“Spe salvi facti sumus” – é pela esperança que fomos salvos – diz São Paulo aos Romanos e a nós também (Rm 8, 24). Segundo a fé cristã, a “redenção”, a salvação, não é um simples dado de fato.
A redenção nos é oferecida no sentido de que nos foi dada a esperança, uma esperança fidedigna, graças à qual podemos enfrentar o nosso presente.
Com efeito, o presente, ainda que árduo, pode ser vivido e aceito se conduzir a uma meta e se pudermos estar seguros quanto a esta meta, se ela for tão grande que justifique a fadiga da caminhada.
Aqui se levanta imediatamente a questão: mas, de que gênero é esta esperança para poder justificar a afirmação segundo a qual a partir dela, e simplesmente porque ela existe, nós fomos redimidos? E de que tipo de certeza se trata? […]
Fé e esperança nas Sagradas Escrituras
“Esperança” é, de fato, uma palavra central da fé bíblica, a tal ponto que, em várias passagens, os termos “fé” e “esperança” parecem ser intercambiáveis. […]
Quanto tenha sido determinante para a consciência dos primeiros cristãos o fato de terem recebido o dom de uma esperança fidedigna, manifesta-se também nos textos onde se compara a existência cristã com a vida anterior à fé ou com a situação dos adeptos de outras religiões.
Paulo lembra aos Efésios como, antes do seu encontro com Cristo, eles estavam “sem esperança e sem Deus no mundo” (Ef 2, 12). […]. Ao mesmo tempo, diz aos Tessalonicenses: não deveis “entristecer-vos como os outros que não têm esperança” (1 Ts 4, 13). […]
A boa nova do Evangelho
Somente quando o futuro é certo como realidade positiva é que se torna vivível também o presente. Assim, podemos agora dizer: o cristianismo não era apenas uma “boa nova”, ou seja, uma comunicação de conteúdos até então ignorados. […]
O Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem conhecer, mas uma comunicação que gera fatos e muda a vida.
A porta tenebrosa do tempo, do futuro, foi aberta de par em par. Quem tem esperança vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova. […]
O cristianismo não tinha trazido uma mensagem sócio-revolucionária como aquela com a qual Espártaco fracassara em lutas cruentas. Jesus não era Espártaco, não combatia por uma libertação política, como Barrabás ou Bar-Kochba.
O que Jesus – Ele próprio morto na cruz – tinha trazido era algo totalmente diverso: o encontro com o Senhor de todos os senhores, o encontro com o Deus vivo e, assim, o encontro com uma esperança que era mais forte do que os sofrimentos da escravatura e, por isso mesmo, transformava a partir do interior a vida e o mundo. […]
Os homens que, de acordo com sua condição social, se relacionavam entre si como patrões e escravos, tornaram-se irmãos e irmãs – assim se tratavam os cristãos uns aos outros – enquanto membros da única Igreja.
Em virtude do batismo, foram regenerados, tinham-se abeberado no mesmo Espírito e recebiam juntos, lado a lado, o Corpo do Senhor. Embora as estruturas externas permanecessem as mesmas, isto transformava a sociedade a partir de dentro. […]
Idade Média e Revolução Francesa
Procuremos lançar, ao acaso, um olhar sobre um momento da Idade Média, emblemático sob certos aspectos.
Na consciência comum, os mosteiros eram vistos como lugares de fuga para fora do mundo (“contemptus mundi”) e meio de subtrair-se à responsabilidade pelo mundo, na procura da salvação pessoal.
Bernardo de Claraval – que, com a sua Ordem reformada, colocou nos mosteiros uma multidão de jovens – tinha a esse respeito uma visão bem diferente. Em sua opinião, os monges desempenham uma tarefa para o bem de toda a Igreja e, portanto, de todo o mundo. […]
Como se chegou a interpretar a “salvação da alma” como fuga diante da responsabilidade pelo conjunto e, consequentemente, a considerar o programa do cristianismo como uma procura egoísta da salvação que se recusa a servir os outros? […]
[Pode-se ver] uma transição desconcertante: até esse momento, esperava-se da fé em Jesus Cristo a recuperação daquilo que o homem, expulso do paraíso terrestre, tinha perdido, e nisto se via a “redenção”.
Agora esta “redenção” – a restauração do “paraíso” perdido – já não se espera da fé, mas da recém-descoberta ligação entre ciência e prática.
Com isto, não é que se negue simplesmente a fé, mas esta acaba deslocada para outro nível – o das coisas somente privadas e ultraterrenas – e ao mesmo tempo fica, de algum modo, irrelevante para o mundo. […]
Devemos lançar um breve olhar sobre duas etapas essenciais da concretização política dessa esperança, porque são de grande importância para o caminho da esperança cristã, para a sua compreensão e persistência.
Há, antes de tudo, a Revolução Francesa como tentativa de instaurar o domínio da razão e da liberdade, agora também de modo politicamente real.
Num primeiro momento, a Europa do Iluminismo contemplou fascinada esses acontecimentos, mas depois, à vista da sua evolução, teve de refletir de modo novo sobre razão e liberdade. […]
Marx, Lenin, e o comunismo
O século XIX não renegou sua fé no progresso como uma nova forma da esperança humana, e continuou a considerar razão e liberdade como as estrelas-guia a serem seguidas no caminho da esperança. […]
Após a revolução burguesa de 1789, chegara a hora de uma nova revolução, a proletária: o progresso não podia limitar-se a avançar de forma linear e a pequenos passos.
Urgia o salto revolucionário. Karl Marx recolheu essa aspiração do momento e, com vigor de linguagem e de pensamento, procurou iniciar o novo passo grande e, como ele supunha, definitivo da História rumo à salvação, rumo àquilo que Kant tinha qualificado como o “reino de Deus”. […]
Com precisão, embora de forma unilateralmente parcial, Marx descreveu a situação do seu tempo e ilustrou, com grande capacidade analítica, as vias para a revolução. […] E a revolução se fez também, depois, da forma mais radical na Rússia.
Entretanto, com a sua vitória, tornou-se evidente também o erro fundamental de Marx. Ele indicou com exatidão a maneira de realizar a derrubada. Mas não disse como as coisas deveriam prosseguir depois.
Ele supunha simplesmente que, com a expropriação da classe dominante, com a queda do poder político e a socialização dos meios de produção, estaria realizada a Nova Jerusalém. […]
O seu verdadeiro erro é o materialismo: com efeito, o homem não é apenas o produto de condições econômicas, e não é possível curá-lo unicamente a partir do exterior, criando condições econômicas favoráveis.
É necessária uma autocrítica da Idade Moderna
Assim, encontramo-nos novamente diante da questão: o que podemos esperar? É necessária uma autocrítica da idade moderna. […] Antes de tudo, deve-se perguntar: o que significa verdadeiramente “progresso”? Que coisa ele promete e que coisa não promete? […]
Todos somos testemunhas de como o progresso em mãos erradas pode tornar-se, e se tornou de fato, um progresso terrível no mal.
Se ao progresso técnico não corresponde um progresso na formação ética do homem, no crescimento do homem interior (cf. Ef 3, 16; 2 Cor 4, 16), então ele não é um progresso, mas uma ameaça para o homem e para o mundo. […]
Nesse sentido, os tempos modernos desenvolveram a esperança da instauração de um mundo perfeito que, graças aos conhecimentos da ciência e a uma política cientificamente fundada, parecia ter-se tornado realizável.
Assim, a esperança bíblica do Reino de Deus foi substituída pela esperança do reino do homem, pela esperança de um mundo melhor que seria o verdadeiro “reino de Deus”. […] Com o passar do tempo, porém, fica claro que essa esperança escapa sempre para mais longe. […]
O Juízo, o Inferno e o Purgatório como lugares de aprendizagem e de exercício da esperança
[O Credo diz que Jesus] “virá novamente, em Sua glória, para julgar os vivos e os mortos”.
Já desde os primeiros tempos, a perspectiva do Juízo influenciou os cristãos, mesmo na sua existência quotidiana, como critério para ordenar a vida presente, como apelo à sua consciência e, ao mesmo tempo, esperança na justiça de Deus.
A fé em Cristo nunca olhou só para trás nem só para o alto, mas sempre também para frente, para a hora da justiça preanunciada repetidas vezes pelo Senhor. Esse olhar para adiante conferiu ao cristianismo a sua importância para o presente. […]
Deus é justiça e cria justiça. Essa é nossa consolação e nossa esperança. Mas, na sua justiça, Ele é também graça. Podemos saber isso, fixando o olhar em Cristo crucificado e ressuscitado.
Ambas – justiça e graça – devem ser vistas na sua justa ligação interior. A graça não exclui a justiça. Não muda o errado em direito. Não é uma esponja que apaga tudo, de modo que tudo quanto se fez na Terra acabe tendo o mesmo valor. […]
Com a morte, torna-se definitiva a opção de vida feita pelo homem – esta sua vida está diante do Juiz. A sua opção, que tomou forma ao longo de toda a vida, pode ter características diversas.
Pode haver pessoas que destruíram totalmente em si mesmas o desejo da verdade e a disponibilidade para o amor; pessoas nas quais tudo se tornou mentira; pessoas que viveram para o ódio e espezinharam o amor em si mesmas.
Esta é uma perspectiva terrível, mas alguns personagens da História deixam entrever, de forma assustadora, perfis desse gênero. Nesses indivíduos nada haveria de remediável, e a destruição do bem seria irrevogável: é isso que se indica com a palavra inferno. […]
O Juízo de Deus é esperança, quer por ser justiça, quer por ser graça. Se fosse somente graça, que torna irrelevante tudo quanto é terreno, Deus ficar-nos-ia devedor da resposta à pergunta sobre a justiça – pergunta decisiva para nós perante a História e o próprio Deus.
Se o Juízo fosse pura justiça, ele poderia tornar-se para nós, afinal de contas, somente motivo de temor. […]
Mais um motivo deve ser aqui mencionado, porque é importante para a prática da esperança cristã. Também no antigo judaísmo existe a idéia de que se possa ajudar, por meio da oração, os defuntos no seu estado intermediário (cf., por exemplo, 2Mc 12, 38-45, obra do séc. I a.C.).
A prática correspondente foi adotada pelos cristãos com grande naturalidade e é comum à Igreja oriental e à ocidental.[…] Entretanto – por meio da Eucaristia, da oração e da esmola –, pode ser dado “descanso e refrigério” às almas dos defuntos.
Que o amor possa chegar até o além, que seja possível um mútuo dar e receber, no qual uns e outros permanecem ligados por vínculos de afeto além das fronteiras da morte – esta é uma convicção fundamental da cristandade através de todos os séculos e permanece ainda hoje uma experiência reconfortante. […]
Maria, estrela da esperança
Com um hino do século VIII/IX, portanto com mais de mil anos, a Igreja saúda Maria, a Mãe de Deus, como “Estrela do Mar”: Ave maris stella. […] Jesus Cristo é, certamente, a luz por antonomásia, o Sol erguido sobre todas as trevas da História.
Mas, para chegar até Ele, precisamos também de luzes próximas, de pessoas que transmitem uma luz recebida da luz dEle e oferecem, assim, orientação para a nossa travessia. E quem mais do que Maria poderia ser para nós estrela de esperança? […]
Por isso, a Ela nos dirigimos: Santa Maria […] Vós vivíeis em íntimo contato com as Sagradas Escrituras de Israel, que falavam da esperança, da promessa feita a Abraão e à sua descendência (cf. Lc 1, 55). […]
Por meio de vós, do vosso “sim”, a esperança dos milênios devia tornar-se realidade, entrar neste mundo e na sua História. […]
Simeão falou-vos da espada que atravessaria o vosso coração (cf. Lc 2, 35), do sinal de contradição que vosso Filho seria neste mundo. […] Da cruz, recebestes uma nova missão.
A partir da cruz tornastes-vos Mãe, de maneira nova: Mãe de todos aqueles que querem acreditar no vosso Filho Jesus e segui-Lo. A espada da dor transpassou o vosso coração. Estava morta a esperança? Ficava o mundo definitivamente sem luz, a vida sem objetivo?
Naquele momento, provavelmente, no vosso íntimo, tereis ouvido de novo a palavra pela qual o anjo respondera ao vosso temor no instante da Anunciação: “Não temas, Maria!” (Lc 1, 30). […]
O “Reino” de Jesus era diferente daquele que os homens tinham podido imaginar. Este “Reino” se iniciava naquela hora e nunca teria fim. Assim, vós permaneceis no meio dos discípulos como a sua Mãe, como Mãe da esperança.
Santa Maria, Mãe de Deus, Mãe nossa, ensinai-nos a crer, esperar e amar convosco. Indicai-nos o caminho para o seu Reino! Estrela do Mar, brilhai sobre nós e guiai-nos no nosso caminho!