Fale conosco
 
 
Receba nossos boletins
 
 
 
Artigos


Plinio Corrêa de Oliveira


A conversa perfeita
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 27/01/2020
 
Decrease Increase
Texto
Solo lectura
0
0
 
Dr. Plinio reitera a seguir sua visão sobre a arte da conversa como excelente meio de apostolado e amor ao próximo, por amor a Deus; além de constituir um ato que, conforme a promessa de Nosso Senhor, assegura a presença d’Ele entre nós, quando realizado em seu nome. Para ilustrar tal pensamento, Dr. Plinio nos descreve uma das mais célebres conversas da História, ocorrida há dois mil anos no caminho de Emaús...

Sobre a arte da conversa há um ponto a respeito do qual nunca será demasiado insistir. Quando tratamos, com espírito de Fé, acerca de assuntos da Igreja ou da civilização cristã, através de nossos lábios toma lugar no diálogo um interlocutor infinito: Nosso Senhor Jesus Cristo. Pois esta foi a sua promessa formal: “Quando dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, Eu estarei no meio deles” (cf. Mt 18, 20).

A presença divina sentida pela ação da graça

Devemos notar que o Redentor não disse: “Estarei a maior parte das vezes”, mas sim: “Estarei no meio deles”. Quer dizer, o principal atrativo da conversa entre católicos, versando a respeito de um tema não necessariamente religioso, mas visto sob o ângulo da doutrina da Igreja, consiste em que o grande interlocutor é Nosso Senhor Jesus Cristo.

Essa presença se realiza através da ação da graça, que Ele nos obteve derramando seu sangue infinitamente precioso no alto do Calvário. O Salvador no-la concedeu, a rogos de Maria Santíssima, quando fomos batizados, e ela se desenvolve e floresce enquanto conversamos. Sua atuação é tal que posso conhecer, além da graça dada a mim, a recebida pelo outro. E este, conversando comigo, conhece o dom celestial que me foi outorgado.

Por exemplo, nessa exposição, devido a uma particular atração exercida pelo tema, há consonância, consolação, estímulo, verifica-se um entusiasmo e uma comunicação de alma, tendo Nosso Senhor disposto que a graça seja uma em mim e outra em cada um de meus ouvintes. Em todos, ela é uma participação da vida divina, com fervores peculiares.

Imaginemos duzentas lamparinas acesas. Cada chama tem movimentos diferentes, mas é o mesmo fogo brincando com duzentos pavios. Assim é a ação da graça em nós, da qual nos damos conta apenas de modo confuso, e nem seria normal que o sentíssemos plenamente. Porém, o sabemos pelos ensinamentos e doutrina da Igreja.

Um agir deleitável e envolvente

Às vezes a conversa aumenta de dimensão e não nos lembramos de que Nosso Senhor está falando mais ricamente no fundo das almas. Porém, se ela se interrompe de modo brusco, temos a impressão de haver cessado algo que não deveria parar. Por exemplo, se me chamassem agora para atender um telefonema urgente, obrigando a me ausentar sem maiores palavras, não ficariam meus ouvintes com uma sensação de inacabado, de quem descia para um terra-a-terra do qual havia saído sem perceber, mas ao qual voltaria sem estranheza?

Tal é o modo de agir da graça. Ela nos vai falando aos poucos, deleitavelmente, não a percebemos e nos habituamos com ela. Quando emudece, dizemos: “Mas que vazio! Como aconteceu isso?!”

Emaús: a conversa perfeita

Normalmente a graça atua com linda sutileza. Os discípulos de Emaús somente reconheceram Nosso Senhor na hora da comunhão, quando partiu o pão e o distribuiu.
Com sua linguagem poética e rica em pormenores, o Evangelho descreve o episódio e o colóquio que então se estabeleceu.

Os dois discípulos caminhavam na estrada, rumo ao lugarejo chamado Emaús, comentando os fatos recentes ocorridos em Jerusalém, a perseguição e a morte do Salvador. Enquanto andavam e conversavam, Jesus se aproximou e começou a tomar parte na conversa, sem que eles O reconhecessem de imediato.

Nosso Senhor lhes pergunta sobre o tema que os trazia tão absortos. Assim faz o bom conversador: não muda de assunto conforme o que está na cabeça dele, mas entra na matéria tratada pelos outros.

Eles se espantam, e dizem: “Mas, como?! Tu és o único forasteiro em Jerusalém, e ignoras os fatos que nela aconteceram nestes dias?” (Lc 24, 18).

Jesus se mostra interessado, continua a lhes fazer perguntas e os ouve narrar os principais acontecimentos de sua Paixão e Ressurreição. À medida que conversavam, o ardor dos dois discípulos aumentava, pois o Redentor lhes concedia uma graça especial que preparava a alma deles para ouvi-Lo. Assim, formavam o trio perfeito.

Quando chegaram em Emaús, percebe-se, pela descrição, que eles estavam embevecidíssimos. Contudo, apenas no instante em que Nosso Senhor partiu o pão — Ele celebrou uma Missa; portanto, realizou a consagração — os discípulos O reconheceram: “Ah! O Mestre está aqui!”

Isso é propriamente a perfeição da conversa: uma revelação progressiva e, no auge, o interlocutor se mostra de corpo inteiro.

Interessante notar que, momentos antes, Nosso Senhor fizera menção de seguir adiante no caminho, separando-se deles. Então os dois discípulos, enlevados, pedem que Ele permaneça, porém não ousando dizer: “Está tão agradável a vossa companhia! Ficai junto a nós”. Não. Eles buscam um pretexto: “Senhor, permanecei conosco porque já é tarde e anoitece”. Cada um procura solucionar uma dificuldade como pode. Ora, Jesus Cristo é Deus. Que diferença representa para Ele a claridade do dia ou as penumbras do anoitecer?

Na realidade, os dois queriam Lhe dizer coisa diversa: “Vede, Senhor, não desejamos nos separar de Vós, porque nenhuma presença é igual à vossa. E vos apresentamos um pretexto, pois somos tão toscos que não sabemos sequer formular o verdadeiro motivo. Aceitai isso, mais como um gemido do que um argumento. Diante de vossa sabedoria, o que é um raciocínio? E face à vossa misericórdia, o que será esse pretexto?”

Contudo, Nosso Senhor desapareceu. Imaginemos a surpresa deles… O Salvador lhes havia dado o necessário para aquela fase da vida espiritual de ambos. Cumpria doravante se lembrarem sempre desse fato.

Os discípulos de Emaús foram logo procurar os Apóstolos em Jerusalém, para contar o ocorrido. Sem querer, transformaram-se em conversadores. Começaram a narrar o
colóquio mantido com Nosso Senhor. Em linguagem caseira, diríamos que foi um atraente “jornal-falado”: “Nós O encontramos, e Ele nos disse tais e tais coisas!”

Pensemos nos ensinamentos que Jesus lhes transmitiu ao longo da estrada! Provavelmente, a propósito de um bicho que atravessou o caminho, de uma ave que esvoaçou perto deles, de um lago junto ao qual passaram, etc., o Divino Mestre fazia comentários, a par das maravilhosas digressões sobre as Escrituras e profecias que d’Ele falavam.

Foi o modelo da conversa, porque embebida pelo amor de Deus, sendo um dos interlocutores o mesmo Jesus. Percebe-se como Deus, amando a si próprio, acendia nos discípulos o amor que os homens devem ter para com Ele. É o circuito perfeito.

Sob a luz do Espírito Santo

É o que a graça realiza entre nós, católicos. Em certos momentos ela age de tal maneira — é Nosso Senhor que atua, porque autor da graça — causando-nos a impressão de
que um terceiro está presente, invisível e infinitamente superior a todas as coisas.

Tal sucede nesta exposição. Imaginemos que amanhã sobreviesse um acontecimento em virtude do qual fôssemos obrigados a nos separar e viver isolados nas mais variadas regiões do mundo. Em determinado momento, um que se acha no Alasca entra em contato telefônico com outro no Pólo Norte, e lhe diz: “Recorda-se da última reunião de nosso movimento? Dos comentários sobre os discípulos de Emaús? Acabo de reler o texto daquela palestra de Dr. Plinio, e me lembrei que você estava ao meu lado…”

A ótima conversa e o convívio
agradável são aqueles animados
pelo amor de Deus e do
próximo, sob a proteção
de Maria Santíssima
“Ceia em Emaús” – Vitral da Catedral
de São Martinho, Colmar (França)

E os dois terão o mesmo pensamento: “Ah! O auditório São Miguel1 ! Ah, aquela convivência! O que é o viver católico! Naqueles sábados à noite, enquanto tantos jovens e adolescentes procuravam outras diversões, nós estávamos reunidos com Dr. Plinio e nos sentindo muito mais felizes do que aqueles. Estávamos sob as vistas de Nossa Senhora, num ambiente sacral, movidos pela Fé católica apostólica romana. Por isso, a graça de Deus chamejava entre nós. Era um só fogo aceso em muitos pavios. E todos nós nos alegrávamos!”

E assim chegamos ao fim dessa explanação, compreendendo não apenas a teoria da conversa, mas também a do convívio: quando conversamos animados pelo amor de Deus e do próximo, o convívio é agradável. Do contrário, o trato será detestável, sem afabilidade, marcado por um cunho revolucionário. Pois imaginemos uma conversa com determinada pessoa em estado habitual de violar, ao mesmo tempo, todos os Mandamentos. Ela mata, rouba, calunia, etc. O estar com essa pessoa se torna insuportável, um pesadelo. Não há o que conversar com ela.

Por outro lado, suponhamos um colóquio entre duas pessoas que se esforçam por cumprir de modo exímio os dez Mandamentos. É um céu. Sublime exemplo foi o célebre diálogo de Santo Agostinho com Santa Mônica, na hospedaria de Óstia2
.
Em suma, a ótima conversa é aquela iluminada pelo Divino Espírito Santo, realizada aos pés da Santíssima Virgem, em cujo Coração vive Nosso Senhor Jesus Cristo. O resto, no fundo, é fraude, vaidade e aflição de espírito. (Revista Dr. Plinio, Dezembro/2005, n. 93, p. 26 a 31)

1) Nome dado por Dr. Plinio ao antigo local onde realizava suas exposições plenárias. Situado na Rua Dr. Martinico Prado, 246, em São Paulo.
2) Cf. na “Dr. Plinio” número 34, uma exposição sobre esse tema.

 
Comentários