Ninguém pode negar o fundamental papel da família para o florescimento dos chamados ao sacerdócio e à vida religiosa, nem o fato de uma das principais causas da atual crise de vocações ser o escasso número de casais que rezam junto com seus filhos, ensinam-lhes o papel da Religião nas suas vidas e os convidam com o próprio exemplo a praticar os Mandamentos.

Nas famílias onde o pai e a mãe, embora se dizendo cristãos, vivem como se Deus um fosse um ente “con il quale o senza il quale, il mondo va tale quale”1 não surgem vocações religiosas.

Ou, pior ainda, nascem e começam a desabrochar, mas logo murcham por faltar-lhes as condições para se tornarem o belo fruto que estavam chamadas a ser.

Assim, mais do que em qualquer outra era histórica, a Igreja tem ­urgente necessidade de famílias como a de Macrina, a Maior, para vencer a grave crise pela qual atravessa.

Uma família de Santos, já nos primórdios da Igreja

Nasceu Macrina em finais do século III em Neocesareia do Ponto (atual Niksar, Turquia), cidade populosa e próspera, na qual imperavam a idolatria e os vícios característicos do paganismo. Entretanto, pairavam também sobre essa cidade misericordiosos desígnios de Deus, que para lá enviou São Gregório, o Taumaturgo, um verdadeiro pastor.

Durante cerca de duas décadas, Gregório pregou o nome de Jesus Cristo, com tão excelente resultado que nas vésperas de sua morte, informado de que viviam na cidade apenas quatorze pagãos, conta-se que elevou aos Céus este brado de gratidão: “Demos graças a Deus! Quando aqui cheguei, não havia mais de dezessete cristãos!”

Macrina tornou-se enlevada discípula dele, e deu a seu filho Basílio sólida formação fundada nos ensinamentos e no exemplo recebidos do Santo Prelado.

Basílio desposou uma jovem tão virtuosa quanto ele e ambos mereceram, por sua edificante vida, serem venerados como São Basílio o Velho, e Santa Emélia.

Concedeu-lhes o Senhor dez filhos, quatro dos quais a Igreja elevou à honra dos altares: São Basílio Magno, São Gregório de Nissa, São Pedro de Sebaste e Santa Macrina, a Menor.

Bastava olhar para Macrina e seguir seu exemplo

Muito se conhece a respeito dos três varões, sobretudo de São Basílio Magno. De Santa Macrina, a Menor, pouco se comenta; entretanto, foi ela o mais possante instrumento usado por Deus na obra de santificação dessa abençoada família.

Basílio, seu pai, era homem de apreciável fortuna e notável prestígio; sua mãe, Emélia, esmerou-se em dar-lhe uma boa formação cultural e, sobretudo, religiosa.

Não lhe faltavam pretendentes para um brilhante casamento, mas aos doze anos ela tomou seu rumo na vida: seria esposa de ­Jesus Cristo.

Após o falecimento de seu pai, secundou sua mãe na educação das irmãs e irmãos mais novos, e, quando estes já não precisavam de seus cuidados, estabeleceu-se numa propriedade da família, com um grupo de mulheres desejosas de levar vida de perfeição.

Seu dia a dia regia-se pela estrita observância de uma “regra” que não precisava ser escrita, pois se compunha de um só artigo: amar a Deus sobre todas as coisas.

Como cumpri-la? Muito simples: bastava olhar para Macrina e imitar seu exemplo; ela era a regra viva. Tão irresistível era a força de atração da santidade desta jovem que sua própria mãe decidiu unir-se a elas na vida de recolhimento, contemplação e orações.

É nas famílias católicas que brotam as vocações

Da contemplação nasce o desejo de atrair almas para Deus.

Como boa mestra de seus irmãos crianças e adolescentes, Macrina ensinou-os a desprezar o mundo, fugir das riquezas, amar a oração e a Palavra de Deus. E não deixou de acompanhá-los com vigilante olhar quando já eram adultos.

A este respeito, deixou-nos São Gregório de Nissa valioso testemunho: vendo como seu irmão, o futuro São Basílio Magno, parecia hesitar entre uma brilhante carreira e o serviço de Deus,

Macrina o guiou com tal rapidez ao objeto da verdadeira Filosofia, que ele, desviando-se daquela que o mundo adora, renunciou à glória da eloquência para consagrar-se inteiramente a uma vida de pobreza e trabalho.2

Tal é o poder de persuadir e influenciar de uma alma que verdadeiramente ama a Deus: em determinado momento, a vocação de São Basílio Magno, luminar da Santa Igreja, dependeu da intervenção de uma humilde virgem!

Modelo ainda válido para os nossos dias?

Famílias exemplarmente católicas houve várias ao longo da História da Igreja. Basta lembrar Santa Teresinha do Menino Jesus, cujos pais foram recentemente canonizados.

Deram-se também casos como o de São Bernardo de Claraval, que aos vinte anos de idade renunciou a uma promissora carreira e arrastou consigo para o mosteiro seu próprio pai, todos os seus irmãos e numerosos amigos.

Mas, será que esses exemplos continuam válidos nos nossos dias?

A julgar pelo que vemos em grande número de casais que se dizem cristãos, a resposta deveria ser negativa.

Mas percorrendo os pátios e os vastos salões nos quais se desenvolveu o XIV Congresso Internacional de Cooperadores dos Arautos do Evangelho, realizado nos dias 27, 28 e 29 de julho deste ano, percebe-se um panorama muito diverso.

Entre os mais de mil e duzentos participantes desse evento encontrava-se uma senhora já viúva, mãe de três filhos sacerdotes arautos e de uma filha religiosa, com votos perpétuos.

Noutro canto, um casal que não hesitou em dar à Santa Igreja os seus seis filhos: dois sacerdotes arautos e quatro religiosas, também já com votos perpétuos.

Mais além, numa animada roda de conversa, a mãe de dois sacerdotes arautos descobre que sua interlocutora é mãe de uma religiosa e um presbítero…

Sem falar no grande número de casais cujos filhos se preparam para o sacerdócio ou cujas filhas não almejam senão pronunciar o quanto antes os votos perpétuos.

Aí está a solução do problema. Quando os membros de uma família procuram ser verdadeiramente católicos, surgem e crescem no seu seio as vocações sacerdotais e religiosas com a mesma naturalidade com que nas boas árvores brotam belas flores e bons frutos.

Aspectos do XIV Congresso Internacional dos Cooperadores dos Arautos do Evangelho, realizado em Caieiras (SP), de 27 a 29/8/2018

 


1 “Com o qual ou sem o qual, o mundo vai tal e qual”.
2 SÃO GREGÓRIO DE NISSA, apud ANGELI, Antonio. Basilio di Cesarea. Milano: Àncora, 1968, p. 31-32.