Pelo fim do décimo-primeiro século, enquanto o Papa São Gregório XII, seguindo o exemplo de São Leão IX, trabalhava com fé e coragem invencíveis na reforma do clero. Deus suscitou um novo patriarca da vida solitária, um homem da mesma estirpe dos Antão, da Tebaida, dos Hilarião, da Palestina; um homem e uma Ordem que, pela vida penitente, deveriam servir de lição e de modelo ao clero e ao povo cristão, e atrair para sempre bençãos do Céu sobre toda a Igreja; uma Ordem que, após oito séculos, é ainda a mesma, sem nunca ter tido necessidade de reformas, nem em relação à pureza da fé, nem em relação à austeridade e à disciplina. Esse homem é São Bruno; essa Ordem é a dos Cartuxos
Bruno nasceu em Colônia, onde foi educado. Fez seus estudos na França, e o seu aproveitamento lhe pareceu a cátedra da escola de Reims. Manassés, Arcebispo de Teims, fê-lo seu camareiro, como se pode deduzir de alguns atos que Bruno assinou nessa qualidade. Mas os benefícios com que Manassés o cumulou não lhe fecharam os olhos para os excessos praticados por aquele prelado nem lhe esmoreceram o zelo. Bruno foi um dos principais acusadores de Manassés que, para puni-lo, o privou de seus favores. Bruno sentiu menos tristeza com os maus tratamentos do que com os escândalos armados pelo Arcebispo. Primeiro retirou-se para Colônia e, durante algum tempo, foi cônego de São Cuniberto; Deus, porém, chamava-os a um estado mais perfeito. Desde o tempo em que vivia em Reims, junto ao Arcebispo Manassés, Bruno projetara, juntamente com alguns amigos seus, abraçar a vida monástica.
Bruno e seus companheiros levaram uma vida angélica nas tétricas montanhas da Cartuxa. Eis como se expressa Guiberto, abade de Nogent, famoso escritor daquele tempo, sobre a maneira de viver dos primeiros cartuxos: "A Igreja foi construída quase no cume da montanha. O claustro é muito cômodo; mas os cartuxos não moram juntos, como os outros monges. As celas são construídas ao redor do claustro e cada religioso ocupa uma delas, na qual trabalha, dorme e toma suas refeições. Recebem do ecônomo, aos domingos, pão e legumes para a semana. Os legumes são os únicos alimentos que eles cozinham em suas celas; uma fonte lhes fornece água para beber e para outras utilidades, através de canais que desembocam nas celas. Aos domingos e dias santos solenes comem queijo e um pouco de peixe, quando os recebem de pessoas caridosas; pois não compram nada disso. Quanto ao ouro, à prata, e aos ornamentos da igreja, não os aceitam quando lhes são oferecidos. Um cálice resume a sua prataria. Não se reúnem às horas ordinárias; se não me engano, assistem à missa aos domingos e dias Santos. Raramente falam e, se têm necessidade de dizer alguma coisa, fazem-no por meio de sinais. O vinho que bebem é tão aguado que não tem o mínimo sabor e mais parece água. Usam o cilício em cima da carne; suas roupas são bastante dinas. São governados por um prior: o Bispo de Grenoble serve-lhes, às vezes, de abade. Porém, embora sejam pobres, dispõem de uma rica biblioteca.
Guiberto assim prossegue: Tendo o Conde de Nevers ido visitá-los este ano, num ato de devoção, compadeceu-se da pobreza em que viviam e enviou-lhes, ao regressar, algumas peças de prata de alto custo. Devolveram-nas, e o conde, edificado com a recusa, enviou-lhes couro e pergaminho, que sabia ser-lhes necessários na cópia de livros. Como as terras da Cartuxa são estéreis, semeiam pouco trigo; mas o compram com a lã de suas ovelhas, que viram em grandes rebanhos, Ao pé da montanha moram mais de vinte leigos, que os servem com muito carinho e que se ocupam com seus negócios temporais, pois os religiosos só se dedicam à contemplação. Em seguida, Guiberto refere-se ao grande número de conversões que o exemplo dos solitários da Cartuxa operou na França, e da diligência com que todas as províncias se empenharam em construir um mosteiro do mesmo instituto.
A pintura que o abade de Nogent nos faz da vida dos primeiros cartuxos, Pedro, o Venerável, acrescenta vários traços edificantes. Diz que usavam roupas de má qualidade, curtas e estreitas; que haviam delimitado uma certa extensão de terreno, além da qual nada aceitavam do que lhes era oferecido, fosse mesmo um punhado de terra; que tinham um número fixo de bois, de ovelhas, de mulas e de cabras; que, para não serem obrigados a aumentá-los, não recebiam mais de doze monges em cada estabelecimento, além do prior e de dezoito conversos e alguns criados; que nunca comiam carne, mesmo quando doentes; que na sexta-feira e no sábado só comiam legumes; e que às segundas, quartas e sextas comiam apenas pão escuro e bebiam água; que só faziam uma refeição por dia, exceto aos domingos, festas solenes, oitavas da Páscoa, Natal e Pentecostes; e que só ouviam missa aos domingos e dias santificados. Os seis primeiros companheiros de São Bruno foram Landuíno, os dois Estêvão, cônegos de São Rufo, Hugo, que era o único sacerdote da comunidade, André e Garin, leigos.
O maior consolo de Santo Hugo, Bispo de Grenoble, era fazer frequentes visitas a Chartreuse, a fim de edificar-se com a santa vida que levavam os piedosos solitários. Estes, porém, ficavam mais edificados com a humildade do Santo prelado do que ele com as suas austeridades. Santo Hugo vivia entre os monges como se fosse o último de todos. Seu fervor fazia com que esquecessem sua dignidade, e ele prestava os mais ínfimos serviços àquele com quem se alojava; pois, nos primórdios da fundação, a casa cela era ocupada por dois cartuxos. Seu companheiro queixou-se a São Bruno de que Hugo fazia questão de desempenhar as funções de um criado; mas sentia-se honrado em servir os servos de Deus.
Muitas vezes, São Bruno tomava a liberdade de mandá-lo de volta à sua Igreja. "Retornai às vossas ovelhas, elas precisam de vós; dai-lhes o que deveis". O Santo Bispo obedecia a Bruno como a um superior; porém, depois de passar algum tempo com seu povo, retornava à solidão. Pretendia vender seus cavalos e fazer a pé as visitas à sua diocese. São Bruno dissuadiu-o, receoso de que aquela singularidade parecesse uma condenação lançada aos outros Bispos, e também, de que ele pudesse tirar do fato uma glória vã. Hugo seguiu-lhe o conselho; mas sua humildade obrigou-o a suprimir tudo quanto não julgasse dever à dignidade episcopal. Juntamente com São Bruno, o Santo Bispo foi como que o pai dos cartuxos. Fez uma ordenação pela qual proibiu que as mulheres passassem pelas terras daqueles religiosos, pois temia que pudessem perturbar-lhes a solidão. A ordenação com mais verossimilhança data o começo do Instituto dos Cartuchos.
Tendo sido o Papa Urbano II, que fora discípulo de São Bruno, em Reims, informado da santa vida que este levava, há seis anos, nas montanhas da Cartuxa, e, aliás, ciente da sua erudição e sabedoria, chamou-o para junto de si a fim de aproveitar seus conselhos no governo da Igreja. O humilde solitário não poderia receber uma ordem que mais lhe custasse a obedecer. Teria que se arrancar da querida solidão, deixar os irmãos ternamente amados e arriscar-se a ver dispersar-se o pequeno rebanho reunido com tanta dificuldade; mas seu respeito pela Santa Sé não lhe permitiu fazer ponderações. O Papa recomendou a Cartuxa a Seguin, abade da Chaise-Dieu, notável pela piedade e autoridade; e Bruno nomeou Landuíno prior da Cartuxa durante a sua permanência na Itália.
Mas os solitários, habituados a sofrer alegremente as maiores austeridades, não conseguiram suportar a ausência de seu pai. A Cartuxa, que, estando ele presente, lhes parecia um paraíso terrestre, retomou, aos olhos dos monges, o seu verdadeiro aspecto, isto é, o de um deserto tétrico e inabitável. Não conseguiram mais suportar os contratempos e a falta de conforto e foram-se embora, sem contudo separar-se. A deserção dos monges obrigou São Bruno a entregar a fundação a Seguin, abade de Chaise-Dieu. Entretanto, Landuíno, que fora nomeado prior, tão pateticamente exortou os irmãos a perseverarem que, após uma ausência não muito longa, eles retornaram à Cartuxa; foi-lhes esta devolvida pelo abade da Chaise-Dieu em 17 de setembro de 1090.
Bruno foi acolhido pelo Papa com a consideração devida à sua piedade e aos seus merecimentos; e o Papa, que conhecia sua prudência, frequentemente consultava sobre importantes negócios da Igreja; mas a confusão e o tumulto ligados à corte romana, para onde eram levadas todas as causas do mundo cristão, não apraziam a um religioso que já experimentara as doçuras da solidão e da contemplação. Bruno solicitou, pois insistentemente, permissão para tornar a enterrar-se na sua querida Cartuxa. O Papa apreciava-o demais para conceder-lhe o que pedia; insistiu para que aceitasse o arcebispado de Reggio; o piedoso solitário desculpou-se com tão sincera humildade, que Urbano II achou que não devia violentar-lhe a modéstia; consentiu, mesmo que se retirasse para um lugar solitário, na Calábria, onde levou, com alguns companheiros que conquistara para Deus, na Itália, uma vida semelhante à das montanhas da cartuxa. Rogério, Conde da Calábria e da Sicília, felicitou-se por abrigar em seus estados tão "Santa colônia", e doou aos religiosos algumas terras na diocese de Squillace, onde construíram um mosteiro denominado La Tour, cuja Igreja foi consagrada no ano de 1094.
Foi dessa solidão que Bruno escreveu a Radulfo Le Verd, então preboste da Igreja de Reims, seu velho amigo, convidando-o a renunciar ao mundo. Depois de agradecer-lhe as provas de amizade que lhe devia, pinta-lhe os atrativos do novo retiro. (...
Depois do elogio da solidão, São Bruno faz o elogio da vida solitária e insiste com o amigo para abraçá-la, cumprindo a promessa que fizera. Diz-lhe: "Sabeis ao que vos obrigastes e o quanto o Deus a que vos consagrastes é terrível. Não é lícito mentir-lhe; pois dEle não zombamos impunemente." Bruno relembra ao amigo as piedosas palestras por eles mantidas em Reims, em consequência das quais ambos se tinham comprometido a abraçar a vida monástica. Enfim, intima Radulfo a cumprir seu voto e exorta-o a fazer uma peregrinação a São Nicolau de Bari, a fim de que seja concedida a consolação de vê-lo. Contudo, Radulfo Le Verd permaneceu no estado eclesiástico e, mais tarde, foi elevado ao episcopado de Reims.
São Bruno escreveu, daquela mesma solidão, uma carta a seus irmãos da Cartuxa de Grenoble, congratulando-os, assim como a Landuíno, prior que viera visitá-lo, por tudo quanto soubera sobre eles, e para exortá-los à perseverança. Felicita em particular os irmãos conversos pela piedade e obediência de que dão provas. Ao terminar, afirma aos solitários da Cartuxa que tem um ardente desejo de vê-los; mas que não lhe é possível satisfazer tal desejo. São Bruno morreu santamente no seu mosteiro da Torre, na Calábria, no ano de 1101, num domingo, 6 de outubro, dia em que a Igreja lhe glorifica a memória, depois de Leão X tê-lo solenemente incluído no número dos Santos.