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Plinio Corrêa de Oliveira


A grande utopia
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 11/07/2019
 
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Em todos os séculos houve gente que sonhou com um mundo no qual um dia todos se amarão, algo na linha da fábula de La Fontaine sobre a paz firmada entre os lobos e as ovelhas. Citando São Luís Maria Grignion de Montfort, Dr. Plinio mostra a vacuidade dessa esperança.

Não é deste mundo a concórdia sem jaça, a paz perfeita e eterna entre todos os homens, todas as nações e todas as doutrinas, a felicidade total. Nesta terra de exílio, as carências, as dissensões, as catástrofes são inevitáveis. E uma visão cristã da vida leva, ao mesmo tempo, a circunscrevê-las quanto possível e a resignar-se a elas porque
inevitáveis.

Divisão inexorável

Esta dura lição, tão ingrata ao neopaganismo de nossos dias, lembro-a num texto áureo de São Luís Maria Grignion de Montfort, o incomparável apóstolo da devoção a Nossa Senhora.

Dissertando sobre a eterna luta entre a Virgem e a serpente, mostra-nos ele a vida dos povos antes de tudo como uma grandiosa, trágica e incessante guerra entre a verdade e o erro, o bem e o mal, o belo e o feio. Batalha esta sem a qual a existência terrena do homem, desfalcada do seu significado sobrenatural, perderia sua dignidade.

Comentando as palavras do Gênesis (3, 15) — “porei inimizades entre ti e a mulher e entre a tua posteridade e a posteridade dela” — observa com profundidade o grande santo:

“Uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu, inimizade irreconciliável, que não só há de durar, mas aumentar até o fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio” (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, Vozes, Petrópolis, 6ª edição, 1961, pp. 54- 55).

E ele passa em seguida a descrever a grande guerra que divide os homens inexoravelmente, até o fim da História. Tal guerra não é senão um prolongamento da oposição entre a Virgem e a serpente, entre a progenitura espiritual daquela e a progenitura espiritual desta: “(Deus) lhe deu até, desde o Paraíso, tanto ódio a esse amaldiçoado inimigo, tanta clarividência para descobrir a malícia dessa velha serpente, tanta força para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso, que o temor que Maria  inspira ao demônio é maior que o que lhe inspiram todos os anjos e homens, e, em certo sentido, o próprio Deus” (op. cit., p. 55).

Dentro deste quadro, a “clemente, piedosa, doce Virgem Maria” que o Doutor Melífluo, São Bernardo, cantou com tal suavidade na “Salve Regina”, nos é apresentada por São Luís Grignion como uma verdadeira torre de combate (Turris Davidica, exclama a Ladainha Lauretana).

Maria será sempre vitoriosa

Ao longo da História, até o fim do mundo, os filhos de Nossa Senhora batalharão contra os filhos de Satã. E a vitória final será dos primeiros, pela interferência da Mãe de Deus:

“Deus não pôs somente inimizade, mas inimizades, e não somente entre Maria e o demônio, mas também entre a posteridade da Santíssima Virgem e a posteridade do demônio. Quer dizer, Deus estabeleceu inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do demônio. Não há entre eles a menor sombra de amor, nem correspondência íntima existe entre uns e outros. Os filhos de Belial, os escravos de Satã, os amigos do mundo (pois é a mesma coisa) sempre perseguiram até hoje e perseguirão no futuro aqueles que pertencem à Santíssima Virgem, como outrora Caim perseguiu seu irmão Abel, e Esaú seu irmão Jacob, figurando os réprobos e os predestinados. Mas a humilde Maria será sempre vitoriosa na luta contra este orgulhoso, e tão grande será a vitória final que Ela chegará ao ponto de esmagar-lhe a cabeça, sede de todo o orgulho. Ela descobrirá sempre sua malícia de serpente, desvendará suas tramas infernais, desfará seus conselhos diabólicos, e até o fim dos tempos garantirá seus fiéis servidores contra as garras de tão cruel inimigo” (op. cit., pp. 56-57).

Pretender uma utópica reconciliação entre o bem e o mal, que resulte na composição de todos os interesses, direitos e línguas sob um governo universal, onde só reinem a fartura e a despreocupação — eis o retrocesso à orgulhosa Torre de Babel…

Bem entendido, nossos dias também têm sido sacudidos por esse entrechoque terrível, que não se confunde necessariamente com as guerras do século, mas tem alguma relação com elas. E sobretudo tem uma relação óbvia com as incontáveis revoluções que têm abalado o Ocidente, como fora predito por Nossa Senhora em Fátima.

Utopia, ilusão e mentira

A supressão dessa luta por uma reconciliação entre a raça da Virgem e a raça da serpente, rumo a uma era na qual a cessação utópica do entrechoque acarrete uma composição entre todos os direitos, todos os interesses, uma interpenetração de todas as línguas sob um governo universal que será tão-só fartura e despreocupação — eis a grande utopia contra a qual as massas se devem precaver. Eis o regresso (ou antes, o retrocesso) à orgulhosa Torre de Babel, que de todos os modos o neopaganismo procura reerguer. Eis a bandeira toda tecida de ilusão e de mentira com que, em todas as épocas, os demagogos procuram arrastar as massas insurrectas. (Transcrito do jornal “Última Hora”, Rio de Janeiro, 6/3/1981. Título e subtítulos nossos.)(Revista Dr. Plinio, Dezembro/2002, n. 55, p. 8 a 10).

 
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