Pode-se perguntar como, sendo ainda tão criança, Jacinta chegou a compreender e a adquirir um tal espírito de mortificação e penitência.

Para a Ir. Lúcia, isto se deve a “uma graça especial que Deus, por meio do Imaculado Coração de Maria, concedeu à pequena pastora”. Mas esse dom divino não veio sozinho.

Para essa compreensão ajudou também poderosamente a visão do inferno e a desgraça dos que ali caem, o que “horrorizou Jacinta a tal ponto, que todas as penitências e mortificações lhe pareciam nada, para conseguir livrar de lá algumas almas”.

Com acerto observa a Ir. Lúcia que determinadas pessoas, “mesmo piedosas, não querem falar do inferno às crianças, para não as assustar. Mas Deus não hesitou em mostrá-lo a três, e uma de 7 anos apenas, a qual Ele sabia que havia de se horrorizar a ponto de lhe causar definhamento”.

Essa atitude de Nosso Senhor e de sua Mãe bondosíssima, mostrando aos pastorinhos a visão daquele lugar de tormento, bem mostra como a meditação sobre os castigos eternos é adequada para os homens e mulheres de nossa época, sejam crianças, jovens ou adultos. Constitui ocasião de preciosas graças, não só de conversão, mas também de perseverança e afervoramento na vida espiritual.

Hoje, muito mais do que em 1917, as pessoas se entregam ao pecado e a toda espécie de más ações, sem se incomodarem com as consequências, não apenas para esta vida, mas, sobretudo, para a outra, correndo o risco de condenação eterna.

Jacinta, compreendendo tudo isto muito bem, nunca mais deixou de pensar na desgraça irremediá­vel das almas condenadas ao inferno.

Mais do que tudo, causava-lhe angústia a ideia de um castigo sem fim.

Às vezes, sentada numa pedra, punha-se a pensar, e dali a pouco perguntava a Lúcia:

— Aquela Senhora disse que muitas almas vão para o inferno! E nunca mais vão sair de lá?

— Não!

— E mesmo depois de muitos, muitos anos?

— Não! O inferno não acaba nunca!

— Mas, olha: então, depois de muitos e muitos anos, o inferno ainda não acaba? E aquela gente que está ardendo lá não morre? E não vira cinza?! E, se a gente rezar muito pelos pecadores, Nosso Senhor os livra de lá?! E com os sacrifícios também? Coitadinhos! Temos de rezar e fazer muitos sacrifícios por eles!

Depois, lembrando-se das misericordiosas palavras de Maria, acrescentava:

— Que boa é aquela Senhora! Já nos prometeu levar para o Céu!

Outras vezes, meditando nos sofrimentos reservados aos pecadores que morrem sem arrependimento, Jacinta estremecia de pena, ajoelhava-se e, de mãos postas, recitava a oração que Nossa Senhora lhes tinha ensinado:

— Ó meu Jesus! Perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as alminhas todas para o Céu e socorrei principalmente as que mais precisarem.

E permanecia assim, muito tempo, de joelhos, repetindo a mesma oração.

De vez em quando, chamava pela prima ou pelo irmão, como que acordando de um sonho:

— Francisco! Francisco! Estais a rezar comigo? É preciso rezar muito para livrar as almas do inferno! Para lá vão tantas, tantas!

Por esse motivo, também a impressionava muito o que Nossa Senhora anunciara a respeito da Segunda Guerra Mundial. Jacinta parecia compreender com muita clareza todas as desgraças que essa guerra traria para a humanidade e, sobretudo, para as almas dos pecadores.

Quando Lúcia, vendo-a pensativa, procurava saber com que se preocupava, por vezes respondia:

— Nessa guerra que virá. Nas muitas pessoas que vão morrer e ir para o inferno! Que pena! Se deixassem de ofender a Deus, nem viria a guerra, nem iriam para o inferno!

Em outras ocasiões perguntava-se:

— Por que Nossa Senhora não mostra o inferno aos pecadores?! Se eles o vissem, não mais pecariam, para não irem para lá!

Essa preocupação com as almas dos pobres pecadores tornava-se ainda mais viva quando a cristalina virtude de Jacinta chocava-se com alguma má ação ou dito ofensivo a Nosso Senhor. Então encobria a face com as mãos, e dizia:

— Ó meu Deus! Esta gente não sabe que, por dizer estas coisas, pode ir para o inferno?! Perdoai-lhes, meu Jesus, e convertei-os. Com certeza não sabem que com isso ofendem a Deus! Que pena, meu Jesus! Eu rezo por eles.

E logo repetia:

— Ó meu Jesus, perdoai-nos… etc.