O Catecismo da Igreja Católica é um universo de maravilhas e cintilações. Nele, o cristão tem um guia e um manual de santidade que ultrapassa os tempos e as eras.

Ele nos ensina sobre os Mandamentos de Deus, sobre as virtudes teologais e cardeais, sobre o pecado e os vícios capitais e também sobre os dons do Espírito Santo, um dos grandes recursos que Deus concede para a nossa salvação. É o que veremos neste artigo.

O que são os Dons do Espírito Santo?

Os dons do Espírito Santo são disposições permanentes que fazem o homem tornar-se dócil ao impulso do mesmo Espírito. Jesus os descreve no Evangelho: “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade" (Jo 4, 23).

Essa permanente disposição é uma evolução das virtudes concedidas por Deus. Por serem dons do Eterno, eles não podem ser conquistados, apenas suplicados. A alguns o Senhor os dá como parte de sua missão na terra, a outros, os concede após intensas orações e pedidos constantes. É o caso,  por exemplo, de Salomão, que pediu a sabedoria e se tornou o Rei por Excelência, até que perdeu esse título por seu pecado de impureza.

Outro exemplo é o do Padre Antônio Vieira. Conta-se que, estando um dia a rezar na Igreja, o jovem Antônio, ainda frei, pedia um maior entendimento das Escrituras, pois achava de difícil compreensão os seus mistérios. De repente, ouve-se um estalo pela capela, e se levanta outro Antônio, aquele que conhecemos dos sermões magníficos. A tradição narra que foi neste episódio que o Senhor conferiu ao Padre Antônio Vieira o dom da inteligência e da ciência.

Quantos são os dons concedidos pelo Espírito da Verdade?​

O Paráclito, Aquele que desceu sobre os apóstolos no Cenáculo no dia de Pentecostes, nos concede, segundo a sua vontade, sete dons. Normalmente, representado por uma pomba, o Espírito Santo possui, nessas iconografias, sete caudas ou sete esplendores que o ilustram.

A Tradição Cristã dividiu os dons do Espírito Santo em dois grupos: os dons intelectuais e dons morais, que abarcam a totalidade do ser humano. Os primeiros são: sabedoria, entendimento (ou inteligência ), ciência e conselho. No segundo grupo encontramos a fortaleza, a piedade e o temor de Deus.

Antes de começarmos a explicar cada um, é necessário fazer uma distinção entre virtude e dom, pois podem ser confundidos. Enquanto a virtude é uma reta disposição a praticar o bem, o dom é uma permanente disposição em seguir os impulsos de Deus.

Como se configura isso na prática? A virtude pode ser conquistada naturalmente, até mesmo dependendo da índole da pessoa ou da formação recebida dos pais, precisando, porém, da graça de Deus para se tornar um hábito estável. Já, o dom é uma iniciativa divina, cuja atribuição depende totalmente do seu querer.

Como adquirir os dons do Espírito Santo?

A maneira normal, ordinária, que Deus se dispôs a nos conceder os dons do Espírito Santo é pelos Sacramentos do Batismo e da Crisma. Porém, o Batismo apenas nos abre a alma para recebê-los; é na Crisma que estes dons são dados em plenitude. Por isso, a importância do Sacramento da Crisma para a vida cristã.

Fora dessa situação, é Deus quem concede e administra seus dons, dando-os a uns em abundância e não os concedendo a outros em sua plenitude. Alguns os recebem pela sua vocação, como o Papa Gregório VII. Já que precisava enfrentar o Imperador da Germânia que fazia pouco caso de suas determinações, Deus lhe concedeu o dom da fortaleza para permanecer firme diante de todos os que queriam derrubá-lo.

Outro que possuía os dons do Espírito Santo, sobretudo o dom do conselho, era São Bernardo de Claraval. Os contemporâneos do Santo relatam que de sua boca não saíam senão palavras de vida eterna, de louvor e de socorro aos que o pediam. Podemos ver tal eloquência nas orações à Virgem que ele compôs, como o "Lembrai-vos, ó piíssima Virgem".

O primeiro entre os dons: a sabedoria

Começando pelo mais alto dos dons do Espírito Santo, sábio é aquele que possui a visão de Deus. Ele enxerga os acontecimentos como Deus mesmo os vê, de seu trono, e, por isso, sabe respeitar a vontade do Senhor quando e como acontece.

Esse dom, a sabedoria, também nos faz penetrar com maior consciência nos mistérios de Deus. Não que eles fiquem totalmente revelados, mas, para o sábio, o seu reluzimento é maior. E nós, cristãos, usufruímos das explicitações dos grandes Santos sábios, o que nos faz entender melhor os predicados divinos, como a bondade e a justiça.

Deus concede os seus dons com gratuidade, mas o faz em graus. Por isso, pode haver Santos que o possuam em maior abundância que outros, mas isto não os faz melhores ou piores, pois o que determina se uma pessoa é boa ou ruim é se está cumprindo o plano que o Senhor lhe destinou. Não há matéria para comparação: apenas admiração mútua entre os grandes amigos de Deus.

O dom do entendimento ou inteligência

A palavra inteligência vem do latim: intus legere, que significa “ler dentro”. O dom do entendimento faz o cristão penetrar a essência da Verdade Divina, concedendo uma maior clareza sobre o porquê das coisas.

Diferente do dom da sabedoria, que faz a pessoa como que degustar o sobrenatural, o dom da inteligência está ordenado para o espírito humano em sua relação com o Senhor.

Grandes Santos que possuíram o dom do entendimento em alto grau foram Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. A busca pela verdade através da razão e da consideração da realidade da Águia de Hipona (Santo Agostinho) e a “conversão”, se pudermos assim dizer, dos estudos de Aristóteles por parte do Aquinate (São Tomás de Aquino), revelam a profundidade com que penetraram no universo material.

Dom da ciência

Se a sabedoria faz o cristão enxergar a partir da perspectiva divina, e se o dom da inteligência o faz penetrar na realidade humana, o que faz o dom da ciência?

Esse dom do Espírito Santo está ordenado para a interpretação do aqui e agora, do presente. Ele nos faz correlacionar os acontecimentos recentes com a vontade do Senhor, e interpretar com cuidado a sua disposição.

O dom da ciência também nos concede um conhecimento profundo da criação material, e de como os seres estão dispostos neste grande mosaico que representa o Criador.

São Francisco de Assis, ao louvar as criaturas com o seu amor e os seus hinos, demostrava o dom da ciência que possuía.

Além disso, junto ao dom da ciência também vem a competência para uma melhor transmissão da fé. É por isso que os grandes pregadores rogam de modo especial a Deus por esse dom, para poderem se comunicar com o grande público da maneira mais adequada, seja no púlpito ou no confessionário.

Dom do conselho

Este dom é uma aplicação concreta do grande dom da sabedoria. Tendo visto a grandeza do plano de Deus na História, e sabendo discernir a sua vontade, o cristão, com o dom do conselho, pode traduzir em ações práticas o cumprimento da vontade divina.

Este dom também nos faz agir com esperteza e escapar das astúcias dos inimigos de Cristo, muitas vezes ultrapassando a própria habilidade da prudência humana. É por isso que o dom do conselho é chamado de “excelência da virtude da prudência”.

São João Bosco, agraciado com grande plenitude do dom do conselho, escapou das garras de malfeitores que queriam lhe matar. Muitas vezes, ele sugeria algo completamente diferente, mas que, no futuro, mostrava-se a melhor ação. A maioria dos fundadores, aliás, recebe do Espírito Santo o dom do conselho, para guiar com certeza a sua obra.

Dom da fortaleza

O dom da fortaleza não apenas nos faz fortes diante dos inimigos do Senhor, ele nos dá, também, uma disposição permanente para seguir o dom do conselho. Enquanto este dita o plano no campo intelectual, o dom da fortaleza leva o cristão a executá-lo sem medo.

Diante do mundo relativista em que vivemos, o dom da fortaleza é um dos mais ofendidos. Cede-se perante o mal e o pecado constantemente; o cristão perde a força de se manter fiel à sua crença e a Igreja, muitas vezes, é prejudicada pelas concessões daqueles que deveriam ser seus guardiões.

É necessário, por isso, rezar ao Espírito Santo e pedir que Ele venha comunicar o dom da fortaleza com abundância, para que o nome de sua Santa Esposa, a Igreja, volte a ser glorificado.

Dom da piedade e dom do temor de Deus

Enquanto o dom da piedade nos faz tratar as coisas da religião segundo a sua própria grandeza, regulando a nossa comunicação com Deus, o dom do temor de Deus nos faz realizar isso com um enorme respeito. Contudo, não é o respeito do escravo maledicente que quer destruir o seu senhor, porém, tem medo de morrer; mas o respeito do filho querido que não quer desagradar o seu pai.

O próprio Cristo manifestou esses dois dons, em especial na sua vigília no Horto das Oliveiras. Ficou longo tempo a rezar e pediu: “Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres” (Mt 26,39). É o exemplo supremo da oração e do respeito filial para com Deus.

Nossa Senhora também manifestou esses dons na visita do Anjo. Depois de São Gabriel ter anunciado a mensagem, com humildade e mansidão, Ela perguntou: “Como se fará isso se não conheço homem algum?” (Lc 1, 34). É a forma de, a partir do respeito filial que o temor de Deus nos impõe, questioná-Lo quando não entendemos os seus mistérios.