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Contos Infantis


Um Rosário extraviado no bosque
 
AUTOR: IRMÃ LUCÍA ORDOÑEZ CEBOLLA, EP
 
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"Um Terço, por mais simples que seja nunca é ordinário!", repreendeu Mário. "Devemos buscar seu dono, pois deve estar  bem triste por havê-lo perdido".

Aquele bosque sempre fora muito atraente! Seu ar de mistério e suas árvores centenárias, cujas folhas filtravam os raios do Sol, eram um cenário perfeito para o entretenimento dos meninos da aldeia, que gostavam de aventura. Sobretudo nas férias ou fins de semana, via-se grupos deles correndo por todos os lados, perdendo-se em meio às sombras da vegetação, enquanto ecoavam, ao longe, gritos alegres.

Durante a guerra, refugiaram-se ali os soldados da retaguarda. Por isso ficaram, um pouco por toda parte, cartuchos vazios, restos de pólvora e chumbo, e outros apetrechos, tornando o lugar ainda mais atraente para a criançada.

Certo dia, dois amigos, Mário e Alexandre, passeavam entre as árvores em busca de alguma novidade. Haviam sido companheiros de escola e sempre passavam as férias juntos. Mário ainda morava na aldeia, mas Alexandre havia se mudado com a família para a capital. Iam conversando animadamente sobre qual seria seu futuro. Afinal, estavam terminando o colégio e talvez não mais se encontrassem.

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Veja, é um Rosário! Devemos
buscar seu dono.

– Vou ser médico – disse Alexandre – Já estou estudando para entrar na Faculdade. Quero ajudar às pessoas! Fiquei comovido por ver como sofriam os soldados durante a guerra sem ter um doutor para auxiliá- los. E você, já se decidiu?

– Ainda não… – respondeu Mário.

– Puxa! Mas você já está no último ano. Precisa tomar uma resolução!

– Eu também gostaria de escolher uma profissão para ajudar as pessoas. Mas a medicina não me atrai.

Mário e Alexandre caminhavam devagar e a conversa ia tomando ares de reflexão. De repente, viram brilhar algo no meio de um arbusto e instintivamente apertaram o passo. Era um Terço de madeira, gasto pelo uso, cuja cruz de metal reluzia à luz do Sol.

– Veja, é um Rosário! – exclamou Mário, pegando-o e logo beijando o crucifixo.

– Ah! É só um Terço ordinário…

– retrucou Alexandre.

– Um Terço nunca é ordinário, por mais simples que seja! – repreendeu Mário – Devemos buscar seu dono, pois deve estar bem triste por havê-lo perdido.

Alexandre tentou dissuadir o amigo. A aldeia não era tão pequena… e, ademais, poderia pertencer a algum dos milhares de soldados que passaram por ali durante a guerra. Mário, então, decidiu levá-lo até a Ermida, localizada no centro do bosque, e depositá- lo aos pés de Nossa Senhora. Talvez quem o perdera fosse buscá-lo lá e o encontrasse.

Chegando à Ermida, Mário convidou seu amigo para entrar com ele e rezarem juntos a Maria Santíssima, como sempre o fizeram, mas Alexandre não quis acompanhá-lo. Preferiu esperar do lado de fora, contemplando as maravilhas da natureza…

Mário entrou e lá ficou. Passaram-se cinco minutos, quinze minutos, meia hora, e nada de ele sair! Impaciente, Alexandre se perguntava o porquê de seu amigo tardar-se tanto tempo lá dentro…

Por fim apareceu. Vinha sorrindo e parecia iluminado.

– Que aconteceu? Por que você demorou tanto? – indagou Alexandre.

– Decidi o que vou ser: sacerdote!

– Como? Que ideia é essa?

– Sim, você será médico de corpos e eu serei médico de almas! Hoje vi claramente diante de Nossa Senhora qual era minha vocação e pedi muito a Ela para me ajudar a entrar logo no seminário e me transformar em um sacerdote santo.

Alexandre não ousou dizer mais nada. Regressaram para a casa de Mário, e terminadas as férias cada um tomou o próprio rumo. Alexandre entrou para a Faculdade de Medicina e Mário ingressou no Seminário Diocesano. Os dois perderam o paradeiro um do outro.

Vinte anos se passaram, e padre Mário foi designado capelão do Hospital Modelo da capital. Ali se deparou com seu antigo amigo, agora renomado clínico e cirurgião. Havia progredido muito profissionalmente, mas, infelizmente, preocupava-se apenas com assuntos concretos, sem se importar com a vida espiritual.

Um dia, o padre e o médico encontraram-se no quarto de um pobre doente que não parava de gemer. Depois de examiná-lo, o doutor Alexandre disse não entender a razão daqueles lamentos. A doença estava regredindo e não havia causa orgânica para as dores que pareciam atormentá-lo.

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Padre Mário tirou um Terço
de madeira do bolso e
estendeu-o ao enfermo.

– Ai, ai, ai, doutor! E vou morrer… e não terei salvação! – repetia o enfermo, angustiado.

O sacerdote se aproximou para procurar animá-lo, exortando-o a ter confiança na Mãe de Deus. E convidou- o para rezarem juntos o Rosário.

– Nem me fale em Rosário!

– Mas, por quê? Não há criatura mais doce e bondosa do que Maria…

O pobre homem contou-lhe sua história. Pouco mais de vinte anos atrás fora soldado na guerra. Antes de partir, sua mãe lhe dera um Rosário, fazendo-lhe prometer que o levaria sempre consigo e o rezaria diariamente. Durante algum tempo, o militar atendeu àquele pedido, mas não resistindo à zombaria dos companheiros, ao passar pelo bosque de uma aldeia jogou o Terço num arbusto. Desde aquele dia, a consciência lhe pesava enormemente e não se sentia digno de rezar a Nossa Senhora, nem de olhar para uma das suas imagens.

O sacerdote e o médico se entreolharam estupefatos! A aldeia era sua aldeia da infância, e o Rosário era o que encontraram!

Padre Mário tirou um Terço de madeira do bolso e estendeu-o ao enfermo, dizendo:

– Pois aqui está seu Rosário! Se Maria quis que lhe fosse devolvido, era porque queria manifestar-lhe seu perdão!

A fisionomia do doente se iluminou. O padre narrou-lhe então a cena ocorrida havia vinte anos, e como devia sua vocação sacerdotal àquele Terço que guardara como lembrança da graça recebida, e com o qual passou a rezar todos os dias.

O médico ouvia padre Mário, banhado em lágrimas. Percebendo o quanto havia se afastado de Deus, perguntava-se: “De que adianta ser um grande profissional à custa de deixar abandonada a própria alma?”.

Médico e paciente pediram a Confissão e recuperaram a paz. O velho soldado logo recebeu alta e saiu do hospital. E doutor Alexande e padre Mário ainda trabalharam juntos por muitos anos, na mais feliz harmonia: um curava os corpos e o outro trazia a saúde às almas.

(Revista Arautos do Evangelho, Março/2011, n. 111, p. 46 – 47)

 
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