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Palavra dos Pastores


A nova evangelização
 
AUTOR: REDAÇÃO
 
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Continuam hoje muito oportunos os luminosos ensinamentos dados a respeito da nova evangelização pelo então Cardeal Ratzinger, em discurso a catequistas e professores de religião, no ano de 2000.

DISCURSO AOS CATEQUISTAS E PROFESSORES DE RELIGIÃO

I – ESTRUTURA E MÉTODO

A estrutura: Todos têm necessidade do Evangelho

A Igreja evangeliza sempre e jamais interrompeu o curso da evangelização. Celebra todos os dias o mistério eucarístico, administra os sacramentos, anuncia a palavra da vida, a palavra de Deus, empenha-se pela justiça e pela caridade. E essa evangelização dá frutos: produz luz e alegria, dá o caminho da vida a muitas pessoas; e muitas outras, freqüentes vezes sem o saber, vivem da luz e do calor resplandecente dessa evangelização permanente.

Contudo, observamos um processo progressivo e preocupante de descristianização e de perda dos valores humanos essenciais. Uma boa parte da humanidade de hoje não encontra na evangelização permanente da Igreja o Evangelho, ou seja, uma resposta convincente à pergunta: como viver?

Eis por que procuramos – além da evangelização permanente, jamais interrompida e que nunca se deve deter – uma nova evangelização, capaz de se fazer ouvir por aquele mundo que não encontra o acesso à evangelização “clássica”. Todos têm necessidade do Evangelho; o Evangelho destina-se a todos e não apenas a um círculo determinado, e, portanto, somos obrigados a procurar novos caminhos para levar o Evangelho a todos.

Mas também se esconde nisto uma tentação, a tentação da impaciência, de procurar imediatamente o grande sucesso, os grandes números. E este não é o método de Deus. Para o reino de Deus como para a evangelização, é sempre válida a parábola do grão de mostarda. O reino de Deus recomeça sempre de novo sob este sinal. Nova evangelização não significa atrair imediatamente, com novos métodos mais requintados, as grandes multidões que se afastaram da Igreja. Não, não é esta a promessa da nova evangelização.

Nova evangelização significa não se contentar com o fato de que do grão de mostarda cresceu a grande árvore da Igreja universal, mas ousar de novo com a humildade do pequeno grão, deixando Deus escolher quando e como ele crescerá. As grandes coisas começam sempre do pequeno grão e os movimentos em massa são sempre efêmeros.

Nós vivemos ora na certeza exagerada da grande árvore que já existe, ora na impaciência de possuir uma árvore maior, mais vigorosa. Nós devemos, ao contrário, aceitar o mistério de que a Igreja é ao mesmo tempo grande árvore e minúsculo grão. Na história da salvação é sempre Sexta-Feira Santa e, ao mesmo tempo, Domingo de Páscoa…

O método: Jesus pregava de dia, de noite rezava

Desta estrutura da nova evangelização deriva também o método justo. Sem dúvida, devemos usar de modo razoável os métodos modernos para nos fazer ouvir, ou melhor, para tornar acessível e compreensível a voz do Senhor. Não procuramos somente escuta para nós, não queremos aumentar o poder e a extensão das nossas instituições, mas desejamos servir o bem das pessoas e da humanidade, dando espaço Àquele que é a Vida. Esta expropriação do próprio eu, oferecendo a Cristo para salvação dos homens, é a condição fundamental do verdadeiro empenho pelo Evangelho.

Desta lei da expropriação derivam conseqüências muito práticas. Todos os métodos razoáveis e moralmente aceitáveis devem ser estudados. Mas as palavras e toda a arte da comunicação não podem atingir a pessoa humana na profundidade à qual deve chegar o Evangelho.

Há alguns anos li a biografia de um excelente sacerdote do nosso século, Pe. Didimo, pároco de Bassano del Grappa (Itália). A este propósito, diz Pe. Didimo: “Jesus pregava de dia, de noite rezava”. Com esta breve observação, ele queria dizer: Jesus devia obter de Deus os discípulos. Isto é válido sempre. Nós não podemos ganhar os homens. Devemos obtê-los de Deus para Deus. Todos os métodos são vazios sem o fundamento da oração. A palavra do anúncio deve estar sempre imersa numa intensa vida de oração.

Devemos acrescentar mais um dado: “Jesus pregava de dia, de noite rezava” – isto não é tudo. Sua vida inteira foi um caminho rumo à cruz, uma ascensão rumo a Jerusalém. Jesus não redimiu o mundo com palavras bonitas, mas com seu sofrimento e sua morte. Sua Paixão é a fonte inexaurível de vida para o mundo; sua Paixão dá força à sua palavra.

O próprio Senhor formulou esta lei de fecundidade na parábola do grão que, ao cair na terra, morre (cf. Jo 12, 24). Esta lei também é válida até ao fim do mundo e – junto com o mistério do grão de mostarda – é fundamental para a nova evangelização.

II – OS CONTEÚDOS ESSENCIAIS

Conversão: abandonar a auto-suficiência

No referente aos conteúdos da nova evangelização deve-se ter presente que o Antigo e o Novo Testamento são inseparáveis. O conteúdo fundamental do Antigo Testamento está resumido na mensagem de João Batista: Convertei- vos! Não existe possibilidade de chegar a Jesus sem responder ao apelo do Precursor. Mais ainda, Jesus assumiu a mensagem de João na síntese de sua própria pregação: Convertei-vos e acreditai no Evangelho (cf. Mc 1, 15). Converter-se significa não viver como vive todo mundo, não fazer o que todos fazem, não se sentir justificado fazendo ações duvidosas, ambíguas ou más, simplesmente porque os outros também as praticam; começar a ver a própria vida com os olhos de Deus; portanto, procurar o bem, mesmo que seja desagradável; não tomar por base o juízo das multidões, dos homens, mas o de Deus. Em outras palavras, procurar um novo estilo de vida, uma vida nova. Tudo isso não implica em moralismo; reduzindo o Cristianismo à moralidade, perde-se de vista a essência da mensagem de Cristo: o dom de uma nova amizade, o dom da comunhão com Jesus e por conseguinte com Deus. Quem se converte a Cristo não pretende criar uma autonomia moral própria, não pretende construir com as próprias forças a sua bondade. “Conversão” (Metanóia) significa precisamente o contrário: abandonar a auto-suficiência, descobrir e aceitar a própria indigência, uma indigência dos outros e do Outro, do seu perdão, da sua amizade.

Anunciar Deus é ensinar a rezar

No apelo à conversão está implícito – é mesmo sua condição fundamental – o anúncio do Deus vivo. O teocentrismo é fundamental na mensagem de Jesus e deve estar também no centro da nova evangelização. A palavra-chave do anúncio de Jesus é: Reino de Deus. Ora, o Reino de Deus não é uma coisa, uma estrutura social ou política, uma utopia. O Reino de Deus é Deus. Reino de Deus significa: Deus existe. Deus vive. Deus está presente e age no mundo, na nossa, na minha vida. Deus não é uma remota “causa última”, Deus não é o “grande arquiteto” do deísmo, que construiu a máquina do mundo e agora se encontra fora. Ao contrário: Deus é a realidade mais presente e decisiva em qualquer ato da minha vida, em todos os momentos da História.

Uma vez mais, é preciso ter presente o aspecto prático. Não se pode fazer conhecer Deus unicamente por palavras. Anunciar Deus é introduzir na relação com Deus: ensinar a rezar. A oração é a fé em ato. E só na experiência da vida com Deus se manifesta também a evidência da sua existência. Eis por que são tão importantes as escolas de oração, de comunidade de oração.

Existe complementaridade entre a oração pessoal (sozinho aos olhos de Deus), a oração comum “paralitúrgica” (religiosidade popular) e a oração litúrgica. Sim, a liturgia é sobretudo oração; a sua especificidade consiste no fato de que seu sujeito primário não somos nós (como na oração privada e na religiosidade popular), mas o próprio Deus. A liturgia é actio divina, Deus age e nós respondemos à ação divina.

Seja-me permitida uma observação geral sobre a questão litúrgica. O nosso modo de celebrar a liturgia é freqüentemente racionalista demais. A liturgia torna-se ensinamento, cujo critério é fazer-se compreender; a conseqüência é, muitas vezes, a banalização do mistério, o prevalecer das nossas palavras, a repetição de fraseologias que parecem mais acessíveis e mais agradáveis aos povos. Mas isto é um erro não só teológico, mas também psicológico e pastoral.

A onda de exoterismo, a difusão de técnicas asiáticas de distensão e vazio mental mostram que falta algo em nossas liturgias. Precisamente em nosso mundo atual precisamos do silêncio, do mistério supra-individual, da beleza.

A liturgia não é invenção do sacerdote celebrante ou de um grupo de especialistas; a liturgia (o “rito”) cresceu num processo orgânico ao longo dos séculos, ela leva em si o fruto da experiência de fé de todas as gerações precedentes. Mesmo se os participantes talvez não entendam todas as palavras, eles percebem seu significado profundo, a presença do mistério que transcende todas as palavras.

Não reduzir Jesus Cristo a um Jesus histórico

Com esta reflexão, o tema Deus já se alargou e concretizou no tema Jesus Cristo. Só em Cristo e através de Cristo o tema Deus se torna realmente concreto: Cristo é Emanuel, o Deus conosco a concretização do “Eu sou”, a resposta ao Deísmo. Hoje é grande a tentação de reduzir Jesus Cristo, o Filho de Deus, a um Jesus histórico, a um homem puro. Não se nega necessariamente a divindade de Jesus, mas com certos métodos destila-se da Bíblia um Jesus à nossa medida, um Jesus possível e compreensível dentro dos parâmetros da nossa historiografia. Mas este “Jesus histórico” é artificial, é a imagem dos seus autores, não a do Deus vivo.

Cristo se oferece como caminho de minha vida. Seguir Cristo não significa imitar o homem Jesus. Uma tentativa como esta fracassa necessariamente. Seguir Cristo tem uma meta muito mais alta: fazer-se um com Cristo e assim alcançar a união com Deus. Estas palavras talvez soem mal aos ouvidos do homem moderno. Mas na realidade todos temos sede do infinito: de uma liberdade infinita, de uma felicidade sem limites. Toda a história das revoluções dos últimos dois séculos só se explica desta forma. A droga explica- se assim. O homem não se contenta com soluções abaixo do nível da divinização. Mas todos os caminhos oferecidos pela “serpente” (Gn 3, 5), quer dizer, pela sabedoria mundana, falham.
O único caminho é a comunhão com Cristo, realizável na vida sacramental. Seguimento de Cristo não é um assunto de moral, mas um tema “místico” um conjunto de ação divina e de resposta da nossa parte.

Seguir Cristo é participar de sua cruz, unir-se a seu amor, transformar nossa vida, fazendo nascer o homem novo, criado segundo Deus. Quem esquece a cruz esquece a essência do Cristianismo.

A vida eterna

Um último elemento central de qualquer evangelização autêntica é a vida eterna. Devemos hoje anunciar a fé com renovado vigor na vida quotidiana. Limito-me a mencionar aqui apenas um aspecto da pregação de Jesus que hoje é muitas vezes negligenciado: o anúncio do Reino de Deus é o anúncio do Deus presente, do Deus que nos conhece, nos ouve; do Deus que entra na História para fazer justiça.

Portanto, essa pregação é também anúncio do Juízo, anúncio da nossa responsabilidade. O homem não pode fazer unicamente o que lhe apetece. Ele será julgado. Deve prestar contas. Esta certeza é válida tanto para os poderosos como para os simples. Quando ela é honrada, são delineados os limites de qualquer poder deste mundo. Deus faz justiça, e só Ele a pode fazer por último. Nesse ponto teremos tanto mais êxito quanto mais formos capazes de viver sob o olhar de Deus e de comunicar ao mundo a verdade do Juízo. Desta forma, o artigo de fé do Juízo, sua potência formadora das consciências, é um conteúdo central do Evangelho, o qual é deveras uma Boa Nova. Ele o é para todos os que sofrem sob a injustiça do mundo e procuram a justiça. Compreende-se desta forma o nexo entre o Reino de Deus e os “pobres”, os que sofrem, e todos aqueles dos quais falam as bem-aventuranças do Sermão da Montanha. Eles são protegidos pela certeza do Juízo, pela certeza de que existe uma justiça. Eis o verdadeiro conteúdo do artigo sobre o Juízo, sobre Deus-juiz: há uma justiça. As injustiças do mundo não são a última palavra da História.

A bondade de Deus é infinita, mas não devemos reduzir esta bondade a uma pieguice afetada sem verdade. Só acreditando no justo Juízo de Deus, só tendo fome e sede de justiça é que abrimos o nosso coração e nossa vida à misericórdia divina.

(Trechos do discurso durante o Congresso dos Catequistas e Professores de Religião, 10/12/2000).

(Revista Arautos do Evangelho, Maio/2005, n. 41, p. 23 à 25)

 
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