Nestes meses percorremos um caminho à luz da Palavra de Deus, para aprender a rezar de modo cada vez mais autêntico.
Inspiramo-nos em algumas grandes figuras do Antigo Testamento, nos Salmos, nas Cartas de São Paulo e no Apocalipse, mas, sobretudo, consideramos a experiência singular e fundamental de Jesus, na sua relação com o Pai celestial.
Na realidade, só em Cristo o homem se torna capaz de se unir a Deus com a profundidade e a intimidade de um filho em relação a um pai que o ama, só n’Ele nós podemos dirigir-nos em toda a verdade a Deus, chamando-Lhe carinhosamente: “Abá! Pai!”. […]
As duas escolas que ensinam a rezar: as Escrituras e a Liturgia
Podemos perguntar-nos: como posso deixar-me formar pelo Espírito Santo e assim tornar-me capaz de entrar na atmosfera de Deus, de orar com Deus?
Qual é esta escola na qual Ele me ensina a rezar, vem em ajuda da minha dificuldade de me dirigir de modo justo a Deus?
A primeira escola para a oração – vimo-lo nestas semanas – é a Palavra de Deus, a Sagrada Escritura.
A Sagrada Escritura é um diálogo permanente entre Deus e o homem, um diálogo progressivo no qual Deus Se mostra cada vez mais perto, no qual podemos conhecer sempre melhor a sua face, a sua voz e o seu ser; e o homem aprende a aceitar que conhece Deus, a falar com Deus.
Portanto nestas semanas, lendo a Sagrada Escritura, procuramos aprender como podemos entrar em contato com Deus a partir da Escritura, deste diálogo permanente.
Existe outro “espaço” precioso, mais uma “fonte” inestimável para crescer na oração, uma nascente de água viva em relação estreitíssima com a precedente.
Refiro-me à Liturgia, que constitui um âmbito privilegiado no qual Deus fala a cada um de nós, aqui e agora, e espera a nossa resposta. […]
A Liturgia é “obra de Cristo”
O Catecismo indica que “na tradição cristã [a palavra ‘liturgia’] quer dizer que o povo de Deus toma parte na ‘obra de Deus’”,[1], uma vez que o povo de Deus como tal só existe por obra de Deus. […]
Mas podemos perguntar-nos: qual é esta obra de Deus, na qual somos chamados a participar?
Aparentemente, a resposta que nos oferece a Constituição conciliar sobre a sagrada Liturgia é dupla.
Com efeito, no número 5 indica-nos que a obra de Deus são as suas gestas históricas, que nos trazem a salvação, que culminaram na Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.
Mas no número 7, a mesma Constituição define precisamente a celebração da Liturgia como “obra de Cristo”.
Na realidade, estes dois significados estão inseparavelmente interligados. Se nos perguntarmos quem salva o mundo e o homem, a única resposta é: Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo, crucificado e ressuscitado.
E onde se torna atual para nós, para mim hoje, o Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, que traz a salvação?
A resposta é: na obra de Cristo através da Igreja, na Liturgia, em particular no Sacramento da Eucaristia, que torna presente a oferta sacrifical do Filho de Deus, que nos redimiu; no Sacramento da Reconciliação, no qual se passa da morte do pecado para a vida nova; e nos outros atos sacramentais que nos santificam.[2] […]
Condição para uma boa celebração litúrgica
A primeira exigência para uma boa celebração litúrgica é que seja oração, diálogo com Deus, antes de tudo escuta e depois resposta.
Na sua “Regra”, falando sobre a oração dos Salmos, São Bento indica aos monges: mens concordet voci, “a mente concorde com a voz”.
O Santo ensina que na oração dos Salmos as palavras devem preceder a nossa mente.
Geralmente não acontece assim; antes, devemos pensar e depois aquilo que pensamos transforma-se em palavra. Mas na Liturgia, contrariamente, é a palavra que precede.
Deus concedeu-nos a palavra e a sagrada Liturgia oferece-nos as palavras; nós devemos entrar nas palavras, no seu significado, acolhê-las em nós, pondo-nos em sintonia com estas palavras; é assim que nos tornamos filhos de Deus, semelhantes a Deus.
Como recorda a Sacrosanctum Concilium, para garantir a plena eficácia da celebração “é necessário, porém, que os fiéis celebrem a Liturgia com retidão de espírito, unam a sua mente às palavras que pronunciam, cooperem com a graça de Deus, para não acontecer de a receberem em vão”.
Elemento fundamental e primário do diálogo com Deus na Liturgia é a concordância entre o que pronunciamos com os lábios e aquilo que trazemos no coração.
Entrando nas palavras da grande história da oração, nós mesmos somos conformados com o espírito destas palavras, tornando-nos capazes de falar com Deus. […]
Elevemos os nossos corações
Nesta linha, gostaria de referir-me unicamente a um dos momentos que, durante a própria Liturgia, nos chama e nos ajuda a encontrar tal concordância, este conformar-nos com o que ouvimos, dizemos e realizamos na celebração da Liturgia.
Refiro-me ao convite que formula o Celebrante antes da Prece eucarística: “Sursum corda”, elevemos os nossos corações, para fora do enredo das nossas preocupações, dos nossos desejos, das nossas angústias e da nossa distração.
O nosso coração, o íntimo de nós mesmos, deve abrir-se docilmente à Palavra de Deus e recolher-se na oração da Igreja, a fim de receber a sua orientação para Deus das próprias palavras que ela ouve e pronuncia.
O olhar do coração deve dirigir-se ao Senhor, que Se encontra no meio de nós: é uma disposição fundamental. […]
Só celebramos e vivemos bem a Liturgia, se permanecermos em atitude orante, e não se quisermos “realizar algo”, fazer-nos ver ou agir, mas se orientarmos o nosso coração para Deus e estivermos em atitude de oração, unindo-nos ao Mistério de Cristo e ao seu diálogo de Filho com o Pai.
É o próprio Deus que nos ensina a rezar, afirma São Paulo (cf. Rm 8, 26).
Foi Ele mesmo que nos concedeu as palavras adequadas para nos dirigirmos a Ele, palavras que encontramos no Saltério, nas grandiosas preces da sagrada Liturgia e na própria Celebração eucarística.
Oremos ao Senhor para estarmos cada dia mais conscientes de que a Liturgia é obra de Deus e do homem; oração que brota do Espírito Santo e de nós, inteiramente dirigida para o Pai, em união com o Filho de Deus que Se fez homem.[4]