Na longínqua Palestina, há mais de dois mil anos, uma menina chamada Judith se sentava ao lado de um poço, a cada manhã, para pedir esmolas.
Após a morte da mãe, vivia apenas com o pai, que todos os dias a levava ali, a fim de fazê-la obter o sustento para ambos.
A jovem era cega de nascença. Porém, sua desgraça não a abatia.
Sempre alegre e bem-disposta, ajudava a retirar água para as caravanas, enquanto cantava belas canções, e acabava, com isso, ganhando algum dinheiro, logo apoderado com avidez pelo progenitor.
A destreza com a qual ela puxava a água e a simplicidade de seu coração conquistavam a admiração dos viajantes, que encontravam na inocência dessa alma infantil o melhor refrigério para suas fadigas.
Nas horas em que ficava a sós, Judith era um espetáculo para os Anjos. Ter a infelicidade de não poder ver as belezas criadas não a impedia de ansiar pela vinda do Messias. Pelo contrário, algo a fazia sentir no fundo da alma que este momento estava próximo!
Certo dia, estando em seu posto, ela ouviu as vozes de um varão e uma jovem Senhora.
Com o edito promulgado por César Augusto, o movimento de transeuntes havia aumentado bastante e certamente aquele casal iria alistar-se na terra de seus antepassados.
Sempre prestativa, com muito gosto se ofereceu para fornecer-lhes água, perguntando com cortesia:
— Vós também estais viajando por causa do recenseamento?
— Sim, minha pequena, respondeu o senhor. Meu nome é José. Sou da casa de Davi e vou a Belém com minha esposa, Maria, que está grávida.
O tom grave e bondoso de sua voz penetrou no fundo da alma da ceguinha. Perto deles sentia-se cheia de paz e alegria. E, como adivinhando seus sentimentos, a nobre Dama acariciou-lhe a cabeça, dizendo:
— Em breve, uma Luz brilhará nas trevas deste mundo. E, por causa desta Luz, eu te prometo: tu haverás de ver com teus olhos as maravilhas criadas por Deus!
Transcorreram vários meses, desde então, e a vida junto ao poço continuava a mesma… No entanto, a pequena conservava no coração a promessa da Senhora.
Pensando nela, cantarolava alegre quando, em uma tarde, de súbito foi interrompida por um característico barulho de animais.
— Menina, que fazes aqui sozinha? – indagou-lhe alguém, com sotaque estrangeiro.
— Canto e tiro água deste poço para ajudar meu pai. Mas, dizei-me: quem sois vós? De onde vindes? Ouvi música e um tropel, e julguei que fosse uma caravana.
— Julgaste bem. Faço parte do séquito do rei Melchior, que retorna para o Oriente. Tive de me deter para dar de beber ao meu cavalo e devo me juntar à comitiva, assim que ele se recupere do esforço.
— E o que levou um rei, como o vosso amo, a empreender tão longa viagem?
— Como fazes tal pergunta?! Serás tu a única em Israel que não sabe do nascimento, em Belém, do Rei dos judeus?
— O Rei dos judeus?! – exclamou Judith, enquanto seu coração pulsava com força.
— Sim. É um Menino belíssimo e majestoso. Quando meu senhor o viu, prostrou-se diante d’Ele e O adorou! Depois se dirigiu para sua mãe, Maria, e rogou-Lhe se dignasse aceitar o ouro que Lhe tínhamos trazido.
A menina escutava boquiaberta, enquanto o pajem continuava a relatar-lhe as peripécias da viagem: a prodigiosa estrela que lhes aparecera, a conversa com Herodes e os sacerdotes, a chegada a Belém, o aviso recebido em sonhos aconselhando-os a voltar por outro caminho…
Quando ele partiu, um turbilhão de ideias girava na mente de Judith. Aquele Menino de Belém não seria o Messias esperado? E sua Mãe, não dizia o pajem chamar-se Maria, como a bondosa Senhora que conhecera?
Contudo, não era possível que Ela viajasse em um pobre jumento, acompanhada apenas de seu esposo. Devia tratar-se de uma mera coincidência…
Mais alguns meses se passaram e os viajantes que frequentavam o poço começaram a narrar-lhe terríveis acontecimentos: o rei Herodes, por receio de perder o trono, havia ordenado matar todos os meninos menores de dois anos.
A Judeia inteira estava transida de dor e banhada em sangue inocente… “Como podia um tão poderoso rei ter medo de uma criança indefesa?”, perguntava-se a menina.
“Como era possível sequer conceber uma ordem tão cruel e arbitrária? O que teria acontecido com o Rei dos judeus? E com o Filho de Maria?” A partir dessas notícias, o canto de Judith passou a ser menos alegre.
Sua fé, entretanto, não diminuíra. O timbre suave das palavras da distinta Dama voltava-lhe uma ou outra vez à mente. “Senhora”, dizia-lhe em seu interior, “não me esqueci de vossa promessa!”
Em uma fresca manhã, a jovem ouviu vozes conhecidas. O coração saltou-lhe no peito e teve de se conter para não sair correndo ao encontro daquelas pessoas… porque se lembrou de que era cega!
Logo, porém, dissipou-se qualquer dúvida. Tratava-se, com efeito, de José e Maria, que vinham fugindo de Herodes, a caminho do Egito. E, desta vez, não estavam sozinhos. Um Menino fora do comum os acompanhava, trazendo nas mãos um lírio branco, com o qual elegantemente brincava.
Judith não O via, mas por um misterioso sexto sentido percebia sua presença e foi, com vagar, aproximando-se d’Ele.
O Menino a fitava com amor e, quando ela estava já bem perto, entregou-lhe, com um sorriso, sua flor alvíssima e perfumada, tocando-lhe a mão.
— Um lírio no deserto! – exclamou ela ao recebê-la. Com essa fragrância e textura! E com essas pétalas tão brancas e lindas como nunca se viu…
Ela ficou paralisada por um momento… Seus olhos viam a luz!
Podia admirar a açucena que o menino lhe dera, contemplar o varão venerável, cuja voz lhe reconfortava a alma, deliciar-se com o rosto fulgurante daquela Dama Imaculada!
Mais do que isso, ela agora via sentado nos braços de sua Mãe, como no mais valioso dos tronos, o Messias por cuja vinda tanto suspirara!
A promessa de Maria se havia cumprido. Diante da Luz do mundo, os olhos da menina inocente passaram a ver a luz.