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Espiritualidade


Diversidade de dons e um só Senhor
 
AUTOR: JOSÉ MESSIAS LINS BRANDÃO
 
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Neste nosso tempo de crise de vocações religiosas, como sopra o Espírito Santo no tocante às necessidades da Igreja? Pelo menos uma parte da resposta está com as novas associações de leigos.

Quando um dia São Francisco de Assis, Santo Ângelo e São Domingos de Gusmão encontraram-se frente a frente, na cela deste último, no Convento de Santa Sabina, em Roma, puseram-se de joelhos, cada um admirando as virtudes e vocações dos outros dois. Na capela existente atualmente, nesse local, uma inscrição comemora o histórico acontecimento.

O que se deu ali foi um encontro de vias espirituais entre dominicanos, franciscanos e carmelitas, num contexto de grandes transformações sociais.

Convento de Santa Sabina..jpg
A cela onde São Francisco,
Santo Ângelo e São Domingos se
encontraram conserva-se ainda
hoje, transformada em capela, no
convento de Santa Sabina, em Roma

Naquela época, pelo início do século XIII, a Europa católica, perpassada por uma onda de riqueza e de progresso, corria o risco de afundar-se na admiração de si mesma e no gozo imoderado do luxo, esquecida de que sua vitalidade vinha da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Talvez como conseqüência do esfriamento do espírito cristão, heresias começavam a se infiltrar por toda parte.

O vento sopra onde quer (Jo 3, 8)

Três origens bem diversas, três experiências desiguais, três carismas distintos. Proveniente da burguesia, Francisco levava seus filhos espirituais a darem o exemplo do desapego aos bens do mundo, na alegria e no amor à cruz; Domingos, da nobreza castelhana, queria ver seus discípulos defendendo a pureza da doutrina da fé; o plebeu Ângelo e seus irmãos carmelitas eram chamados a mostrar as excelências do recolhimento e da contemplação, mesmo quando engajados no apostolado ativo.

As três ordens diferiam muito, mas um ponto sobretudo as unia: eram vozes proféticas, suscitadas pelo Espírito Santo para enriquecer e auxiliar a Igreja.

Ele sempre tem atuado assim ao longo da História da Salvação, suscitando múltiplos carismas segundo as circunstâncias e necessidades: “Há diversidade de dons, mas um só Espírito. Os ministérios são diversos, mas um só é o Senhor. Há também diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum” (1 Cor 12, 4-7).

Desde os homens e mulheres dos sécs. I e II, organizados para praticar a virgindade e se auxiliarem mutuamente, até os eremitas do séc. III; desde os primeiros cenóbios até a fundação beneditina, que havia de moldar a Europa cristã; desde as ordens de cônegos regulares, passando pelas ordens de cavalaria, as hospitalares, as de redenção dos cativos, as mendicantes até as dos clérigos regulares, aparecidos na época da grande crise que sacudiu a Igreja no século XVI; desde, por fim, as congregações clericais e laicais, as sociedades clericais de vida em comum até os institutos seculares, já no século XX – tudo foi obra do Espírito.

“O vento sopra onde quer; ouveslhe o ruído, mas não
sabes de onde vem, nem para onde vai” (
Jo 3, 8), disse Jesus, para mostrar como o Espírito Santo se comunica a quem quer e dos modos mais diferentes. Como acabamos de ver, foi o que se verificou durante 20 séculos no tocante aos cristãos que se associam em famílias espirituais.

O que foi reservado para nossos dias?

A vocação da “consecratio mundi”

Durante muito tempo, até cerca de 100 anos atrás, o conceito de vocação era reservado para exprimir o chamado de Deus para o sacerdócio e para a vida religiosa. A partir do pontificado de São Pio X (1903-1914), o aparecimento e a expansão de movimentos laicais levou a uma ampliação desse conceito, tornando-o aplicável também à vida dos leigos. Isso é o que mostra Frei Armando Bandera OP, conceituado teólogo espanhol (1).

Pio XII.jpg
 Pio XII: “A consecratio
mundi é essencialmente obra
dos próprios leigos.”

Falou-se de vocação para o matrimônio, para o celibato, para a santidade. Também da vocação de membro ativo do Corpo Místico de Cristo. Segundo anota Frei Armando Bandera, viu-se que Deus pode prover vocações não especificamente religiosas para fins de grande alcance.

Um importante passo nesse desenvolvimento se deu quando Pio XII declarou: “As relações entre a Igreja e o mundo exigem a intervenção dos apóstolos leigos. A consecratio mundi é essencialmente obra dos próprios leigos” (2).

Todos os Papas posteriores, incluindo João Paulo I em seu curto pontificado de 33 dias, retomaram essa expressão, explicitando-a, tirando- lhe as conseqüências, e mostrando como incumbe aos leigos essa consagração, sacralização ou santificação do mundo.

O encargo de edificar e santificar a ordem temporal

Paulo VI tinha particular apreço por esse tema. Certa vez ele explicou que essa vocação implicava resistir aos males de nosso tempo: “Outra tarefa [dos leigos] foi explicitada por um termo que, nos últimos anos, tornou- se um conceito básico: a consecratio mundi, a santificação do mundo. O mundo é um campo de atividade ao qual os leigos são chamados. O curso natural das coisas neste mundo, dependente de milhares de fatores que não podemos citar agora em detalhe,
empurra os acontecimentos numa direção que os pensadores de hoje, saudando-a ou condenando-a, chamam de ‘secularização’, ‘laicização’ ou ‘dessacralização’. (…) O apostolado dos leigos deve opor-se a essas correntes” (3).

O Concílio Vaticano II dedicou vários textos à questão do apostolado dos leigos, com destaque para a constituição Apostolicam actuositatem, na qual diz que lhes cabe auxiliar a Igreja a “penetrar e atuar com o espírito do Evangelho as realidades temporais” (n. 5).

Uma riqueza de carismas a serviço da Igreja e dos irmãos

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Paulo VI: “O mundo é um
campo de atividade ao qual
os leigos são chamados.”

Como outrora, em nossa época o Espírito Santo tem inspirado os fiéis a se associarem, mas chegou a hora dos leigos. “Pode-se falar de uma nova era associativa dos leigos”, escreveu João Paulo II, completando que, “brotaram movimentos e sodalícios novos, com fisionomia e finalidade específicas: tão grande é a riqueza e a versatilidade de recursos que o Espírito infunde no tecido eclesial e tamanha é a capacidade de iniciativa e a generosidade do nosso laicato” (4).

Meramente folheando o “Repertório das Associações Internacionais de Fiéis”, publicado pelo Pontifício Conselho para os Leigos, temos uma idéia da extensão desse fenômeno. São mais de 300 páginas, descrevendo 123 associações, movimentos eclesiais e comunidades que receberam a aprovação oficial da Santa Sé.

Envolvem milhões de fiéis atuando nos mais variados campos, com a criação de obras culturais, sociais, educativas e caritativas. Levam um incontável número de pessoas à recuperação da fé, à conversão, à inserção na vida eclesial, e se tornaram uma abundante fonte de vocações sacerdotais e religiosas. De outro lado, têm papel fundamental em muitas iniciativas da Igreja, como, por exemplo, as Jornadas Mundiais da Juventude.

A riqueza dos carismas, das finalidades e das formas associativas causa assombro. Segundo é explicado na página-web do Pontifício Conselho para os Leigos, isso tornou árdua a preparação do “Repertório”, sendo preciso pôr uma atenção especial “na exposição dos carismas, que estão na origem dessas realidades eclesiais, e para preservar os conceitos e as palavras- chave que caracterizam essas experiências”.

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São João Paulo II: “Pode-se
falar de uma nova era
associativa dos leigos.”


Um mesmo é o Senhor

Coordenar e orientar esse vasto e heterogêneo mundo, é função do Pontifício Conselho para os Leigos, dicastério da Cúria Romana. Atualmente está ele sob a sábia e prudente direção do Arcebispo Dom Stanis?aw Ri?ko, auxiliado por uma dedicada equipe, à testa da qual está o secretário, Dom Josef Clemens, e cujo subsecretário é um leigo uruguaio que dedicou sua vida à Igreja, o Prof. Guzmán Carriquiry.

Uma das funções essenciais desse dicastério é cuidar para que em cada associação se evite aquilo que pode quebrar a unidade da fé e da disciplina. Desse modo, tudo estará conforme com os dizeres do Apóstolo: “Há, pois, diversidade de graças, mas um mesmo é o Espírito; e os ministérios são diversos, mas um mesmo é o Senhor” (1 Cor 12, 4-5). (José Messias Lins Brandão; Revista Arautos do Evangelho, Fev/2006, n. 50, p. 32 à 34)

1) La vida religiosa en el misterio de la Iglesia; Madrid: BAC, 1984, p. 93.
2) Alocução aos participantes do II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, 5/10/1957.
3) Homilia no III Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, 15/10/1967.
4) Exortação Apostólica Pós-sinodal Christifideles laici, n. 29.

 
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