Ouvimos este trecho dos Atos dos Apóstolos (20, 17-38), no qual São Paulo fala aos presbíteros de Éfeso, narrado propositadamente por São Lucas como testamento do Apóstolo, como discurso destinado não só aos presbíteros de Éfeso, mas aos presbíteros de todos os tempos.

São Paulo fala não só com aqueles que estavam presentes naquele lugar, mas fala realmente conosco. Procuremos, portanto compreender um pouco do que nos diz neste momento.

Missão que permeia a pessoa 

Começo: “Sabeis como desde o primeiro dia em que cheguei à Ásia, procedi sempre convosco” (v.18) e sobre este comportamento, São Paulo diz, no final, que “noite e dia, não cessei de exortar… cada um de vós” (v.31).

Isto significa: em todo este tempo ele era anunciador, mensageiro, embaixador de Cristo para eles; era para eles sacerdote. 

Num certo sentido, poder-se-ia dizer que era um sacerdote trabalhador, porque – como diz também neste trecho – trabalhou com as suas mãos como tecedor de tendas para não ser um peso para eles, para ser livre, para os deixar livres.

Mas mesmo tendo feito um trabalho com as próprias mãos, contudo em todo esse tempo ele era sacerdote, em todo o tempo exortou.

Por outras palavras, mesmo se não estava todo o tempo exteriormente à disposição da pregação, o seu coração e a sua alma estavam sempre presentes para eles; ele estava imbuído da Palavra de Deus, pela sua missão. 

Isto parece-me um aspecto muito importante: não se é sacerdote só a meio tempo; mas sempre, com toda a alma, com todo o nosso coração.

Este ser com Cristo e ser embaixador de Cristo, este ser para os outros, é uma missão que permeia a nossa pessoa e deve permear sempre mais a totalidade do nosso ser.

Deixar-se “assumir ao serviço” pelo outro

Depois São Paulo diz: “Tenho servido o Senhor com toda a humildade” (v.19). 

“Servido”: uma palavra-chave de todo o Evangelho. O próprio Cristo diz: Não vim para subjugar, mas para servir (cf. Mt 20, 28).

É o Servo de Deus, e Paulo e os Apóstolos continuam a ser “servos”; não donos da fé, mas servos da vossa alegria, diz São Paulo na Segunda Carta aos Coríntios (cf. 1, 24). 

“Servir”, deve ser também para nós determinante: somos servos. E servir significa não fazer o que me proponho, o que seria para mim mais agradável.

Servir significa deixar-me impor o peso do Senhor, o jugo do Senhor; servir quer dizer não me comportar segundo as minhas preferências, as minhas prioridades, mas deixar-me realmente “assumir ao serviço” pelo outro. 

Isto significa que também muitas vezes nós devemos fazer coisas que imediatamente não parecem espirituais e que não correspondem sempre às nossas escolhas. 

Todos nós, do Papa até ao último vice-pároco, devemos fazer trabalhos de administração, trabalhos temporais; contudo fazemo-lo como serviço, como parte de quanto o Senhor nos impõe na Igreja e fazemos o que a Igreja nos diz e o que espera de nós.

É importante este aspecto concreto do serviço, que não somos nós que escolhemos o que fazer, mas somos servos de Cristo na Igreja e trabalhamos como a Igreja nos diz, onde a Igreja nos chama, e procuramos ser precisamente assim: servos que não fazem a própria vontade, mas a vontade do Senhor. 

Na Igreja somos realmente embaixadores de Cristo e servos do Evangelho.

A verdadeira humildade 

“Servi o Senhor com toda a humildade”. Também “humildade” é uma palavra-chave do Evangelho, de todo o Novo Testamento. 

Humildade, o Senhor precede-nos. Na Carta aos Filipenses, São Paulo recorda-nos que Cristo, o qual estava acima de todos nós, era realmente divino na glória de Deus, humilhou-Se, desceu fazendo-Se homem, aceitando todas as debilidades do ser humano, chegando à obediência última da Cruz (cf. 2, 5-8).

Humildade não significa uma falsa modéstia – estamos gratos pelos dons que o Senhor nos doou – mas indica que somos conscientes de que tudo o que podemos fazer é dom de Deus, é doado pelo Reino de Deus. 

Nós trabalhamos nesta humildade, neste não querer aparecer. Não pedimos louvores, não queremos “pôr-nos em evidência”, não é para nós critério decisivo pensar no que dirão de nós nos jornais ou alhures, mas o que diz Deus.

É esta a verdadeira humildade: não nos exibirmos diante dos outros homens, mas estar sob o olhar de Deus e trabalhar com humildade para Deus e assim servir realmente também a humanidade e os homens. […]

Sentir alegria por pertencer à Igreja

“Apascentar a Igreja de Deus, adquirida por Ele com o Seu próprio Sangue” (v.28). 

Encontramos aqui uma palavra central sobre a Igreja. A Igreja não é uma organização que se formou pouco a pouco; a Igreja nasceu da Cruz. 

O Filho adquiriu a Igreja na Cruz e não só a Igreja daquele momento, mas a Igreja de todos os tempos. Adquiriu com o seu sangue esta porção do povo, do mundo, para Deus. E parece-me que isto nos deva fazer refletir. 

Cristo, Deus criou a Igreja, a nova Eva, com o seu sangue. Assim nos ama e nos amou, e isto é verdadeiro em todos os momentos.

Também isto nos deve fazer compreender que a Igreja é um dom; sentir-nos felizes por sermos chamados a formar a Igreja de Deus; sentir alegria por pertencer à Igreja.

Claro, existem também sempre aspectos negativos, difíceis, mas no fundo deve permanecer isto: é um dom maravilhoso que posso viver na Igreja de Deus, na Igreja que o Senhor adquiriu com o seu sangue. 

Ser chamados a conhecer realmente o rosto de Deus, conhecer a sua vontade, conhecer a sua Graça, conhecer este amor supremo, esta Graça que nos guia e nos leva pela mão. 

Felicidade de ser Igreja, alegria de ser Igreja. Parece-me que devemos voltar a aprender isto. O receio do triunfalismo talvez nos tenha feito esquecer que é bom estar na Igreja, e que isto não é triunfalismo, mas humildade, estar gratos pelo dom do Senhor.

Sempre haverá erva daninha no campo da Igreja

Segue-se que esta Igreja não é sempre só dom de Deus e divina, mas também muito humana: “Virão lobos temíveis” (v.29). 

A Igreja é sempre ameaçada, há sempre perigo, a oposição do diabo que não aceita que na humanidade esteja presente este novo Povo de Deus, que haja a presença de Deus numa comunidade viva.

Portanto, não nos devemos admirar que haja sempre dificuldades, que haja sempre erva daninha no campo da Igreja. Sempre foi assim e sempre o será. 

Mas devemos estar conscientes, com alegria, de que a verdade é mais forte que a mentira, o amor é mais forte que o ódio, Deus é mais forte que todas as forças contrárias a Ele.

E com esta alegria, com esta certeza interior empreendamos o nosso caminho inter consolationes Dei et persecutiones mundi, diz o Concílio Vaticano II:[1] entre as consolações de Deus e as perseguições do mundo.

 

Excertos da “Lectio Divina” no encontro com os párocos e sacerdotes de Roma, 10/3/2011.

Notas
[1] Cf. Lumen gentium, n.8.