este homem? Responderam e disseram-lhe: Se este não fosse um malfeitor, não entregaríamos em tuas mãos. Pilatos disse-lhes então:Tomai-o vós, e julgai-o segundo a vossa lei. Mas os judeus disseram-lhe: A nós não é permitido matar ninguém. Para se cumprir a palavra que Jesus dissera, significando de que morte havia de morrer. Tornou, pois, Pilatos a entrar no Pretório, e chamou Jesus; e disse-lhe: Tu és o rei dos Judeus? Respondeu Jesus: Tu dizes isso de ti mesmo, ou foram outros que to disseram de mim? Respondeu Pilatos: Porventura sou eu Judeu? A tua nação e os pontífices são os que te entregaram em minhas mãos. Que fizestes tu? Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se meu reino fosse desse mundo, certamente os meus ministros se haviam de esforçar, para que eu não fosse entregue aos Judeus; mas o meu reino não é daqui. Disse-lhe então Pilatos: Logo tu és rei? Respondeu Jesus: Tu o dizes, sou rei. Nasci, e vim ao mundo para dar testemunho da verdade; todo que está pela verdade ouve a minha voz. Disse-lhe Pilatos: Que coisa é a verdade? E, dito isso, tornou a sair, para ir ter com os judeus, e disse-lhes: Não encontro nele crime algum. Ora é costume que eu, pela Páscoa, vos solte um prisioneiro; quereis, pois, que eu vos solte o rei dos Judeus? Então gritaram todos novamente, dizendo: Não este, mas Barrabás. Ora Barrabás era um ladrão.
Pilatos, pois, tomou Jesus , e mandou-o açoitar. E os soldados, tecendo uma corda de espinhos, puseram-lha sobre a cabeça; e revestiram-no com um manto de púrpura. Depois aproximavam-se dele, e diziam-lhe: Deus te salve, rei dos Judeus; e davam-lhe bofetadas. (Jo. 18, 28-40 0 / 19, 1-3) .
I. Jesus: sublime exemplo de submissão
Levaram Jesus diante de Pilatos. Um verdadeiro paradoxo: Ele o Criador daquele governador que está diante de Si, entretanto, está ali para ser julgado. Um simples ato de vontade Dele seria suficiente para que Pilatos voltasse ao nada com todos aqueles que o condenavam. Nosso Senhor, onipotente, entretanto, submetia-se. Quantas vezes, em nossa vida, somos chamados a uma atitude de obediência: é na vida conjugal, a esposa em relação ao esposo, às vezes são atitudes que o marido toma e que são incompreensíveis; claro está que nunca deve-se obedecer ao que for pecado, antes a morte que o pecado. Mas às vezes são questões secundárias, em que o marido exige isso ou aquilo e a esposa recalcitra e não toma a atitude que tomou Nosso Senhor, submetendo-se inteiramente. Por vezes, ocorre o contrário, é o marido que não se harmoniza com a esposa. Quantos problemas dentro do lar por falta de uma atitude interior de virtude!
Isso se repetirá dentro da vida comunitária, em uma associação religiosa onde a obediência e a disciplina são indispensáveis.
Aí está, o que está se fazendo com Jesus: é um absurdo! Ele no entanto, silencioso, obedece e vai para um lado e para o outro.
¨...os Judeus não entraram no Pretório para não se contaminarem...¨ É uma hipocrisia não querer entrar no Pretório para não se contaminarem, eles já estavam contaminados, pois estavam associados àquele ato que ia ser praticado. Quantas vezes aparentamos obedecer à lei de Deus - sim, eu já fui à missa, já cumprí o preceito, cumprí o mandamento - mas depois eu minto sem nenhum escrúpulo, e se não tomar cuidado, roubo, se não me vigiar, peco por olhares, desejos e etc. Se tomar essa atitude, estou fazendo como os fariseus, que não queriam se contaminar entrando no Pretório... Portanto, não é obedecendo somente uma parte da Lei de Deus que posso ficar tranqüilo, julgando que não preciso fazer mais nada. Hipocrisia. Será que nesta altura de minha meditação não encontro em mim alguma hipocrisia, julgando que basta cumprir tal ponto ou tal outro ponto da Lei, que com isso já estou salvo? E o conjunto dos mandamentos para mim não tem interesse?
¨...Pilatos, pois, saiu fora para lhes falar e disse: Que acusação apresentais contra este homem? responderam e disseram-lhe: Se este não fosse um malfeitor, não entregaríamos em tuas mãos (...) Não encontro nele crime algum...¨
Acusam a Jesus, mas não dizem quais as razões pela qual arrastam o Criador do Universo para ser martirizado; apenas intimidam Pilatos e lançam a responsabilidade sobre ele: ¨se este não fosse um malfeitor, não entregaríamos em tuas mãos...¨ A pergunta não foi esta, mas sim, qual a acusação que fazem. E Pilatos não querendo ficar com a responsabilidade, lança para os outros: ¨julgai-o segundo a vossa lei¨. É assim também com a nossa natureza concebida no pecado original, assim são nossas reações em face da prática da virtude, assim são nossas reações quando temos diante de nós o convite para o pecado que nos arrasta, mas que a Lei de Deus adverte: Não é permitido pecar contra a castidade, evite olhar tal cartaz imoral, evite ver tal filme inconveniente, de usar tal moda indecente.
O homem é um monumento de lógica; não há nada na ordem da criação que tenha mais lógica do que o homem, e este portanto, não consegue praticar o mal pelo mal e sempre que o faz, ele ra-ci-o-na-li-za. Quer dizer, ele cria uma razão para poder pecar, cria um princípio para justificar o erro que se vai cometer. O homem, sempre que vai fazer algo de errado, de mal ou de feio, cria uma razão.
Temos então, uns que entregam a Nosso Senhor dizendo: ¨se não fosse um malfeitor, não o teríamos trazido. O outro que é juiz e que com uma só palavra teria resolvido tudo, diz: A lei é de vocês... Aí começa a polêmica de raciocínio, uns querem que Jesus seja morto, mas não querem ter a culpa. Por outro lado, Pilatos não quer condenar porque não vê elementos para tal, mas, como tem medo de perder o cargo, não diz: Eu o absolvo, e sim: Julguem vocês. Aqui está o exemplo típico de pecar com razão.
É muito característico este encontrar uma razão para pecar: primeiro vem a inclinação, a tendência, em seguida sou convidado a ofender a Deus violando um de seus Mandamentos. Mas antes mesmo de eu pecar , eu crio um raciocínio, uma justificação. É por isso que, muitas vezes, as pessoas se ajoelham no confessionário e acusam muito mais as atenuantes (as razões pelas quais foram levadas a pecar) do que propriamente a sua maldade, porque é muito difícil ao homem reconhecer a sua maldade. Então se põe de joelhos e diz: padre, acontece que eu tinha tais e tais razões e por causa disso, aconteceram tais coisas... Na realidade, isso não é uma confissão bem feita. Essa é atitude daqueles que estão diante de Pilatos, dando as razões pelas quais Jesus devia ser morto, quando na realidade, a causa de quererem matá-Lo era bem outra. Nós também, muitas vezes, em nossa racionalização participamos do pecado de condenar Jesus à morte, ou seja, do ato mais criminoso que pode haver: o deicídio, e isso sempre ocorre quando procuramos as razões para justificar os nossos pecados.
Oh! Mãe Santíssima, Vós que sois a integridade da verdade, na Vossa devoção a Jesus íntegro por substância, Vós que participastes, portanto, desta retidão absoluta, que é Vosso Divino Filho, Vós que tendes os reflexos mais puros desta retidão, que nunca permitistes que em Vossa alma penetrasse um só pensamento, um só ato que viesse a justificar qualquer erro em qualquer lugar. Entregastes à verdade com plena retidão, amastes o belo e rejeitastes o feio com total força de alma, e por isso nós Vos pedimos, ó Mãe, neste passo da Paixão de Jesus: fazei enraizar no mais fundo de nossas almas, essa rejeição. Implantai em nossos corações esta honestidade de consciência, pela qual, cometendo uma falta não colocar as atenuantes. Quando nossa fraqueza nos levar a cometer uma falta, que reconheçamos logo, ó Mãe, a nossa miséria e que saibamos pedir perdão com sinceridade e humildade.
II. A desonestidade de Pilatos
...Tornou, pois, Pilatos a entrar no Pretório, e chamou Jesus; e disse-lhe: Tu és o rei dos Judeus? Está ali um homem amarrado, vestido com uma túnica de escárnio; por que perguntar se é o rei dos judeus? Ele de fato tinha o direito de perguntar, pois era o governador, mas então onde está o erro? Pois bem, ele não pergunta para julgar, e sim para satisfazer o seu amor próprio, Pilatos tem medo de perder o trono, tem receio de estar agindo com alguém que possa a vir ter poder sobre ele. Aí está o motivo que o levou a fazer esta pergunta. Devo perguntar-me neste trecho do diálogo entre Jesus e Pilatos, quantas vezes não me porto em face da religião, em face dos princípios da lei de Deus com temor de perder algo, e portando, amando-me mais a mim mesmo do que a Deus?
Respondeu Jesus: Tu dizes isso de ti mesmo, ou foram outros que to disseram de mim?...
Quer dizer: Juiz onde está a sua completa honestidade? Onde está a sua retidão?
Respondeu Pilatos: Porventura sou eu Judeu? A tua nação e os pontífices são os que te entregaram em minhas mãos. Que fizestes tu?
Ele tinha direito de fazer esta pergunta, pois estava julgando. Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se meu reino fosse desse mundo, certamente que os meus ministros se haviam de esforçar, para que eu não fosse entregue aos Judeus; mas o meu reino não é daqui. Disse-lhe então Pilatos: Logo tu és rei? Respondeu Jesus: Tu o dizes, sou rei. Nasci, e vim ao mundo para dar testemunho da verdade; todo que está pela verdade ouve a minha voz.
Nosso Senhor dizia isso olhando para Pilatos, e ao mesmo tempo em que dizia estas palavras, tinha conhecimento desde de toda a eternidade das reações temperamentais dele. E Nosso Senhor mostrava-lhe que veio para dar testemunho da verdade. Todos nós sabemos o que é a verdade, pois, assim como uma formiga não come plástico, um colibri não vai procurar açúcar numa flor de tecido que não tenha dentro de si pelo menos um pouco de açúcar, também um cão não morde um osso de plástico; assim o ser humano, nasce com o instinto da verdade, do bem, do belo. Sabemos o que é a verdade, o bem e o belo, sabemos quando devemos rejeitar o mal, o erro e o feio. Temos um instinto que é inerrante até o memento em que se dá o pecado, e a partir disso podemos a qualquer hora cair no erro, aceitar o mal ou o feio. Nós sabemos perfeitamente o que é o pecado e quando o cometemos...
Disse-lhe Pilatos: Que coisa é a verdade? E, dito isso, tornou a sair, para ir ter com os judeus, e disse-lhes: Não encontro nele crime algum.
Será que amo o bem, o belo e a verdade, a ponto de não querer mais pecar? Ou muitas vezes peco e invento raciocínios, justificativas, para que meu pecado fique incólume diante de Deus?
Oração: Oh! Minha Mãe, tendo contemplado este diálogo entre Jesus e Pilatos, peço-Vos novamente esta retidão de alma a ponto de reconhecer meus erros e faltas, compreendendo a fundo o quanto o instinto da verdade, do belo, do bom foram postos em minha alma no momento da criação. Rogo-Vos, minha Mãe, a graça de ser forte contra o mal, forte contra o erro, forte contra o feio, porque quando me deixo arrastar pelas mentiras do demônio, lá se vão minhas virtudes e meu estado de graça.
III. O Divino exemplo de castidade
Por que foi Nosso Senhor flagelado? Nosso Senhor foi flagelado entre outras razões, porque Ele quis se deixar flagelar pelas nossas faltas, por nossos pecados. Sofreu todos esses tormentos em sua carne divina, carne puríssima, carne que merece o nosso culto de adoração, e que foi sobretudo dilacerada pelos flagelos, por causa dos pecados de impureza que se cometeriam em todo a História.
Deus nos deu uma lei: "não pecaras contra a castidade; não desejaras a mulher do próximo", é o sexto e o nono mandamentos. Nossos instintos desordenados nos levariam a não obedecer a esses mandamentos, pois não temos forças humanas para isso, mas, como para Deus nada é impossível... e tendo isso em vista, vamos pedir a Nossa Senhora graças para sermos fortes contra o pecado de impureza. Quão pouco se fala disso hoje em dia: São as modas e os costumes impuros que vão invadindo o nosso meio e com isso a humanidade vai sendo tomada e consumida por este pecado que foi a causa da flagelação de Jesus.
Oração Final
Oh! Mãe puríssima e virginalíssima, Vós que sois virgem antes, durante e depois do parto - porque Deus em sua infinita sabedoria queria deixar em Vós o selo do amor que Ele tem pela castidade - nós Vos rogamos de dentro desse mundo tão pecador, que nos deis um coração puro, um espírito renovado, e, se for possível, arrancai de nosso peito esse coração que levamos e introduzi o Vosso Sapiencial e Imaculado Coração, e sejamos assim angélicos como Vós, na prática da virtude da pureza.
Assim seja
OBS: Homilia adaptada à linguagem escrita, publicada sem conhecimento e/ou revisão do autor.
Mons. João S. Clá Dias, EP (www.joaocladias.org.br)