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Palavra dos Pastores


A vida dos missionários na Amazônia
 
AUTOR: CHARLE MARQUES
 
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Entrevista com Dom José Afonso Ribeiro

Charle Marques

A cidade de Borba, fundada por volta de 1730 pelo missionário jesuíta Pe. João Sampaio, situa-se em plena região amazônica, a 150 quilômetros de Manaus. Sem rodovia de acesso, a ela só se chega de avião ou de barco.

Desde 1963, ela é sede de uma Prelazia territorial onde um reduzido número de missionários enfrenta todo tipo de dificuldades para levar aos habitantes – esparsos na média de um por quilômetro quadrado – a mensagem salvadora do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. À frente desses dedicados mensageiros da Boa Nova se encontra Dom Frei José Afonso Ribeiro, da Ordem Terceira Regular de São Francisco (TOR), nascido em Poconé (MT).

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Navegando no Rio Madeira

Ordenado bispo em 5 de maio de 1979, Dom José Afonso prestou relevantes serviços à Santa Igreja em diversas funções, até ser designado para a Prelazia de Borba, em 1988. Nem o cansaço nem as enfermidades impedem esse bispo de 75 anos de continuar, como o Apóstolo Paulo, “combatendo o bom combate” da Fé.

Navegando pelas águas dos imponentes Rios Amazonas e Madeira, lá foram visitá-lo os Arautos para pedirlhe que conte aos leitores de nossa Revista algo da vida de um missionário na Amazônia.

Arautos do Evangelho: Antes de tudo, o que acha V. Excia. do povo amazonense?

Dom José Afonso Ribeiro: Muito simpático, muito bom e muito atraente. Sinto-me inteiramente bem aqui, onde estou há 17 anos. É um povo de grande simplicidade, bastante acolhedor, para o qual se torna fácil fazer uma comunidade. Quando chegamos a uma casa, os moradores a colocam à nossa disposição, como se fosse a nossa própria casa. É verdade o contrário também. Quando eles chegam aqui, já vão entrando até a cozinha; lá, se tem café, eles tomam; se não tem, eles mesmos o fazem. E assim por diante, é uma vida de comunidade mesmo.

AE: Um bispo sempre enfrenta dificuldades. Quais são as principais nesta Prelazia?

Dom José Afonso: Em primeiro lugar, a grande distância entre as paróquias. A Prelazia abrange uma área de 172 mil quilômetros quadrados, nos quais estão espalhados seus 180 mil habitantes. Não existem estradas, as viagens são feitas em barcos lentos e incômodos. Os demais meios de comunicação também são muito limitados. Tudo isto agravado pelo fato de dispormos apenas de onze sacerdotes, três religiosas e uma missionária leiga.

AE: Logo, suas prioridades são…

Dom José Afonso: Formação de sacerdotes, de religiosas, de agentes de pastoral. O aumento de vocações aumenta

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D. José Afonso com membros de uma comunidade

nossa preocupação com o seminário. Aqui faltam recursos financeiros para tudo. Mas estamos lutando para formar padres nossos, padres formados aqui na Amazônia. Esta é uma grande preocupação nossa, que estamos procurando atender. Além da manutenção do seminário, estamos empenhados na conclusão da catedral e de uma casa de retiros.

AE: Uma área territorial imensa estando a cargo de poucos sacerdotes com poucos recursos, significa que sobra muito trabalho para cada um. Como é o dia-a-dia de um padre nessas condições?

Dom José Afonso: Ele precisa estar continuamente se preparando, analisando as características e os problemas de cada comunidade que vai visitar, porque não pode esperar tudo da sorte. Se bem que freqüentemente, ao chegar, ele encontra circunstâncias diferentes e tem de adaptar seu programa… Mas, enfim, tendo essas coisas já previstas, ele entra no barco, com um motorista e um cozinheiro, e parte. É uma viagem penosa, porque, como disse, o barco é incômodo e muito lento. Ele come e dorme no barco, pois nessas comunidades distantes não há casa em condições de lhe dar hospedagem e, às vezes, nem sequer de lhe oferecer refeições.

Chegando a uma comunidade, ele se apresenta na capela, vai visitar as famílias e logo começa a preparação para os sacramentos, faz um incentivo à equipe de liturgia, celebra a Missa, faz reuniões com os coordenadores das diversas pastorais, organiza Primeira Comunhão, Batismos, Crismas… enfim, trabalho não lhe falta. Os fiéis – em geral, pessoas simples e pobres – acolhem o padre com alegria, escutam com atenção as pregações, participam das celebrações e, no final, manifestam muita gratidão por ele ter visitado sua comunidade.

Como se vê, é uma vida estafante. Quando o padre regressa, a gente nota que ele está magro, cansado, acabadinho, mas contente, realizado, não reclamando de nada.

AE: E os missionários estrangeiros se adaptam bem a esse regime de vida?

Dom José Afonso: Vou começar a responder pelo efeito que a presença de um sacerdote estrangeiro causa. É um grande entusiasmo para toda a nossa região, porque eles vêm cheios de entusiasmo, cheios de fé, dispostos a enfrentar a vida. Eles se dedicam totalmente, inclusive na promoção humana, correm riscos, passam por perigos.
Então, o povo reconhece todo esse benefício da parte deles.

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Dom José Afonso: “Eu gostaria que nós fôssemos fiéis aos nossos
antepassados que trouxeram a Religião Católica para o Amazonas
Fotos: Sérgio Miyazaki

Mas a vida deles se torna mais complicada devido à dificuldade de inculturação. Imagine como é difícil a ambientação, por exemplo, de um italiano recém-chegado a esta região… Do que eles mais reclamam é da falta de companhia de pessoas com as quais possam conversar sobre diversos assuntos, no nível da formação que eles têm. Já no que diz respeito à parte de amizade, de fraternidade, eles encontram aqui mais até do que nos seus países de origem. Por isso eles normalmente não voltam, acabam se adaptando aqui.

E o povo tem por eles grande consideração, grande predileção mesmo. Se perguntar aos fiéis de alguma paróquia daqui se preferem um pároco brasileiro ou um estrangeiro… pode estar certo de que escolherão o estrangeiro.

AE: V. Excia. gostaria de enviar uma mensagem para todo o Brasil sobre o futuro da evangelização na Amazônia?

Dom José Afonso: Gostaria unicamente de recomendar a todos que ouçam, prestem atenção e assumam com os bispos do Brasil a preocupação que eles estão mostrando com a Igreja da Amazônia. O Amazonas é um estado que ainda está se desenvolvendo. Eu gostaria que nós fôssemos fiéis aos nossos antepassados que trouxeram a Religião Católica para o Amazonas, que continuássemos a manter essa bandeira para levá-la até o fim da História.

(Revista Arautos do Evangelho, Set/2005, n. 45, p. 12-13)

 
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