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Monsenhor João S. Clá Dias


Dona Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira: Os lustres de cristal e bronze
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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O nobre comportamento desse comerciante deixa-nos entrever como Dona Lucilia estimulava as almas, tão-só com sua doce e elevada ação de presença, a praticar a virtude.

Dona Lucilia em 1912 em Paris.jpgUm radioso e cálido Sol acolheu Dona Lucilia e os filhos, na sua chegada ao porto de Santos, onde os aguardava Dr. João Paulo, em 17 de abril de 1913. Antecipara ela seu regresso, deixando na Europa Dona Gabriela e os outros familiares.

Encerrava-se assim, ao pisar em terras brasileiras, um importante capítulo de sua vida. Enquanto o trem que a conduzia a São Paulo ia subindo com lentidão a Serra do Mar, Dona Lucilia voltava a contemplar aquelas elevações recobertas de exuberante mata tropical, salpicada aqui e acolá dos vistosos e por ela tão apreciados manacás, intensamente floridos. Tais impressões se mesclavam em seu espírito com a lembrança dos esplendores e tradições do Velho Continente que acabara de deixar.

Chegados à Estação da Luz, na capital paulista, lá estavam alguns domésticos para lhes dar as boas-vindas, recolher as bagagens e prestar-lhes pequenos serviços. Eram por certo os mais antigos da casa, a quem as saudades de tão longa ausência proporcionavam maior alegria pela volta daqueles que tanto respeitavam. Evidentemente os tempos eram outros. O espírito patriarcal e familiar impregnava ainda de profunda benquerença as relações entre as classes sociais, fazendo com que os reencontros entre patrões e empregados, após as separações prolongadas, se revestissem da doçura de verdadeiros acontecimentos de família.

Um curto trajeto de landau até a Alameda Barão de Limeira constituía a última etapa da longa viagem. Ao dobrar a última esquina, Dona Lucilia avistou o palacete Ribeiro dos Santos e em poucos instantes estava diante da escadaria de mármore da entrada principal. Alertados pelo rodar da carruagem, os membros mais novos da criadagem saíram à rua para receber os recém-chegados. Dona Lucilia os acolheu com palavras de bondade, que nunca lhe faltavam nos lábios, transbordantes de seu afável coração.

Trocadas as primeiras saudações, subiu ela os degraus, penetrando na atmosfera recolhida e nobre do santuário familiar. Quantas lembranças não lhe vêm ao espírito nesse momento! Começa a percorrer então, com vagar, aqueles ambientes tão adequados a seus gostos: a saleta de visitas, o salão… Porém, seu olhar torna-se interrogativo ao notar, em uma e outra sala, que os lustres já não eram os mesmos, nem condiziam com o ambiente. O que teria acontecido?

De fato, havia sido contratado um engenheiro para fazer algumas reformas na casa, durante a viagem da família à Europa. Dona Lucilia acabava de verificar que, infelizmente, a troca dos lustres não fora das mais acertadas. Sem qualquer sobressalto ou impaciência, indagou de alguns criados o destino dos antigos lustres de bronze, até que um deles lhe contou haverem sido vendidos a um pequeno comerciante do bairro.

Após um merecido e necessário repouso, depois da longa viagem, Dona Lucilia procurou reparar o erro cometido pelo engenheiro. No entanto, após percorrer algumas das boas lojas da cidade, constatou ser impossível conseguir lustres iguais ou melhores que os anteriores. Por isso, resolveu ir falar com o comprador dos antigos.

Deparou com o modesto comerciante sentado à porta de um barracão, limpando afanosamente as belas peças de cristal e a armação de bronze dourado, que faziam o encanto daqueles objetos, já desmontados.

Ao ver aproximar-se aquela distinta senhora, ele desde logo se levantou, tirando o chapéu em sinal de respeito. Dona Lucilia o cumprimentou amavelmente e explicou o ocorrido, fazendo-lhe ver a dificuldade em que se encontrava, e manifestou o desejo de readquirir os lustres. Perguntou-lhe quanto pediria por eles, ao que o homem, apesar de sua simplicidade, gentilmente respondeu:

– Mas, minha senhora, nada! Peço o prazer de servi-la.

Dona Lucilia não seria ela mesma se não recusasse:

– Não, isso não. O senhor aplicou dinheiro neles, gastou material de limpeza, está tomando seu tempo e tendo o trabalho de os polir. Ao comprá-los do senhor, compro-os beneficiados; é natural inclusive que eu lhe pague alguma coisa a mais.

Tendo diante de si tão nobre dama, o comerciante se sentia movido a gestos de cavalheirismo:

– É verdade, mas o prazer de servi-la me é mais valioso do que o próprio lucro. A senhora vai-me fazer o favor de ficar com os lustres.

Dona Lucilia respondeu:

– Nesse caso me desculpe, não posso ficar com eles. O senhor me deixa numa posição muito difícil, porque em São Paulo não há outros assim.

Ele continuou a insistir e nem gorjeta aceitou. Alguns dias depois, os lustres estavam de novo na casa dos Ribeiro dos Santos, perfeitos e reinstalados.

O nobre comportamento desse simples comerciante, mais próprio a figurar em páginas de histórias do Ancien Régime, deixa-nos entrever como Dona Lucilia estimulava as almas, tão-só com sua doce e elevada ação de presença, a praticar a virtude.

Extraído de: CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Dona Lucilia. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 2013, p.167-169. – Revista Arautos do Evangelho, Outubro/2013, n. 142, p. 24-25

 
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