O Autor não pode esquecer uma das primeiras conferências públicas de Dr. Plinio a que assistiu, no dia 29 de maio de 1957, na Faculdade de Engenharia Industrial fundada pelo Pe. Saboia de Medeiros, SJ.
Este sacerdote tinha morrido havia pouco, e Dr. Plinio fora convidado pela diretoria para fazer uma conferência de preparação para a Comunhão pascal dos universitários.
Ele aceitou e, no dia aprazado, compareceu acompanhado pelos membros do Grupo.1 Era um auditório enorme, repleto de alunos, e, na fileira da frente, estavam todos os catedráticos.
O ponto que distinguia os presidiários do resto da sociedade
Após a saudação inicial, afirmou ter enorme prazer em estar ali para aquela conferência e, sem entrar direto no assunto, comentou que já tivera a oportunidade de tratar sobre a Comunhão pascal em situações bem diferentes.
Numa ocasião, em extremo oposta àquela, fora convidado a falar aos presos do Carandiru, famoso presídio de São Paulo. Era um tempo em que os presos faziam Comunhão pascal… Então, começou a contar em detalhes sua entrada no presídio. O assunto, de imediato, despertou o interesse de todos.
Tomado de curiosidade em saber o que levava aquela gente a cometer tantos crimes, procurou analisar os presos para descobrir o que os distinguia das pessoas que viviam na sociedade.
Porém, viu apenas fisionomias comuns, pessoas que, se vestidas não de uniforme presidiário, mas de paletó e gravata, poderiam andar pelas ruas sem problema.
“Mas que coisa curiosa”, pensava, “há um ponto de divergência, mas vejo que não é o crime, porque lá também se vive, com frequência, fora do estado de graça”.
Continuou a conferência e, a certa altura, enquanto falava explicitou nos rostos dos presos qual era a diferença: “Ah, estes criminosos refletem em suas faces a ausência de todo e qualquer exame de consciência… Caíram na situação em que estão porque nunca se examinaram na vida!
“Se eles tivessem se analisado com seriedade não teriam cometido os crimes que os trouxeram aqui. E os que estão fora, livres, pelas circunstâncias da vida foram impelidos, de uma forma ou outra, a fazer algum exame de consciência e isto os freou na prática do crime”.
Personalidade repleta de força e fulgor
O efeito dessas palavras sobre o auditório da faculdade foi extraordinário. Só um Santo poderia chegar a semelhante conclusão! Ao enunciar a tese, ele acrescentava que o exame de consciência é uma arma extraordinária para a conservação da virtude.
E de forma completamente sui generis, como não se encontra em livros, mostrou a importância deste aspecto da vida interior para uma boa Comunhão pascal.
Seu modo de expor arrebatou a assistência. À medida que ele falava, seu brilho aumentava. O Autor ficou encantadíssimo porque Dr. Plinio se expressava em tom de discurso e gesticulando, com uma desenvoltura, uma riqueza oratória e uma grandeza fora do comum.
O público constantemente se levantava e aplaudia. Em outros momentos, pela gravidade do tema, ficava aterrado, mas Dr. Plinio sabia levá-lo de novo ao entusiasmo.
Com sua eloquência tocava as cordas interiores daquelas almas, com a destreza com que Mozart dedilhava o piano. A conferência marcou a vida do Autor, pois, quando se está nos primeiros passos da vocação, qualquer acontecimento é guardado como um tesouro.
Quando terminou a exposição, os alunos acompanharam Dr. Plinio entusiasmados. Segundo os costumes da época, o corpo docente deveria ter uma atenção especial para com o conferencista.
Então, cerca de vinte catedráticos fizeram um corredor para saudá-lo na passagem e lhe felicitar. Todos estavam tomados de respeito e estupefatos diante de sua grandeza. E Dr. Plinio os tratava com uma categoria única!
Aos cinquenta anos, rigoroso exame de consciência
O ensinamento dado por Dr. Plinio naquela faculdade era algo por ele mesmo praticado, pois era um homem intransigente no tocante à própria vida espiritual e, portanto, muito habituado ao exame de consciência.
Isto acontecia sobretudo por ocasião de seu aniversário, dia em que deitava os olhos em tudo o que sucedera naquele ano.
Em 13 de dezembro de 1958, o calendário lhe indicava ter chegado o momento que constitui um marco para todo homem: meio século de existência. “Como eu fiquei traumatizado com a data!”,2 confessaria muitos anos depois.
Em meio a uma comemoração doméstica transbordante de afeto promovida por Da. Lucilia e às manifestações de estima de seus companheiros de luta, Dr. Plinio passou “um dos dias mais apertados e mais tristes da vida”.3
“Batendo, graças a Deus, com inclemência contra meu próprio peito”, narraria ele, “eu passei a tarde inteira […] fazendo exame de consciência, me incriminando”.4
Por que Dr. Plinio, conforme sua expressão, se “incriminava”?
Naquele dia quis a Providência prová-lo com o contraste entre aquilo para o qual sentia um claríssimo chamado e a realização concreta que tinha diante dos olhos.
Apesar de todo o sangue derramado desde que em 1928 iniciara sua militância católica, o Grupo, a bem dizer, era nada!
Dr. Plinio procurava responder a si mesmo a seguinte pergunta: “Em que fui infiel para que não haja um número maior de membros?” E a isso se somava maior decepção: entre muitos de seus filhos reinava a frieza, a inveja e até a hostilidade em relação a ele.
Inflexível consigo mesmo
Comparando-se com os homens da geração anterior à sua, Dr. Plinio constatava que nessa idade todos eles já tinham, por assim dizer, a vida feita.
E verificava que, aos cinquenta anos, ele mal estava começando e… quem garantia que seu futuro seria bem-sucedido? Esta evidência, na qual lhe eram velados os efeitos sobrenaturais mais profundos de sua imolação, lhe torturava a alma por julgar que ele poderia ser o causador de tal situação:
“Eu entendi que os relógios últimos estavam soando e pensava: ‘A minha esperança não pode ser balda, deve haver alguma infidelidade responsável por essa demora! Quantos anos se passaram e essa esperança não se realizou.
‘Ora, não pode ser que ela não se realize! Logo, a culpa está em você! Examine-se! Raspe-se! Vamos ver agora a sua lealdade, a sua coragem de olhar para seus defeitos, o seu firme propósito! Tudo está à prova. Vamos lá!’”
Dr. Plinio foi inflexível consigo mesmo: “Fiquei sozinho e me raspei a caco de telha ali, de sair sangue de todos os poros da alma por causa disto!”5
Entretanto, não achou defeito algum que lhe pudesse arguir de responsabilidade. A consciência estava tranquila, motivo pelo qual Dr. Plinio assistiu a uma Missa vespertina e comungou em ação de graças.
Só muitos anos mais tarde, vendo o progresso atingido por sua obra, compreendeu que, nesse marco, ele dava início a uma segunda fase de sua vida, na qual se fariam sentir visivelmente os frutos de todo o sacrifício anterior.