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Espiritualidade


O Senhor não está na agitação
 
AUTOR: IR. ARIANE HERINGER TAVARES, EP
 
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A Revolução Industrial prometeu progresso e grandes realizações, mas o mundo que se embriagou de sua agitação encontrou a frustração e se fez surdo à voz da graça.

Depois do pecado original, e do consequente enfraquecimento da natureza humana, nosso espírito costuma inquietar-se por causa da desordem das paixões, fascinadas com aquilo que, mesmo sendo ilícito, lhes atrai. Mas há outra poderosa causa para a agitação, sobre a qual nos adverte São Pedro: “Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como um leão que ruge, buscando a quem devorar” (I Pd 5, 8).

Tendo-se revoltado contra Deus, Lúcifer e seus sequazes sofrem incessantemente os tormentos eternos e buscam, a todo custo, compartilhar sua desgraça com os homens, privando-os das alegrias da eterna contemplação. Para isso eles procuram influir nas almas das mais diversas formas, a fim de introduzir nelas a perturbação.

Um paroxismo de agitação

São Francisco de Sales qualifica tal gênero de inquietação como o maior mal que pode sobrevir ao nosso espírito, depois do pecado: “Assim, pois, como as sedições e asrevoluções civis dum Estado o desolam inteiramente e o impedem de resistir aos inimigos exteriores, também o espírito inquieto e perturbado não tem força bastante nem para conservar as virtudes adquiridas nem para resistir às tentações do inimigo”.1

Desde o início dos tempos, sempre o demônio procurou exacerbar esta debilidade, mas depois da Revolução Industrial conseguiu ele intensificá-la mais, até chegarmos ao paroxismo de agitação próprio à nossa época.

Influência da máquina na vida dos homens

É inegável que o desenvolvimento da tecnologia e da ciência geram inúmeros benefícios e facilidades para a sociedade contemporânea. Seria um absurdo, por exemplo, se as cirurgias fossem realizadas nos dias atuais sem o uso de anestésicos; se para o envio de uma mensagem fossem utilizados os pitorescos pombos-correios; ou se para deslocar-se de um país a outro fosse preciso empreender uma longa viagem em veleiro ou a cavalo, como antigamente.

Entretanto, o domínio da máquina e o mau uso da tecnologia trazem consigo problemas bastante complexos, cuja existência talvez nem seria cogitada em séculos anteriores. Um dos mais devastadores efeitos disso foi o surgimento de um espírito prático, assaz tendente à velocidade e ao esquecimento do sobrenatural. Sem sabermos bem como, ele penetrou a fundo na alma humana e afetou todo o seu modo de ser.

A presença da atividade mecânica foi sujeitando o homem em todos os âmbitos de sua vida e, progressivamente, foi ele ficando cada vez mais dependente da máquina e assimilando seu ritmo, quer seja no trabalho, no lazer, no convívio em família, em suma, em todo o universo da existência.

Mudança radical nas mentalidades

À medida que cresce o império tecnológico, sua influência tende a se fazer presente até mesmo nos campos mais elevados da vida humana, e a criar um modo de enfrentar e solucionar seus problemas de forma mecanizada. É uma nova mentalidade que se cria. A produção industrial em série exerce uma forte ação no homem moderno, padronizando as ideias e os gostos, levando- o ao fastio pesado e cheio de cansaço da massificação de tudo, que ele só interrompe para sentir o delírio excitante da televisão, dos meios de comunicação de massa ou das torcidas esportivas.

Até o século XIX, a maior parte das pessoas ainda levava uma vida muito estável, marcada pelos hábitos herdados de seus antepassados, rica em tradições e simbolismo. Contudo, com o surgimento das indústrias e as mudanças decorrentes de uma assimilação pouco sapiencial dos avanços científicos e tecnológicos, se operou uma mudança radical nas mentalidades. O “progresso” e o “desenvolvimento” prometiam uma era de paz e segurança, na qual o homem seria o rei absoluto de si mesmo e de suas ações.

Esta brusca transformação da cultura e dos ambientes causada pela Revolução Industrial exerceu uma profunda ação sobre as tendências humanas, incentivando a revolta das paixões, já desordenadas.

Um novo “dogma” passa a reger a sociedade

Com o equilíbrio da alma prejudicado pela velocidade dos acontecimentos e o espírito tomado pelas preocupações práticas, tornou-se fácil ao homem esquecer-se de Deus…

Ao longo do processo de industrialização, consolidou-se a ideia de que o progresso, a cultura e a técnica são, de per si, capazes de tornar a humanidade feliz. O otimismo invadiu os espíritos, a fruição de prazeres terrenos passou a ser o objetivo da existência, e o sofrimento e a dor foram banidos da face da terra. Cabia tolerá-los apenas enquanto não se encontrava um meio de erradicá- los.

Aproveitando-se deste estado de espírito reinante, o demônio procurou propagar a ideia de que só a máquina e a velocidade podem proporcionar ao ser humano um verdadeiro prazer, fazendo-o pensar que para gozar a vida é preciso estar sempre excitado.

O desejo da novidade passou a ser o “dogma” desta sociedade, levando o homem a se cansar rapidamente das coisas, querendo a todo momento substituí-las por outras. A estabilidade de outrora desapareceu. A calma necessária para elevar a mente a Deus tornou-se uma raridade. A contemplação, junto com muitas outras práticas da Religião, foi sendo cada vez mais relegada a um segundo plano, até desaparecer quase por completo da vida cotidiana.

A partir da era industrial formava- se um gênero de laicismo que não rejeitava a Deus de maneira categórica, mas não falava a respeito d’Ele e do sagrado, como também dava a entender que as coisas da Religião não têm importância, e com a máquina e a indústria o homem vive perfeitamente sem elas.

Quebrava-se, assim, de modo mais ou menos explícito, a necessidade da relação que deve existir entre as criaturas contingentes e o Criador, resultando no pragmatismo e materialismo de nossos dias.

A agitação afasta de Deus

Na vida espiritual existe um princípio que nunca falha: o que satanás promete é exatamente aquilo que vai tirar. E foi o que ele fez com a humanidade, no período que estamos analisando. Basta frequentar hoje qualquer um dos nossos grandes centros urbanos para o constatar: em vez de paz, encontra-se agitação; em vez de grandes realizações, frustração e infelicidade quase irreversíveis.

Em nosso mundo há um barulho, um ruído ensurdecedor que impede de escutar o timbre suave da divina graça. Tal barulho pode até ser considerado em seu sentido material. No entanto, mais do que isto, ele significa o tumulto de nossas paixões desordenadas, que nos levam a agir também de maneira desordenada.

As grandes cidades, sobretudo, estão marcadas por esta espécie de perturbação difusa, por uma agitação que embriaga e fascina. E se a alma se deixa levar pelo bulício do século, a suave voz de Nosso Senhor Jesus Cristo não chega até ela, que se faz surda à sua graça. Porque, como diz a Sagrada Escritura, “non in commotione Dominus” (I Rs 19, 11)… O Senhor não está na agitação e nem pode ser causa dela! (Revista Arautos do Evangelho, Março/2017, n. 183, pp. 18 à 20)

1 SÃO FRANCISCO DE SALES. Filoteia ou Introdução à vida devota. P.IV, c.11. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 1958, p.316-317.

 
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