Não pude preparar um verdadeiro discurso; mas, em vista de cada um dos grandes e complexos problemas que trataremos, gostaria de fazer só algumas “primeiras tentativas”, que não pretendem representar afirmações definitivas, mas desejam apenas iniciar o diálogo.

Este é um encontro entre os Bispos suíços e os vários organismos da Cúria, nos quais se tornam visíveis e estão representados os diversos setores da nossa tarefa pastoral. Sobre alguns deles gostaria de oferecer alguns comentários.

Prioridade da fé

Em sintonia com meu passado, começo pela Congregação para a Doutrina da Fé, ou melhor, pelo tema da fé. Já na homilia procurei dizer que, em todas as labutas do nosso tempo, a fé deve ter deveras a prioridade.

Há duas gerações, talvez ela ainda pudesse ser pressuposta como uma coisa natural: crescia-se na fé; de certa forma, ela estava simplesmente presente como uma parte da vida e não tinha de ser procurada de modo particular.

Precisava ser plasmada e aprofundada, mas era vista como uma coisa óbvia.

Hoje parece ser natural o contrário, isto é, que no fundo não é possível crer, que de fato Deus está ausente. Em qualquer caso, a fé da Igreja parece ser uma coisa do passado longínquo.

Assim, até cristãos ativos têm a ideia de que convém escolher para si, do conjunto da fé da Igreja, as coisas que ainda se consideram sustentáveis hoje.

E, sobretudo, ativamo-nos para cumprir através do compromisso pelos homens, por assim dizer, simultaneamente também o próprio dever em relação a Deus.

Mas isso é o início de uma espécie de “justificação mediante as obras”: o homem justifica-se a si mesmo e ao mundo no qual desempenha aquilo que parece claramente necessário, mas falta a luz interior e a alma de tudo.

Por isso, penso ser importante conscientizar-se de novo do fato de que a fé é o centro de tudo: Fides tua te salvum fecit, diz o Senhor, repetidas vezes, àqueles que curou.

Não é o contato físico, não é o gesto exterior que decide, mas o fato de que aqueles doentes acreditaram. E nós também só podemos servir o Senhor de modo vivaz se a fé se torna forte e se faz presente na sua abundância.

Gostaria de ressaltar neste contexto dois aspectos fundamentais.

Primeiro: a fé é, sobretudo, fé em Deus. No Cristianismo, não se trata de um enorme fardo de coisas diferentes, mas tudo quanto o Credo diz e o desenvolvimento da fé realizou existe unicamente para tornar mais claro à nossa vista o rosto de Deus.

Ele existe e vive; n’Ele cremos; diante d’Ele, na sua perspectiva, no ser-com-Ele e por Ele é que vivemos. E em Jesus Cristo Ele está, de certa forma, corporalmente conosco.

Na minha opinião, essa centralidade de Deus deve sobressair de maneira completamente nova em todo o nosso pensar e agir. É isto que anima também as atividades que, caso contrário, podem facilmente declinar em ativismo e tornarem-se vazias.

É este o primeiro aspecto que pretendo evidenciar: na realidade, a fé olha decisivamente para Deus, e assim estimula-nos também a nós a olhar para Deus e a pôr-nos em movimento rumo a Ele.

Crer juntamente com a Igreja

O outro aspecto é que não podemos, nós mesmos, inventar a fé, compondo-a de pedaços “sustentáveis”, mas cremos juntamente com a Igreja. Não podemos compreender tudo quanto a Igreja ensina, nem tudo pode estar presente em cada vida.

Mas é importante que sejamos co-crentes no grande Eu da Igreja, no seu Nós vivente, encontrando-nos assim na grande comunidade da fé, naquele grande sujeito no qual o Tu de Deus e o Eu do homem verdadeiramente se encontram.

No qual o passado das palavras da Escritura se torna presente, os tempos se penetram reciprocamente, o passado é presente e, abrindo-se para o futuro, deixa entrar no tempo o esplendor da eternidade, do Eterno.

Esta forma completa da fé, expressa no Credo – uma fé em e com a Igreja como sujeito vivente no qual o Senhor age –, esta é a forma de fé que deveríamos procurar pôr deveras no centro das nossas atividades.

Vemo-lo também hoje de maneira muito clara: o desenvolvimento, onde foi promovido de maneira exclusiva sem alimentar a alma, causa danos.

O progresso desvinculado da fé: uma força de destruição

Então, as capacidades técnicas crescem, sem dúvida, mas, sobretudo, originam novas possibilidades de destruição.

Se, junto com a ajuda em favor dos países em vias de desenvolvimento, junto com a aprendizagem de tudo quanto o homem é capaz de fazer, de tudo quanto sua inteligência inventou e sua vontade torna possível, não for também iluminada sua alma e se não chegar a força de Deus, aprende-se, sobretudo, a destruir.

Por isso, penso que se deve de novo tornar forte em nós a responsabilidade missionária: se temos alegria pela nossa fé, sentimo-nos obrigados a falar dela aos outros. Fica depois nas mãos de Deus a medida em que os homens poderão aceitá-la.

Renovar a catequese

Deste tema, quero agora passar à “Educação Católica”, tratando de dois setores. Uma coisa que, penso, a todos nós causa uma “preocupação”, no sentido positivo da palavra, é o fato de que deve ser boa a formação teológica dos futuros sacerdotes e dos outros professores e anunciadores da fé.

Portanto, temos necessidade de boas faculdades teológicas, de bons seminários maiores e de adequados professores de teologia que comuniquem não só conhecimentos, mas formem para uma fé inteligente, de modo que fé se torne inteligência e inteligência se torne fé. […]

Outro aspecto é a catequese, que nos últimos cinquenta anos, por um lado, fez grandes progressos metodológicos, mas, por outro, perdeu-se muito na antropologia e na busca de pontos de referência, de modo que com frequência nem sequer se alcançam os conteúdos da fé.

Posso compreender isto: inclusive na época em que eu era vice-pároco – portanto, há 56 anos já era muito difícil anunciar a fé na escola pluralista, com muitos pais e crianças não-crentes, porque ela era vista como um mundo totalmente afastado e irreal. Hoje, naturalmente, a situação piorou.

Contudo, é importante que na catequese – a qual inclui os ambientes da escola, da paróquia, da comunidade, etc. – a fé continue a ser plenamente valorizada.

Isto é, que as crianças aprendam de fato o que é “criação”, o que é “história da salvação” realizada por Deus, quem é Jesus Cristo, o que são os Sacramentos, qual é o objeto de nossa esperança...

Penso que todos nós devemos, como sempre, comprometer-nos ao máximo em uma renovação da catequese, na qual seja fundamental a coragem de testemunhar a própria fé e encontrar modos para ela ser compreendida e aceita. Pois hoje a ignorância religiosa alcançou um nível assustador.

Entretanto, na Alemanha as crianças têm pelo menos dez anos de catequese; portanto, no fundo, deveriam saber muitas coisas.

Por isso devemos sem dúvida refletir seriamente sobre nossas possibilidades de encontrar caminhos para comunicar os conhecimentos, mesmo de forma simples, para que a cultura da fé esteja presente.

Beleza do sacerdócio

E agora algumas observações sobre o “Culto divino”. O Ano Eucarístico muito nos deu a este respeito. Posso dizer que a exortação pós-sinodal chegou a bom ponto.

Será certamente um enriquecimento. Além disso, temos o documento da Congregação para o Culto Divino sobre a correta celebração da Eucaristia, o que é muito importante.

Penso que depois de tudo isto, aos poucos se torna claro que a Liturgia não é uma “automanifestação” da comunidade que, como se diz, nela entra em cena, mas, pelo contrário, é o sair do simples “ser ela mesma” e aceder ao grande banquete dos pobres, ingressar na grande comunidade vivente, na qual o próprio Deus nos alimenta.

Este caráter universal da Liturgia deve entrar de novo na consciência de todos.

Na Eucaristia recebemos uma coisa que não podemos fazer, mas entramos em algo maior que se torna nosso, precisamente quando nos entregamos a essa coisa maior, procurando celebrar a Liturgia verdadeiramente como Liturgia da Igreja.

Com isso está relacionado também o famoso problema da homilia.

Sob o ponto de vista meramente funcional, posso compreendê-lo muito bem: talvez o pároco esteja cansado ou já tenha pregado repetidas vezes, ou seja idoso e seus encargos superem suas forças.

Então, se existe um assistente para a pastoral que é muito capaz de interpretar a Palavra de Deus de modo convincente, surge de modo espontâneo a pergunta: por que não deveria falar o assistente para a pastoral? Ele se desempenha melhor e assim o povo tira maior proveito.

Mas isto, precisamente, é a visão meramente funcional. É preciso, pelo contrário, ter em consideração o fato de que a homilia não é uma interrupção da Liturgia para uma parte discursiva, mas que ela pertence ao acontecimento sacramental, levando a Palavra de Deus ao presente da comunidade.

É o momento no qual verdadeiramente essa comunidade, como sujeito, quer ser interpelada para ser levada à escuta e ao acolhimento da Palavra.

Isto significa que a própria homilia faz parte do mistério, da celebração do mistério e, portanto, não pode simplesmente ser separada dele.

Sobretudo, porém, considero importante que o sacerdote não seja limitado ao Sacramento e à jurisdição – na convicção de que todas as outras tarefas poderiam ser assumidas por outros – mas se conserve a integridade do seu cargo.

O sacerdócio só é uma coisa bela quando se deve cumprir uma missão que constitui um todo do qual não se pode cortar algo aqui e ali.

E a essa missão pertence desde sempre – também no culto no Antigo Testamento – o dever do sacerdote de relacionar a Palavra, que é parte integrante do conjunto, com o sacrifício.

Sob o ponto de vista meramente prático, devemos certamente fornecer aos sacerdotes a ajuda necessária para poderem desempenhar de maneira adequada também o ministério da Palavra.

Em princípio, essa unidade interior – quer da essência da Celebração eucarística, quer da essência do ministério sacerdotal – é muito importante.

Falta da consciência da culpa: um fenômeno preocupante

O segundo tema que gostaria de tratar neste contexto refere-se ao sacramento da Penitência, cuja prática nestes últimos cinquenta anos diminuiu progressivamente.

Graças a Deus, existem claustros, abadias e santuários aos quais as pessoas vão em peregrinação e onde os seus corações se abrem e estão também prontos para a Confissão. Verdadeiramente, devemos reaprender este Sacramento.

sob um ponto de vista meramente antropológico, é importante, por um lado, reconhecer a culpa e, por outro, exercer o perdão. A difundida falta de consciência da culpa é um fenômeno preocupante do nosso tempo.

O dom do sacramento da Penitência consiste, portanto, não só no fato de que recebemos o perdão, mas também de nos apercebermos, antes de tudo, da nossa necessidade de perdão; já com isto somos purificados, transformamo-nos interiormente e depois podemos compreender melhor os outros e perdoá-los.

O reconhecimento da culpa é uma coisa elementar para o homem – ele está doente se deixa de senti-la – e é de igual modo importante para ele a experiência libertadora de receber o perdão.

Para as duas coisas o sacramento da Reconciliação é o lugar decisivo de prática. Além disso, a fé se torna uma coisa totalmente pessoal, já não se esconde na coletividade.

Se o homem enfrenta o desafio e, na sua situação de necessidade de perdão, se apresenta, por assim dizer, indefeso diante de Deus, então faz a experiência comovedora de um encontro totalmente pessoal com o amor de Jesus Cristo.

Abrir as Igrejas locais ao universal

Por fim, gostaria ainda de tratar do ministério episcopal. No fundo, já falamos implicitamente dele durante todo o tempo.

Parece-me importante que os Bispos, como sucessores dos Apóstolos, por um lado, assumam verdadeiramente a responsabilidade das Igrejas locais que o Senhor lhes confiou, fazendo com que nelas a Igreja cresça e viva como Igreja de Jesus Cristo.

Por outro lado, eles devem abrir as Igrejas locais ao universal.

Considerando as dificuldades que os ortodoxos têm com as Igrejas autocéfalas, como também os problemas dos nossos amigos protestantes face à desagregação das Igrejas regionais, apercebemo-nos do grande significado que a universalidade assume, como é importante que a Igreja se abra à totalidade, tornando-se na universalidade verdadeiramente uma única Igreja.

Por outro lado, ela será capaz disso apenas se for viva no seu próprio território. Essa comunhão deve ser alimentada pelos Bispos juntamente com o Sucessor de Pedro, no espírito de uma consciente sucessão no Colégio dos Apóstolos.

Todos nós devemos nos esforçar continuamente por encontrar nessa relação recíproca o equilíbrio justo, para que a Igreja local viva a sua autenticidade e, ao mesmo tempo, a Igreja universal receba disso um enriquecimento, para que as duas dêem e recebam e, dessa forma, a Igreja do Senhor cresça. 

 

Discurso no encontro com os Bispos da Suíça – 7/11/2006.