Recebo-vos com alegria, por ocasião da Assembleia anual da Pontifícia Academia para a Vida. […]

Nos trabalhos destes dias abordastes temas de atualidade relevante, que interrogam profundamente a sociedade contemporânea, ­desafiando-a a encontrar respostas cada vez mais adequadas ao bem da pessoa humana. 

A consciência moral não é resultado de condicionamentos exteriores ou um fenômeno puramente emotivo

A temática da síndrome pós-abortiva – ou seja, o grave mal-estar psíquico experimentado frequentemente pelas mulheres que recorreram ao aborto voluntário – revela a voz insuprimível da consciência moral e a ferida gravíssima que ela padece cada vez que a ação humana atraiçoa a vocação inata ao bem do ser humano, que ela testemunha.

Nesta reflexão seria útil também prestar atenção à consciência, por vezes ofuscada, dos pais das crianças que muitas vezes deixam sozinhas as mulheres grávidas. 

A consciência moral – ensina o Catecismo da Igreja Católica – é aquele “juízo da razão, mediante o qual a pessoa humana reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai praticar, que está prestes a executar, ou que já realizou”.[1]

Com efeito, é tarefa da consciência moral discernir o bem do mal, nas várias situações da existência, a fim de que, com base neste juízo, o ser humano possa orientar-se livremente para o bem. 

A quantos gostariam de negar a existência da consciência moral no homem, reduzindo a sua voz ao resultado de condicionamentos exteriores, ou a um fenômeno puramente emotivo, é importante recordar que a qualidade moral do agir humano não é um valor extrínseco ou então opcional, nem sequer é uma prerrogativa dos cristãos ou dos fiéis, mas associada a todos os seres humanos.

Na consciência moral, Deus fala a cada um e convida a defender a vida humana em cada momento. Neste vínculo pessoal com o Criador encontram-se a profunda dignidade da consciência moral e a razão da sua inviolabilidade.

O homem inteiro permanece ferido quando age contra a própria consciência

Na consciência, o homem na sua integridade – inteligência, emotividade e vontade – realiza a própria vocação ao bem, de tal modo que a opção do bem ou do mal nas situações concretas da existência acaba por marcar profundamente a pessoa humana em cada uma das expressões do seu ser. 

Com efeito, o homem inteiro permanece ferido quando o seu agir se realiza contrariamente ao preceito da sua própria consciência.

Todavia, mesmo quando o homem rejeita a verdade e o bem que o Criador lhe propõe, Deus não o abandona, mas precisamente através da voz da consciência, continua a procurá-lo e a falar-lhe, a fim de que reconheça o erro e se abra à Misericórdia divina, capaz de curar qualquer ferida.

Exige-se dos médicos uma particular fortaleza

Os médicos, em particular, não podem faltar à grave tarefa de defender a consciência contra o engano de numerosas mulheres que julgam encontrar no aborto a solução para as dificuldades familiares, econômicas e sociais, ou para os problemas de saúde do seu filho.

Especialmente nesta última situação, a mulher é muitas vezes convencida, às vezes pelos próprios médicos, que o aborto representa não apenas uma escolha moralmente lícita, mas até um gesto “terapêutico” necessário, para evitar sofrimentos ao filho e à sua família, e um peso “injusto” para a sociedade. 

Num contexto cultural caracterizado pelo eclipse do sentido da vida, em que se atenuou enormemente a percepção comum da gravidade moral do aborto e de outras formas de atentados contra a vida humana, exige-se dos médicos uma especial fortaleza para continuar a afirmar que o aborto nada resolve.

Que, entretanto, mata a criança, aniquila a mulher e obceca a consciência do pai da criança, destruindo frequentemente a vida familiar.

A sociedade inteira deve defender o direito da criança à vida

Todavia, esta tarefa não se refere unicamente à profissão médica e aos agentes no campo da saúde. É necessário que a sociedade inteira defenda o direito à vida da criança concebida e o verdadeiro bem da mulher que nunca, em qualquer circunstância, poderá encontrar a realização na escolha do aborto. 

De igual modo, será preciso – como é indicado pelos vossos trabalhos – não deixar faltar as ajudas necessárias às mulheres que, infelizmente tendo já recorrido ao aborto, estão agora experimentando todo o seu drama moral e existencial. 

São múltiplas as iniciativas, no plano diocesano ou da parte de entidades de voluntariado individuais, que oferecem apoio psicológico e espiritual, para uma plena recuperação humana. A solidariedade da comunidade cristã não pode renunciar a este tipo de corresponsabilidade. 

O Pai de toda a Misericórdia perdoa no Sacramento da Reconciliação

A tal propósito, gostaria de evocar o convite dirigido pelo Venerável João Paulo II às mulheres que recorreram ao aborto: 

A Igreja está a par dos numerosos condicionamentos que poderiam ter influído sobre a vossa decisão, e não duvida que, em muitos casos, se tratou de uma decisão difícil, talvez dramática.

Provavelmente a ferida no vosso espírito ainda não está sarada. Na realidade, aquilo que aconteceu foi e permanece profundamente injusto.

Mas não vos deixeis cair no desânimo, nem percais a esperança. Sabei, antes, compreender o que se verificou e interpretai-o em toda a sua verdade.

Se não o fizestes ainda, abri-vos com humildade e confiança ao arrependimento: o Pai de toda a misericórdia espera-vos para vos oferecer o seu perdão e a sua paz no Sacramento da Reconciliação.

A este mesmo Pai e à sua misericórdia, podeis confiar com esperança o vosso filho.

Ajudadas pelo conselho e pela solidariedade de pessoas amigas e competentes podereis estar, com o vosso doloroso testemunho, entre os mais eloquentes defensores do direito de todos à vida.[2]

Ciência e investigação médicas tendem para o bem comum

A consciência moral dos investigadores e de toda a sociedade civil está intimamente implicada também no segundo tema chave dos vossos trabalhos: a utilização dos bancos de cordão umbilical, para finalidades clínicas e de pesquisa.

A investigação médico-científica constitui um valor, e portanto um compromisso, não só para os pesquisadores, mas para toda a comunidade civil.

Daqui nasce o dever de promover investigações eticamente válidas da parte das instituições e o valor da solidariedade dos indivíduos na participação em pesquisas destinadas a fomentar o bem comum. 

Este valor, e a necessidade desta solidariedade, são evidenciados muito bem no caso da utilização das células estaminais provenientes do cordão umbilical.

Trata-se de aplicações clínicas importantes e de investigações promissoras no plano científico, mas que na sua realização dependem muito da generosidade na doação do sangue do cordão umbilical no momento do parto e da adequação das estruturas, para tornar realizável a vontade de doação da parte das parturientes.

Por conseguinte, convido todos vós a fazer-vos promotores de uma solidariedade humana e cristã verdadeira e consciente. 

A este propósito, muitos pesquisadores médicos olham justamente com perplexidade para o crescente florescimento de bancos particulares para a conservação do sangue do cordão umbilical, exclusivamente para o uso autólogo.

Tal opção – como demonstram os trabalhos da vossa Assembleia – além de ser desprovida de uma superioridade científica real em relação à doação do cordão umbilical, debilita o espírito genuíno de solidariedade.

Espírito que deve animar constantemente a investigação daquele bem comum para o qual, em última análise, tendem a ciência e a investigação médicas.

 

Excertos do Discurso aos participantes da Assembleia Plenária da Pontifícia Academia para a Vida, 26/2/2011.

[1] CIC, n.1.778.
[2] Evangelium vitæ, n.99.