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Catecismo


Por que guardar o domingo?
 
AUTOR: PE. MAURO SÉRGIO DA SILVA ISABEL, EP
 
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O costume de consagrar a Deus determinados dias é quase tão antigo como a humanidade. No entanto, em nossa época, vai-se introduzindo insensivelmente o hábito de não observar o descanso dominical. A supressão do dia reservado ao Senhor acaba prejudicando o próprio homem.

Como você sabe, caro leitor, as olimpíadas eram um ato de culto dos gregos aos deuses do Olimpo; os meses de junho e agosto têm esse nome por serem dedicados a dois “divinos e imortais” imperadores romanos; e os germanos davam aos dias da semana o nome de cada um de seus deuses.

Esses povos desconheciam a existência do verdadeiro Deus, mas algo os levava a homenagear, a venerar e entregar-se a um ser superior a eles.

E quem percorrer a história das nações comprovará amplamente que o homem procurou sempre, de uma forma ou de outra, prestar a Deus um culto externo, pois o ser humano sente em si a necessidade de se purificar, de se recolher, de se renunciar. Sentimentos estes que se traduzirão por instituições, práticas ascéticas, orações, cantos e, sobretudo, oferendas e sacrifícios.

Deus imprimiu em nossas almas a necessidade de adorá-Lo! Na prática, contudo, o homem não pode ocupar todo o seu tempo em atos externos de adoração. Assim, ele reserva determinados dias e ocasiões para prestar culto a Deus, como se comprova pelas tradições de todos os povos.

Conveniência do repouso

Por outro lado, é altamente conveniente e até indispensável que, de tempos em tempos, o homem se abstenha dos trabalhos, pois assim restabelece as forças físicas e se torna capaz de retomá-lo com maior proveito.

Longe de representar um prejuízo para a produção, isso contribui eficazmente para qualificá-la. Proporciona também ocasião de cultivar a vida do espírito, sufocada pelas ocupações contínuas e absorventes, além de criar condições para um maior estreitamento dos laços familiares e de amizade.

Assim também nos ensina o próprio Senhor nosso Deus, o qual descansou após criar o universo, conforme canta a Liturgia das Horas, no II domingo do Tempo Comum: “Terminando tão grande trabalho / decidistes entrar em repouso, / ensinando aos que cansam na luta / que o descanso é também dom precioso.”

Preceito divino

A essa carência natural da humanidade, Deus acrescentou um mandamento: “Guardarás o dia do sábado e o santificarás” (Dt 5, 12).

O repouso assume, dessa forma, um caráter sagrado, e fica claro que se deve dedicar especialmente um dia da semana ao culto divino. “O fiel é convidado a repousar não só como Deus repousou, mas a repousar no Senhor, atribuindo-Lhe toda a criação, no louvor, na ação de graças, na intimidade filial e na amizade esponsal” (1).

O fundamento desse preceito não era só o exemplo da criação, mas, sobretudo, a libertação efetuada por Deus, no Êxodo: “Recorda-te de que foste escravo no país do Egito, donde o Senhor, teu Deus, te fez sair com mão forte e braço poderoso.

É por isso que o Senhor, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado” (Dt 5, 15).

O conteúdo do mandamento não é, pois, principalmente uma interrupção qualquer do trabalho, mas a celebração das maravilhas realizadas por Deus.

A nova Aliança

Com o advento de Cristo, iniciouse a nova Aliança, na qual celebramos em realidade tudo quanto antes era figura. “Aquilo que Deus realizou na criação e o que fez pelo seu povo no Êxodo, encontrou na morte e ressurreição de Cristo o seu cumprimento” (2). É Deus quem dá início à nova criação, fazendo “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21, 1), na qual o firmamento é a fé em Cristo, e a terra um coração puro que produz frutos em abundância. E obra muito maior do que libertar da escravidão o povo eleito foi a de arrancar-nos das trevas do pecado e nos conduzir à Terra Prometida verdadeira e eterna.

Tudo isto se consumou quando, três dias após sua morte, Jesus ressuscitou e apareceu aos seus discípulos “no primeiro dia da semana”, segundo o unânime testemunho dos Evangelistas. Sendo a Ressurreição o fato decisivo da missão redentora de Cristo – “Se Cristo não ressuscitou é vã nossa fé” (1 Cor 15, 14) – era lógico que nesse dia se fizesse sua rememoração perene.

O primeiro dia da semana tornou- se, pois, o “dia do Senhor”, ou seja, o domingo.

“Nesse dia devem os fiéis reunir-se para participar na Eucaristia e ouvir a palavra de Deus, e assim recordar a Paixão, Ressurreição e glória do Senhor Jesus e dar graças a Deus que os ‘regenerou para uma esperança viva pela Ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos’ (1 Pd 1, 3). O domingo é, pois, o principal dia de festa a propor e inculcar no espírito dos fiéis; seja também o dia da alegria e do repouso” (3).

A celebração do domingo

São abundantes os testemunhos da celebração do domingo na Igreja nascente. É fora de dúvida que, no início, a comunidade cristã teve de contentar- se em acrescentar a Eucaristia dominical à observância do sábado.
Mas, no final do séc. I, a dissociação era já um fato consumado, e logo os cristãos fariam da santificação do domingo o sinal por excelência do seguidor de Cristo.

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Desde os primeiros tempos da Igreja o
domingo é comemorado pelos fiéis com a
celebração Eucarística

Um documento da época nos permite entrever como se celebrava a assembléia dos fiéis: “Reunidos no dia do Senhor, o domingo, parti o pão e dai graças, depois de ter confessado os vossos pecados, a fim de que vosso sacrifício seja puro. Todo aquele que tiver contenda com seu irmão, não se junte convosco até ter-se reconciliado, para que não se profane vosso sacrifício” (4).

Numa carta a Trajano, no ano 112, Plínio o moço, governador da Bitínia, declara que os cristãos detidos “afirmavam que seu crime se reduzia a ter o costume de, em dias determinados, reunir-se antes do raiar do sol e cantar um hino a Cristo como a Deus”.

A celebração do domingo começava na véspera, ao pôr-do-sol, e dividia- se em duas partes: uma à noite na qual se cantavam salmos, recitavam- se orações e liam-se trechos da Sagrada Escritura; no raiar da aurora tinha lugar a parte eucarística do culto. Da primeira parte resultaram as vigílias; a segunda leva regularmente o nome de “oblatio”, enquanto que “missa” era a despedida dos catecúmenos.

Constantino foi o primeiro imperador a proibir, por uma lei civil, os trabalhos servis no domingo. Essa proibição tornou-se depois lei vigente em todos os domínios do império de Carlos Magno.

Testemunho até o martírio

Nos tempos de Diocleciano e Maximiano, o paganismo declarou guerra aos cristãos: as autoridades pagãs exigiram que eles entregassem as Sagradas Escrituras para serem queimadas, andaram destruir as basílicas consagradas ao Senhor e proibiram a celebração dos ritos sagrados e as reuniões de culto.

Vários cristãos renegaram assim a fé, mas muitíssimos outros confirmaram com seu próprio sangue o caráter sagrado do dia do Senhor.

Na cidade de Abitinas, ao celebrarem, segundo o costume, os mistérios do Senhor, 45 fiéis foram detidos, algemados e

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O esplendor da arquitetura e a
beleza da Liturgia estimulam a
participação dos fiéis  na Eucaristia
dominical (Missa na Catedral da
Sé São Paulo – Brasil)

enviados para Cartago.

Alegres e jubilosos, não cessavam, durante todo o trajeto, de cantar hinos em louvor ao Senhor. Compareceram um a um ao tribunal, diante do procônsul.

– Agiste contra a proibição dos imperadores, reunindo a todos estes? – perguntou ele ao sacerdote Saturnino.
– Celebramos tranquilamente o dia do Senhor, porque sua celebração não pode ser interrompida.

Após esta resposta, o santo sacerdote foi submetido a indizíveis tormentos, e resistiu até a morte. Logo depois foi chamado o dono da casa em que se haviam reunido: – Em tua casa fizeram-se reuniões de culto contra os preceitos dos imperadores? – inquiriu o magistrado.

– Sim, em minha casa celebramos os mistérios do Senhor.

– Por que lhes permitiste entrar? Era teu dever impedi-los.

– Não podia impedi-los, pois são meus irmãos, e nós não podemos viver sem celebrar os mistérios do Senhor.
Teve, então, o mesmo destino de Saturnino.

Não podia o sexo frágil ver-se privado da glória de tão grande combate.

Todas as mulheres do grupo alcançaram também a coroa do martírio.

Não faltou nem mesmo a candura das crianças que proclamavam cheias de ufania: – Sou cristão, e por própria vontade assisti à reunião junto com meus pais e meus irmãos.

Época conturbada da história da Igreja, mas na qual se viu brilhar como nunca a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo.

O domingo, hoje

Época tão diferente de nossos dias, nos quais se propaga por todos os lados a liberdade religiosa, mas a fé em Cristo, nosso Salvador, encontra- se como nunca apagada! Dar o sangue pelo dia do Senhor? Muitos não são capazes sequer de levantar-se uma hora mais cedo, cancelar um programa de televisão ou mesmo enfrentar a chuva para assistir à Missa dominical! A violência daqueles tempos também difere muito dos dias atuais. Entretanto, como explicar a felicidade na qual os mártires viviam, e o homem contemporâneo não consegue alcançar? A explicação é fácil: os primeiros cristãos tinham a Deus como centro de sua vida e se revigoravam todo domingo no banquete eucarístico.

Por isso, por mais ferozes que fossem as perseguições, encontravam forças para suportá-las, pois levavam Cristo dentro de si.

Diante das dificuldades que se encontrar a energia necessária para o caminho que devemos percorrer todas as semanas” (5).

Renovados por esse santo Sacramento, alcançaremos nosso fim e cumpriremos nossa missão nesta terra, até chegarmos ao domingo sem ocaso de uma vida com Deus.

1) João Paulo II, Carta Apostólica Dies Domini, n. 16.
2) Id. n.18.
3) Constituição Sacrossanctum concilium, n. 106.
4) Didaquê 14, 1.
5) Homilia no encerramento do Congresso Eucarístico Nacional, Bari, 29/5/2005.

(Revista Arautos do Evangelho, Fev/2007, n. 62, p. 34, 35 e 36)

 
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