Em sua ação divina através de Israel, Jesus havia escolhido doze dentre seus discípulos, aos quais dera o nome de Apóstolos (cf. Lc 6, 13-16), preparando assim a fundação da sua Igreja.
Síntese do Evangelho
Era essa a ocasião propícia para apresentar de público uma suma dos ensinamentos que a Esposa de Cristo, ao longo dos séculos, haverá de guardar, defender e anunciar a todos os povos.
É o que Nosso Senhor vai fazer no Sermão da Montanha, verdadeira síntese do Evangelho.
Tem essa designação porque foi realizado numa montanha situada às margens do Mar de Tiberíades, próxima de Cafarnaum.
Esse Sermão é para a Igreja Católica o que “a legislação do Sinai era para a teocracia do Antigo Testamento”.
Mas no Monte Sinai “a palavra divina ribomba como um trovão, que enregela os corações; aqui ela é plena de suavidade”.
Cumpre observar que Jesus, para fazer esse magnífico sermão, escolheu uma montanha e não um vale.
A revelação dos Dez Mandamentos a Moisés operou-se também sobre um elevado monte, o Sinai; e a Transfiguração de Jesus, no Monte Tabor. Os locais mais altos simbolizam a maior proximidade com Deus.
“O fundo e a forma desse discurso são de uma beleza incomparável: ele contém a doutrina mais sublime, no estilo mais atraente. […] Só Deus pode ter semelhante linguagem”.
É o mais longo e importante dos sermões do Divino Mestre. São Mateus a ele dedica três capítulos (5, 6 e 7) e São Lucas lhe faz alguns acréscimos (cf. Lc 6, 17- 49).
Foi no Sermão da Montanha que o Redentor ensinou a mais bela das orações: o Pai-Nosso.
Em sua parte inicial, Jesus fala das oito bem-aventuranças, que se contrapõem frontalmente às máximas e aos costumes então vigentes.
O Divino Mestre prega
aos avarentos a pobreza, aos orgulhosos a humildade, aos voluptuosos a castidade, aos homens do ócio e do prazer o trabalho e as lágrimas da penitência, aos invejosos a caridade, aos vingativos a misericórdia, e aos perseguidos as alegrias do martírio.
Pobreza de espírito não significa carentes de dinheiro
Analisaremos as oito bem-aventuranças, destacando alguns aspectos que geralmente são esquecidos.
“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5, 3).
Explica Mons. João Clá que Nosso Senhor não está tratando aqui sobretudo da pobreza material.
Os “pobres de espírito” mencionados pelo Divino Mestre neste versículo não são os carentes de dinheiro, e sim os homens desapegados dos bens deste mundo, sejam estes muitos ou poucos, para seguirem a Jesus Cristo.
Em meio à abundância e prosperidade, pode um rico ser pobre de espírito, pela prática da caridade e pela submissão à vontade de Deus, em função da qual administra sua riqueza.
O santo homem Jó é disto um dos mais belos exemplos.
Após ter passado por terríveis provações – entre as quais a lepra –, Jó se manteve fiel a Deus, que lhe restituiu todos os bens em dobro: quatorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil juntas de boi e mil jumentas (cf. Jó 42, 10-12).
Por outro lado, um pobre, revoltado com a sua condição, dominado pela inveja, pela ambição ou pelo orgulho, será um “rico de espírito” ao qual o Reino dos Céus jamais poderá pertencer.
Lázaro possuía uma das maiores fortunas de Israel, entretanto era pobre de espírito.
E, em sentido oposto, Judas, por sua ganância, apesar de pouco ou nada possuir de bens materiais, foi traidor por ser “rico” (de espírito).
Consiste, portanto, a pobreza de espírito na aceitação da própria contingência, na compenetração da nossa total dependência de Deus, a quem tudo devemos, e na certeza de ser a nossa existência um mero caminho para chegar até o Céu.
Quem assim procede já é feliz nesta vida, pois, estando livre de todo apego desordenado e voltado para os bens espirituais, possui de alguma maneira, pela graça, a bem-aventurança eterna.
Valor do sofrimento aceito com resignação e dignidade
“Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados” (Mt 5, 4).
Na segunda bem-aventurança, enaltece Nosso Senhor aqueles que
suportam o sofrimento físico e a dor moral por razões sobrenaturais, como em expiação pelos próprios pecados ou – o que é mais nobre – em reparação pelas culpas alheias.
Bem-aventuradas são as santas lágrimas desses aflitos, que tanta consolação lhes podem trazer ao ajudá-los a ver o vazio dos bens passageiros e a merecer os eternos.
Bem-aventurados serão eles também porque Deus nunca deixa de confortar, já nesta terra, quem aceita a dor e, à imitação de Jesus Cristo, se ajoelha diante da cruz e a oscula antes de tomá-la aos ombros.
Só se consegue a verdadeira felicidade sendo fiel aos Mandamentos da Lei de Deus e à Santa Igreja.
O bom católico compreende
o valor do sofrimento, do qual os pseudofelizes tanto fogem.
De fato, a dor é para a alma humana o que é o fogo para um metal que deve ser separado da ganga e purificado: sofre-se, porém com resignação e dignidade.
Isso dá à alma uma tranquilidade, uma harmonia, uma força que não há prazer que pague.
Peçamos a Nosso Senhor, por intermédio de sua Mãe Santíssima, que nos conceda o espírito de sacrifício e o amor à Cruz, para assim termos a autêntica felicidade nesta terra e a bem-aventurança eterna no Céu.