Chegamos afinal aos três versículos da primeira carta de São Pedro que foram lidos aqui. Quero apenas sublinhar – ou, melhor, interpretar, na medida do possível – três palavras: “regenerados”, “herança” e “guardados pela Fé”.
Tornar-se cristão começa com uma ação de Deus
Regenerados – anaghennesas, no texto grego – significa que ser cristão não é simplesmente uma decisão da minha vontade, uma ideia minha; vejo um grupo que me agrada, faço-me membro desse grupo, compartilho os seus objetivos, etc.
Não. Ser cristão não é entrar num grupo para fazer algo, não é um ato só da minha vontade, nem primariamente da minha vontade, da minha razão: é um ato de Deus.
O termo “regenerado” não concerne só à esfera da vontade, do pensamento, mas também à esfera do ser.
Renasci: isto significa que tornar-se cristão é algo, sobretudo, passivo; não sou capaz de fazer me cristão, mas renasço, o Senhor me refaz na profundidade do meu ser. E eu entro nesse processo do renascer, deixo-me transformar, renovar, regenerar.
Parece-me muito importante isso: como cristão não tenho apenas uma ideia particular que compartilho com alguns outros, dos quais me separo quando não mais me agradam.
Não: concerne especialmente à profundidade do ser, ou seja, o tornar-se cristão começa com uma ação de Deus – é, sobretudo, uma ação d’Ele – e eu me deixo formar e transformar.
Parece-me matéria adequada para reflexão, de modo especial num ano em que refletimos sobre os Sacramentos da Iniciação Cristã, meditar isto.
Ou seja, este passivo e ativo profundo do ser regenerado, do transformar-se de toda uma vida cristã, do deixar-me transformar por sua Palavra, para a comunhão da Igreja, para a vida da Igreja, para os sinais com os quais o Senhor trabalha em mim, comigo e para mim.
Renascer, ser regenerado, indica também que assim entro numa nova família: Deus, o meu Pai, a Igreja, minha mãe, os outros cristãos, meus irmãos e minhas irmãs.
Ser regenerado, deixar-se regenerar implica, portanto, também deixar-se intencionalmente inserir nessa família, viver para Deus Pai e por Deus Pai, viver da comunhão com Cristo seu Filho, que me regenera pela sua Ressurreição, como diz a Carta (cf. I Pd 1,3).
Isto é, viver com a Igreja, deixando-me formar por ela em tantos sentidos, em tantos caminhos, e ser aberto aos meus irmãos, reconhecendo de fato nos outros os meus irmãos, que são comigo regenerados, transformados, renovados. […]
A Igreja é a árvore que cresce sempre de novo
Segunda palavra: herança. É uma palavra muito importante no Antigo Testamento, no qual está dito a Abraão que sua descendência herdará a terra. Esta sempre foi a promessa para os seus: vós possuireis a terra, sereis herdeiros da terra.
No Novo Testamento, esta palavra torna-se palavra também para nós: somos herdeiros, não de um determinado país, mas da terra de Deus, do futuro de Deus.
Herança é uma coisa do futuro, e assim este termo diz, sobretudo, que como cristãos possuímos o futuro. E ele é nosso, o futuro é de Deus. Assim, sendo cristãos, sabemos que o futuro é nosso e que a árvore da Igreja não é uma árvore moribunda, mas a árvore que cresce sempre de novo.
Portanto, temos motivos para não nos deixarmos impressionar – como disse o Papa João – pelos profetas da desgraça, que dizem: “A Igreja é uma árvore nascida de um grão de mostarda. Cresceu durante dois milênios. Passou seu tempo. Chegou-lhe a hora de morrer”.
Não. A Igreja se renova sempre, renasce sempre. O futuro é nosso.
Há, naturalmente, um falso otimismo e um falso pessimismo. Este último diz: “Findou-se o tempo do Cristianismo”, quando, na realidade, acontece justamente o contrário: começa de novo!
O falso otimismo é o daqueles que quando se fechavam os conventos e os seminários depois do Concílio diziam: “Nada acontece. Tudo vai bem…” Não! Não vai tudo bem.
Há também quedas graves, perigosas, e devemos reconhecer com um sadio realismo que deste modo não vai; quando se fazem coisas erradas, não se chega a nenhuma parte.
Mas devemos ter ao mesmo tempo a certeza de que, se aqui e ali a Igreja como que morre por causa dos pecados dos homens, por falta de Fé, ao mesmo tempo ela renasce.
O futuro é realmente de Deus: esta é a grande certeza da nossa vida, o grande, verdadeiro otimismo que conhecemos. A Igreja é a árvore de Deus que vive para sempre, é portadora da eternidade e da verdadeira herança: a vida eterna.
A Fé é como a “sentinela” que conserva a integridade do meu ser
E por fim, guardados pela Fé. O texto do Novo Testamento, da carta de São Pedro, usa aqui uma palavra rara, phrouroumenoi, que significa: há “sentinelas” e a Fé é como “o sentinela” que conserva a integridade do meu ser, da minha Fé.
Esta palavra interpreta, sobretudo, “os sentinelas” apostados às portas de uma cidade para evitar que seja invadida por poderes de destruição.
Do mesmo modo, a Fé é “sentinela” do meu ser, da minha vida, da minha herança. Devemos agradecer esta vigilância da Fé que nos protege, nos ajuda, nos guia e nos dá segurança: Deus não me deixa de ter nas suas mãos.
Guardados pela Fé: com estas palavras concluo. Ao falar da Fé, devo pensar sempre naquela mulher doente que, no meio da multidão, consegue aproximar-se de Jesus, toca-O para ser curada, e obtém o que pede.
O Senhor pergunta: “Quem Me tocou?”. Dizem-lhe: “Senhor, todos Te tocam, como podes perguntar: quem Me tocou?” (cf. Mt 9, 20-22).
Mas Ele sabe que há um modo superficial, exterior, de tocá-Lo, que nada tem a ver com um verdadeiro encontro com Ele; e há um modo profundo de tocá-Lo.
Essa mulher O tocou, de fato, não só com a mão, mas com o seu coração, recebendo por isso a força sanadora de Cristo.
Tocou-O realmente de uma forma interior, pela Fé. Esta é a Fé: tocar Cristo com a mão da Fé, com o nosso coração, e assim entrar na força da sua vida, na força sanadora do Senhor.
Roguemos ao Senhor que possamos cada vez mais tocá-Lo de maneira a sermos curados. Peçamos-Lhe que não nos deixe cair, que sempre nos segure pela mão e nos guarde para a verdadeira vida.
Maior, por ocasião da Festa de Nossa Senhora da Confiança, 8/2/2013