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Plinio Corrêa de Oliveira


Voz flexível e ondulada
 
PUBLICADO POR ARAUTOS - 20/02/2019
 
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A voz de Dona Lucilia era muito flexível, ondulada, com uma capacidade extraordinária de fazer transparecer a significação moral e psicológica que ela quisesse comunicar-lhe. Isso tornava sua conversa muito agradável.

Dona Lucilia nunca foi cantora. Quando moça, tocava um instrumento bojudo e todo enfeitado com madrepérolas, chamado bandolim.

Como o clima em São Paulo sempre foi muito irregular, certa vez ela apanhou um resfriado bastante agudo, perdendo boa parte da audição por causa disso. Assim, ficou incapaz de tocar música, porque para isso é necessário ter um ouvido muito afinado. Entretanto, ela conservou o bandolim até o fim da vida, guardando certa nostalgia dele, mas não o tocava mais.

Voz comunicativa, principalmente em assuntos elevados

Contudo, mamãe tinha a voz muito flexível, ondulada. Não era nem um pouco cantante, mas uma voz com uma capacidade extraordinária de receber a significação moral e psicológica que ela quisesse comunicar-lhe. Assim, qualquer coisa dita por Dona Lucilia, conforme o caso, podia tomar uma inflexão muito comunicativa e persuasiva, o que tornava sua conversa muito agradável. Sobretudo quando se tratava de um assunto sério – não só no sentido de repreensão, mas também uma aprovação, um carinho sério, um tema elevado –, a voz dela ficava muito comunicativa.

Isso fazia com que ela, quando queria comunicar a confiança, tivesse inflexões de voz que transmitiam uma espécie de persuasão, a qual, à primeira vista, poderia parecer gratuita, mas analisando bem, via-se não ser assim.

A mim mesmo, como filho dela, em circunstâncias da vida de menino – porque o homem precisa ter confiança desde quando é pequeno –, como depois em situações da vida de moço e de adulto, várias vezes ela recomendou essa virtude, comunicando-a de modo a persuadir-me de que realmente era o caso de confiar e de manter-me tranquilo.

O menino Plinio é atingido pela caxumba

Lembro-me, por exemplo, de uma coisinha que é uma bagatela: o modo de ela tratar-me de uma caxumba.

Essa doença, se bem cuidada – evitando-se que a criança saia correndo pelo jardim, etc. –, não tem gravidade, mas é um pouquinho prolongada, e constitui para a criança uma eternidade ficar na cama. Não há criança que não tenha horror de permanecer na cama.

Ora, eu não sabia que a caxumba podia passar de um lado para outro do pescoço. Tive de um lado, e depois foi diminuindo. Mamãe – que conhecia esse predicado da enfermidade, mas não me dizia para eu não ficar apreensivo – me tranquilizava: “Olha, já está melhorando a sua caxumba!”

Eu ia apalpando, sentindo que diminuía, e já fazendo planos de sair correndo para o jardim, e de mil outras coisas de criança que não aguenta mais a cama.

Um belo dia eu disse a ela:

– Mamãe, uma coisa engraçada, estou com algo aqui.

– Meu filho, é que a caxumba passou para o outro lado.

Comecei a chorar, porque para um menino de seis anos isso pode significar uma catástrofe cósmica, universal…

– Não, mas você tenha paciência, isso passa como já passou desse outro lado – consolava-me ela.

Se uma outra pessoa dissesse isso eu urraria: “Isso não passa, isso não está acabando, não vês? Troca esse médico!” Eu não entendia bem o que ocorria. Como era possível aparecer a mesma doença do outro lado? Esse médico é um incompetente, não serve para nada!

Mas ela dizendo “isso passa” dava-me a persuasão de que passava mesmo, o tempo não seria tão longo, era suportável e, afinal de contas, durante a doença eu teria carinhos excepcionais dela, que compensariam a provação de ficar na cama.

“Tenha confiança!”

Podem imaginar o desfecho do caso: quando a caxumba estava quase curada, amanheci com uma indisposição de estômago violentíssima.

Meu quarto ficava ao lado do dela. Chamei:

– Mamãe, faz favor. Ela veio e eu lhe disse:

– Amanheci com isso.

– Filhão, a caxumba passou para o estômago…

– Mas isso se transmite para o estômago?! Passa para onde mais, para os olhos, para a língua…?!

– Esteja calmo, porque só dá nos dois lados do pescoço e no estômago; não em outro lugar. Agora é mesmo a última vez. Você esteja consolado. Veja bem, vou lhe arranjar um brinquedo. Tenha confiança!

Esse “tenha confiança” era dito de tal modo que eu começava a confiar e sossegava. Era o efeito comunicativo do timbre de voz dela, próprio ao de uma mãe, mas ao mesmo tempo com algo que eu seria levado a julgar como sendo sobrenatural, e que atuava profundamente sobre mim.

Embora eu tenha sido, em toda a minha vida, muito categórico, sossegava, deitava, recostava minha cabeça no meu travesseiro e começava a minha triste manhã de doente. Mas, com ela ao lado, não tinha problema, estava tudo resolvido: “Mamãe está lá, eu confio nela, porque ela leva consigo qualquer coisa de Deus que faz com que dê tudo certo.”

Intercâmbio de moções que aumentará nas mais difíceis circunstâncias

A grande quantidade de flores depositadas na sepultura de Dona Lucilia mostra como são tratados como filhos os que a ela recorrem. Aquilo tudo corresponde a graças recebidas, esperanças de novos favores, afeto e gratidão pelos benefícios obtidos. É uma coisa muito justa, muito razoável.

Além das flores, aquele tufo de gente que fica ali indefinidamente, sem programa de ir embora. Tanto podem sair de repente se chover, por exemplo, quanto não se incomodarem muito e permanecerem embaixo da chuva mesmo.

Por quê? Por estarem sentindo algo interior, uma graça que leva a pessoa, mais ou menos confusamente, a pensar: “Aqui está bom e daqui eu não saio.” Vê-se que há uma espécie de diálogo mudo entre a alma dela no Céu e as pessoas que estão rezando ali.

Esse intercâmbio de moções dever-se-á dar intensissimamente em circunstâncias difíceis como, por exemplo, durante os castigos previstos por Nossa Senhora, em Fátima. (Extraído de conferência de 28/2/1993) – (Revista Dr. Plinio, Maio/2017; n. 230, p. 6-7).

 
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